segunda-feira, 11 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 14



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

A teoria econômica foi outro ingrediente intelectual da revolução francesa. O controle público da indústria e do comércio tornou-se alvo da contestação de alguns pensadores no século XVIII. Combatiam a política mercantilista. Suas armas eram as idéias do Iluminismo, em especial a da mecânica universal governada por leis inflexíveis. Segundo essa corrente a produção e a distribuição de bens submetiam-se a leis irresistíveis como as da Física e da Astronomia. A teoria econômica era a contraparte da teoria política. Ambas tinham o mesmo propósito de reduzir os poderes do governo a um mínimo compatível com a segurança social e individual e de preservar a maior porção de liberdade possível ao indivíduo para que pudesse manifestar as suas potencialidades. A nova teoria considerava sagrada a propriedade privada e sustentava que: (1) todo homem tem o direito de fazer o que bem entender com aquilo que é seu; (2) a pobreza resulta da preguiça e da incompetência e ensina os pobres a respeitar os seus superiores e a agradecer à providência divina pelas bênçãos que recebem; (3) as atividades sórdidas e ignóbeis da comunidade devem ser desempenhadas pelos pobres; (4) aos ricos e remediados cabem as funções mais elevadas. 

A primeira corrente do pensamento econômico a combater o mercantilismo foi a fisiocrata {assim chamada em virtude da sua base naturalista}. Os empreendimentos naturais como agricultura, piscicultura e mineração importam mais do que o comércio. Principais expoentes dessa doutrina: Quesnay, Mirabeau (pai), Dupont, Turgot. De acordo com estes pensadores, a natureza é a verdadeira produtora da riqueza. O governo deve se abster de intervir nos negócios e não deve embaraçar a ação das leis econômicas naturais. O lema era: laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même. Os fisiocratas envolveram em um manto sagrado a liberdade de contratar, de produzir e de ter (propriedade privada).

Adam Smith, inglês, filósofo, professor, apóstolo do capitalismo, aceita parcialmente a doutrina fisiocrata, mas não se filia ao grupo (1723 a 1790). Publica o notável “Inquérito sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações” que lhe deu fama imorredoura (1776). Ele estudou de modo pioneiro as forças que atuam na economia de um país. Para Smith, a verdadeira fonte da riqueza é o trabalho. Ele tratou da divisão do trabalho na sociedade. Segundo Smith, a produção de bens aumenta se a fabricação for decomposta em estágios cada qual realizado por operário especializado. Este princípio foi aplicado em larga escala na indústria moderna. [A robotização do operário na fábrica foi retratada com humor e realismo em filme estrelado por Charles Chaplin na primeira metade do século XX]. Alguma interferência do Estado é necessária no campo da saúde pública, da educação, da justiça, dos empreendimentos para os quais a iniciativa privada não tem interesse ou não tem recursos, muito embora deva prevalecer a liberdade como regra. A doutrina de Smith vigorou nos séculos XVIII e XIX como se fora sagrada e influiu na revolução francesa ao fortalecer a burguesia com os seus argumentos contrários ao mercantilismo.

Os campônios franceses do século XVIII estavam em situação melhor do que os seus congêneres de outros países do continente europeu. A miséria localizava-se em alguns bairros de Paris. O rigoroso inverno de 1788 e 1789 irritou e desesperou a camada pobre e miserável da população parisiense que se rebelou. A burguesia composta de banqueiros, comerciantes, industriais, advogados, médicos, excluída dos privilégios e das decisões políticas, também se revoltou. A pretensão dessa burguesia ao poder político em paridade com o seu poder econômico fomentou a revolução. A camada social abastada sentia-se fortalecida e capacitada para manter a si própria e defender os seus interesses com recursos próprios. A política mercantilista do rei e os regulamentos do mercantilismo tornaram-se inconvenientes. O Terceiro Estado os considerou opressivos. Esse órgão composto de burgueses, de artesãos, de operários e de camponeses integrava outro mais extenso: os Estados Gerais constituídos da nobreza, do clero e dos comuns (povo). No seio desse órgão mais extenso houve discórdia: nobreza e clero de um lado e povo (comuns) de outro. A intervenção do rei e a concessão de monopólios a companhias protegidas foram consideradas prejudiciais aos interesses da burguesia que ansiava por um regime favorável às suas pretensões. Depois de 1614, os Estados Gerais não foram mais convocados pelos monarcas. O Estado era o rei. A vontade do rei era soberana, incontrastável. Direitos naturais do homem não eram reconhecidos. Prisões se efetuavam sem o devido processo jurídico. Liberdade de pensamento só enquanto não contrariasse o monarca. Felizmente, Luiz XV e Luiz XVI não se importavam com a expressão do pensamento, o que possibilitou a expansão das idéias de Voltaire e de Rousseau. [No século XX, Stalin dizia ressabiado: “mais temo as idéias do que as armas”].

Ineficiência, desperdício, suborno, superposição de funções, excesso de funcionários, conflito de atribuições entre departamentos, falta de orçamento e de escrituração, confusão entre renda do rei e renda do Estado, gastos palacianos excessivos, arrecadação feita ao acaso por corporações particulares que arrancavam do povo tudo que podiam acima da cota fixada pelo rei, leis diferentes em cada província francesa; tudo isto contribuiu para o descontentamento do povo (burgueses + artesãos + operários + camponeses) e para dar impulso à revolução. Guerras desastrosas em que se lançou a França no século XVIII cevaram a animosidade da classe média contra o governo. Derrota na guerra dos sete anos sob Luiz XV e a intervenção na guerra da independência americana sob Luiz XVI arruinaram as finanças da França. O estado de miséria de parcela do povo alimentou a rebeldia. Atribui-se à rainha Maria Antonieta a recomendação para o povo comer bolo (ou brioches) à falta de pão. Interessava aos conspiradores forjar a imagem de uma rainha alienada e insensível. Houve profusão de panfletos e comentários difamatórios. O fato de Maria Antonieta ser austríaca e católica favorecia a oposição e as injúrias. A guilhotina desceu sobre o pescoço dessa viúva de 37 anos de idade e mãe de três filhos pequenos.

Os burgueses e os campônios insurgiam-se também contra os privilégios do clero e da nobreza. O clero dividia-se em duas partes: o superior (cardeais, arcebispos, bispos e abades) e o inferior (padres). Os componentes do clero superior cuidavam menos dos assuntos religiosos e muito mais das suas propriedades e rendas. Corruptos, despóticos, depravados, manchavam os princípios éticos da igreja e dilapidavam os recursos da nação. A nobreza bipartia-se em nobreza de espada (títulos antigos e tradicionais) e nobreza de roupa (títulos novos oriundos de compra). Esta segunda nobreza compunha-se de pessoas ricas, algumas de superior inteligência como Montesquieu, Mirabeau e Lafayette. A classe privilegiada correspondia à nobreza de espada que monopolizava as principais posições do governo. Intendentes cuidavam das propriedades enquanto os nobres proprietários viviam em Versalhes. Apoiado em lei medieval, o clero não pagava tributos. Os nobres obtinham isenções do rei. Os artesãos e os operários não tinham o que ser taxado. A sobrecarga ficava para a burguesia e para os camponeses. Sobrevivências feudais sacrificavam os camponeses. Seus campos eram pisoteados pelos cavalos dos nobres na época de caça. Parte da produção agrícola destinava-se ao nobre proprietário da terra.

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