quarta-feira, 20 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 18



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Ao regressar à Inglaterra, Thomas Hobbes publica o Leviatã, livro de enorme repercussão no mundo acadêmico. O título corresponde ao nome do gigante citado na Bíblia (Antigo Testamento livro de Jó, 40: 20), que governava o caos primitivo e empunhava na mão direita uma espada (poder secular) e na mão esquerda um báculo episcopal (poder espiritual). A soberania é a sua alma. Os magistrados são as suas juntas. Os seus nervos são as recompensas e os castigos. A riqueza e a prosperidade dos cidadãos são a sua força. O seu objetivo é a segurança do povo. A justiça e as leis exprimem a sua razão e vontade. A concórdia é a sua saúde, a sedição, a sua doença e a guerra civil, a sua morte. Segundo Hobbes, a origem do Estado é a mesma da sociedade: o contrato não escrito. O Estado (Leviatã) resultou da arte humana. No estado de natureza os homens viviam segundo os seus interesses – e não segundo leis – em uma guerra de todos contra todos. Homem lobo do homem (homo homini lupus). A força e a astúcia eram suas armas. Do estado de natureza eles passaram para o estado civil ao se unirem e se organizarem submetendo seus direitos {a conduta e os interesses de cada um} a um soberano capaz de proteger a todos. Essa decisão coletiva inaugura a sociedade. O poder real, portanto, não provém de deus e sim dos próprios homens, sem limitação alguma. Cada indivíduo transferiu o seu direito à mesma pessoa ou assembléia. Ainda que não fosse parte do ato constitutivo (contrato, pacto, convenção) tal pessoa ou assembléia tornou-se a sede da autoridade soberana com poder absoluto, indivisível, inalienável e imprescritível. O soberano é o senhor da lei e da ordem, do justo e do injusto, do certo e do errado, do bem e do mal, da doutrina e da religião, da propriedade e da liberdade. Os homens tudo concederam ao soberano visando à segurança de todos e a paz geral. {Cuida-se da relação inextricável entre obediência e proteção, súdito e soberano. Se faltar obediência, o soberano se desobriga de proteger; se faltar proteção, o súdito se desobriga de obedecer; em qualquer das hipóteses, o Estado dissolver-se-á}. A segurança inclui a garantia da vida, da integridade física e do patrimônio dos súditos, boas leis, honesta distribuição de justiça, igualdade perante a lei e o fisco, caridade pública organizada, trabalho para as pessoas válidas e legalmente capazes, liberdade no silêncio da lei {o que não está proibido pelo soberano, está permitido ao súdito}. Liberdade consiste na ausência de tudo o que impede a ação e que não está contido na natureza e na qualidade intrínseca do agente. {Ausência de obstáculo à ação (fazer, deixar de fazer, ir e vir, dar e receber) e ao pensamento (manifestar sem constrangimento, por todos os meios lícitos)}. No estado de natureza a utilidade é a medida do direito. Natural é o egoísmo e não o altruísmo. Entende-se: (1) por contrato a transferência mútua de direito; (2) por pacto a promessa de cumprir o contrato; (3) por convenção o harmonioso encontro de vontades. O propósito do contrato social é paz compatível com o instinto de conservação. O número de contratantes deve abranger a sociedade civil como um todo a fim de evitar opositores. O pacto social acaba com a guerra. O poder absoluto preserva a paz e impede o retorno à guerra.

A religião é a epilepsia do Estado”. [Esta é a fonte da qual Karl Marx tirou a sua célebre frase: “A religião é o ópio do povo”]. No momento da criação do Estado, a competência para interpretar a escritura sagrada que originalmente pertencia ao indivíduo foi transferida ao soberano que, assim, tornou-se chefe do Estado e da Igreja. Ambas as instituições são temporais. Não há falar em poder espiritual de outro que não seja o rei. Direito político e direito eclesiástico são inseparáveis. Os súditos formam uma unidade nacional sob a autoridade exclusiva do soberano em matéria política e religiosa. A espada e o báculo pastoral estão nas mãos do soberano. Nenhum poder pretensamente espiritual há de rivalizar com o poder do soberano. Os súditos não estão obrigados a servir dois senhores, mas somente ao rei. As pretensões do papa, “fantasma do império romano”, são destituídas de eficácia.

Thomas Hobbes nasceu antes de Descartes e de Spinoza e sobreviveu a ambos. Como esses dois filósofos, Hobbes também acreditava que a geometria era o único método apropriado para se chegar à verdade. Tomou como base dos seus estudos a lei natural de causa e efeito. Negava as idéias inatas. Afirmava que a origem de todo o conhecimento está na percepção sensorial. Recusou o dualismo de Descartes e o panteísmo de Spinoza. Nada existe senão a matéria. Deus e espírito, se existirem, serão substâncias materiais, necessariamente. O livre arbítrio é impossível, pois o homem é um ser determinado pelas leis da natureza e está provido de um mecanismo semelhante à máquina. A sensação nasce do movimento dessa máquina. O movimento que aproxima é amor; o que afasta, é ódio; o que dá prazer é bom, o que traz sofrimento é mau. A morte é o mal supremo. Piedade é a dor provocada pelo infortúnio do outro e pela tomada de consciência de que o mesmo pode acontecer conosco. Felicidade é a constante realização dos nossos desejos. Componente essencial da felicidade é o sentimento da superioridade do nosso poder em relação ao outro. A honra, a riqueza e o conhecimento são componentes desse poder. No ser humano há o desejo incessante de poder que só termina com a morte. A competição entre os seres humanos decorre desse desejo sempre insatisfeito. Razão e cálculo se equivalem. Trata-se de adição e subtração de conseqüências, operação racional provocada pela curiosidade, pelo desejo, pela angústia do futuro e pelo temor do invisível. Hobbes não vê a razão como iluminação divina que une o homem a deus, mas sim como operação mental simples (juízo) ou complexa (raciocínio). O homem deixa de ser o lobo do homem ao passar do estado de natureza para o estado civil. Esta passagem foi possível graças a fatores emocionais (temor à morte violenta, aspiração a uma vida agradável e ao uso da sua própria indústria para atender às suas necessidades) e a fatores racionais (valores éticos revelados pela razão e universalmente aceitos, tais como: justiça, equidade, moderação, misericórdia; fazer aos outros, o que gostaríamos que nos fizessem).

No capítulo intitulado “Estado Cristão”, Hobbes diz que aos mistérios que não são compreensíveis não se aplicam as regras da ciência natural. Muita coisa depende da revelação sobrenatural da vontade de deus que fala ao homem imediatamente ou através de outro homem (profeta ou apóstolo). Por ser homem, o intermediário pode se enganar ou mentir. O ensino da religião estabelecida por deus e a realização de um milagre foram os únicos sinais aceitos pelas escrituras como próprios de um verdadeiro profeta. Como não se produzem mais milagres, restou apenas a doutrina. Os textos apócrifos devem ser extirpados das escrituras, conforme determinação da igreja da Inglaterra. A razão não serve para convencer da verdade dos fatos, mas apenas da verdade das conseqüências {verdade das causas (fé) x verdade dos efeitos (inteligência)}. Segundo Hobbes, por ser chamado “cinco livros de Moisés”, não significa que o Pentateuco foi escrito por Moisés. Na verdade, tais livros foram escritos muito tempo depois da morte de Moisés, sob orientação de Esdras, após o regresso dos judeus do cativeiro da Babilônia. Com exceção de Paulo e Lucas, os demais autores do Novo Testamento foram discípulos de Jesus e seus escritos foram reunidos pelos dirigentes da igreja somente no Concílio de Laodicéia (ano 364). O que torna canônico um livro não é o seu autor e sim a autoridade da igreja. Os homens que escreveram esses livros estavam imbuídos do mesmo espírito: estabelecer os direitos do reino de deus, do pai, do filho e do espírito santo. O reino de Cristo não era deste mundo. Logo, os seus ministros não podem exigir obediência, salvo se forem reis. A missão dos ministros de Cristo neste mundo é levar os homens a crer e ter fé em Cristo. A fé não tem relação alguma com a coerção e a autoridade. Cristo não deu autoridade alguma aos seus ministros para comandar os outros homens neste mundo. A fé é uma dádiva de deus. A missão dos apóstolos e sucessores é pregar o evangelho a todas as criaturas, batizar em nome do pai, do filho e do espírito santo e remir os homens dos seus pecados. Isto com base na suave persuasão e não no poder secular

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