EUROPA (1600 a
1800). Continuação.
A teoria econômica foi
outro ingrediente intelectual da revolução francesa. O controle público da
indústria e do comércio tornou-se alvo da contestação de alguns pensadores no
século XVIII. Combatiam a política mercantilista. Suas armas eram as idéias do
Iluminismo, em especial a da mecânica universal governada por leis inflexíveis.
Segundo essa corrente a produção e a distribuição de bens submetiam-se a leis
irresistíveis como as da Física e da Astronomia. A teoria econômica era a
contraparte da teoria política. Ambas tinham o mesmo propósito de reduzir os
poderes do governo a um mínimo compatível com a segurança social e individual e
de preservar a maior porção de liberdade possível ao indivíduo para que pudesse
manifestar as suas potencialidades. A nova teoria considerava sagrada a
propriedade privada e sustentava que: (1) todo homem tem o direito de fazer o
que bem entender com aquilo que é seu; (2) a pobreza resulta da preguiça e da
incompetência e ensina os pobres a respeitar os seus superiores e a agradecer à
providência divina pelas bênçãos que recebem; (3) as atividades sórdidas e
ignóbeis da comunidade devem ser desempenhadas pelos pobres; (4) aos ricos e
remediados cabem as funções mais elevadas.
A primeira corrente do
pensamento econômico a combater o mercantilismo foi a fisiocrata {assim chamada em virtude da sua base naturalista}. Os
empreendimentos naturais como agricultura, piscicultura e mineração importam
mais do que o comércio. Principais expoentes dessa doutrina: Quesnay, Mirabeau
(pai), Dupont, Turgot. De acordo com estes pensadores, a natureza é a
verdadeira produtora da riqueza. O governo deve se abster de intervir nos
negócios e não deve embaraçar a ação das leis econômicas naturais. O lema era: laissez faire, laissez passer, le monde va
de lui-même. Os fisiocratas envolveram em um manto sagrado a liberdade de
contratar, de produzir e de ter (propriedade privada).
Adam Smith, inglês,
filósofo, professor, apóstolo do capitalismo, aceita parcialmente a doutrina
fisiocrata, mas não se filia ao grupo (1723 a 1790). Publica o notável “Inquérito sobre a Natureza e as Causas da
Riqueza das Nações” que lhe deu fama imorredoura (1776). Ele estudou de
modo pioneiro as forças que atuam na economia de um país. Para Smith, a
verdadeira fonte da riqueza é o trabalho. Ele tratou da divisão do trabalho na
sociedade. Segundo Smith, a produção de bens aumenta se a fabricação for
decomposta em estágios cada qual realizado por operário especializado. Este
princípio foi aplicado em larga escala na indústria moderna. [A robotização do
operário na fábrica foi retratada com humor e realismo em filme estrelado por
Charles Chaplin na primeira metade do século XX]. Alguma interferência do
Estado é necessária no campo da saúde pública, da educação, da justiça, dos
empreendimentos para os quais a iniciativa privada não tem interesse ou não tem
recursos, muito embora deva prevalecer a liberdade como regra. A doutrina de
Smith vigorou nos séculos XVIII e XIX como se fora sagrada e influiu na
revolução francesa ao fortalecer a burguesia com os seus argumentos contrários
ao mercantilismo.
Os campônios franceses do
século XVIII estavam em situação melhor do que os seus congêneres de outros
países do continente europeu. A miséria localizava-se em alguns bairros de
Paris. O rigoroso inverno de 1788 e 1789 irritou e desesperou a camada pobre e
miserável da população parisiense que se rebelou. A burguesia composta de banqueiros,
comerciantes, industriais, advogados, médicos, excluída dos privilégios e das
decisões políticas, também se revoltou. A pretensão dessa burguesia ao poder
político em paridade com o seu poder econômico fomentou a revolução. A camada
social abastada sentia-se fortalecida e capacitada para manter a si própria e
defender os seus interesses com recursos próprios. A política mercantilista do
rei e os regulamentos do mercantilismo tornaram-se inconvenientes. O Terceiro Estado os considerou
opressivos. Esse órgão composto de burgueses, de artesãos, de operários e de
camponeses integrava outro mais extenso: os Estados
Gerais constituídos da nobreza, do clero e dos comuns (povo). No seio desse
órgão mais extenso houve discórdia: nobreza e clero de um lado e povo (comuns)
de outro. A intervenção do rei e a concessão de monopólios a companhias
protegidas foram consideradas prejudiciais aos interesses da burguesia que
ansiava por um regime favorável às suas pretensões. Depois de 1614, os Estados
Gerais não foram mais convocados pelos monarcas. O Estado era o rei. A vontade
do rei era soberana, incontrastável. Direitos naturais do homem não eram
reconhecidos. Prisões se efetuavam sem o devido processo jurídico. Liberdade de
pensamento só enquanto não contrariasse o monarca. Felizmente, Luiz XV e Luiz
XVI não se importavam com a expressão do pensamento, o que possibilitou a
expansão das idéias de Voltaire e de Rousseau. [No século XX, Stalin dizia
ressabiado: “mais temo as idéias do que as armas”].
Ineficiência, desperdício,
suborno, superposição de funções, excesso de funcionários, conflito de atribuições
entre departamentos, falta de orçamento e de escrituração, confusão entre renda
do rei e renda do Estado, gastos palacianos excessivos, arrecadação feita ao
acaso por corporações particulares que arrancavam do povo tudo que podiam acima
da cota fixada pelo rei, leis diferentes em cada província francesa; tudo isto
contribuiu para o descontentamento do povo (burgueses + artesãos + operários +
camponeses) e para dar impulso à revolução. Guerras desastrosas em que se
lançou a França no século XVIII cevaram a animosidade da classe média contra o
governo. Derrota na guerra dos sete anos sob Luiz XV e a intervenção na guerra
da independência americana sob Luiz XVI arruinaram as finanças da França. O
estado de miséria de parcela do povo alimentou a rebeldia. Atribui-se à rainha
Maria Antonieta a recomendação para o povo comer bolo (ou brioches) à falta de
pão. Interessava aos conspiradores forjar a imagem de uma rainha alienada e
insensível. Houve profusão de panfletos e comentários difamatórios. O fato de
Maria Antonieta ser austríaca e católica favorecia a oposição e as injúrias. A
guilhotina desceu sobre o pescoço dessa viúva de 37 anos de idade e mãe de três
filhos pequenos.
Os burgueses e os
campônios insurgiam-se também contra os privilégios do clero e da nobreza. O
clero dividia-se em duas partes: o superior (cardeais, arcebispos, bispos e
abades) e o inferior (padres). Os componentes do clero superior cuidavam menos dos
assuntos religiosos e muito mais das suas propriedades e rendas. Corruptos,
despóticos, depravados, manchavam os princípios éticos da igreja e dilapidavam
os recursos da nação. A nobreza bipartia-se em nobreza de espada (títulos
antigos e tradicionais) e nobreza de roupa (títulos novos oriundos de compra).
Esta segunda nobreza compunha-se de pessoas ricas, algumas de superior
inteligência como Montesquieu, Mirabeau e Lafayette. A classe privilegiada correspondia
à nobreza de espada que monopolizava as principais posições do governo.
Intendentes cuidavam das propriedades enquanto os nobres proprietários viviam em Versalhes. Apoiado
em lei medieval, o clero não pagava tributos. Os nobres obtinham isenções do
rei. Os artesãos e os operários não tinham o que ser taxado. A sobrecarga
ficava para a burguesia e para os camponeses. Sobrevivências feudais
sacrificavam os camponeses. Seus campos eram pisoteados pelos cavalos dos
nobres na época de caça. Parte da produção agrícola destinava-se ao nobre
proprietário da terra.
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