domingo, 4 de dezembro de 2011

IMPUNIDADE

Exemplo da prevalência política em decisão judicial verificou-se no Supremo Tribunal Federal, ação penal MP x LHS, relator ministro Ricardo Lewandowski, sessão de julgamento de 24/11/2011.
Candidato a governador do Estado de Santa Catarina, nos idos de 2002, em período de campanha eleitoral, durante entrevista prestada a emissora de televisão, ofendeu juiz eleitoral de Joinville, chamando-o de pequeno e menor (injúria). O candidato afirmava que o juiz o perseguia durante meses e o ameaçava de prisão (calúnia).
O Ministério Público ofereceu denúncia contra o candidato – depois governador daquele Estado e atualmente senador da república – por injúria e calúnia. O tribunal discutia se deferia ou indeferia a denúncia (juízo de admissibilidade). Do deferimento dependia a instauração do processo criminal contra o senador. Inicialmente, a denúncia enquadrou o acusado na lei de imprensa. Retirada essa lei do ordenamento jurídico por decisão do Supremo Tribunal Federal, o enquadramento mudou para o código penal. O tribunal rejeitou a denúncia. Em conseqüência, o processo não foi instaurado. Prevaleceu a razão política da maioria dos juízes. A razão jurídica da minoria sucumbiu.
O crime de injúria ocorreu. Inequívoca a intenção de atingir a honra do magistrado, cuja estatura moral e intelectual foi apequenada pelo acusado através de canal aberto de televisão. Todavia, os juízes, por unanimidade, concordaram que esse delito estava prescrito. O prazo prescricional foi contado pela metade em decorrência de o denunciado ser septuagenário. Nessa parte, a rejeição da denúncia encontra amparo na processualística em vigor (CPP 43, II).
O crime de calúnia ocorreu. O prazo prescricional não se esgotou mesmo contado pela metade. O acusado excedeu-se no exercício do direito de crítica e na liberdade de expressão ao atribuir ao juiz conduta definida como crime de ameaça, prevaricação e abuso de autoridade (CP 147, 319 + lei 4.898/1965, 3º, a e g). Irrelevante se o ofensor não mencionou o delito pelo nome técnico. Importa verificar se a conduta que ele atribuiu ao ofendido é ou não é delituosa.
No caso em tela, a resposta é positiva. Juiz eleitoral pratica ação delituosa quando, sem justa causa, persegue candidato durante campanha eleitoral e o ameaça de prisão. Perseguir significa acossar, atemorizar, importunar, comportamento que revela parcialidade do juiz e interesse em beneficiar o adversário do candidato na disputa eleitoral. A calúnia evidenciou-se. A injúria reforça a intenção do acusado de caluniar o juiz. Alicerçada em robusta prova citada pelo relator, a denúncia tinha de ser recebida e o processo instaurado. A questão de mérito seria apreciada após a instrução processual e os debates, quando o tribunal absolveria ou condenaria o réu.
A denúncia pode ser rejeitada se o fato narrado evidentemente não constitui crime (CPP 43, I). No caso concreto, a conduta atribuída ao juiz configurava delitos definidos na lei penal. Calumniare est falsa crimina intendere (caluniar é imputar crime falsamente). A denúncia estava perfeita conforme leitura em plenário. Provavelmente, no julgamento da maioria pesaram a idade do senador, a sua posição social e o tempo decorrido. Mental contorcionismo e capciosa interpretação das palavras e das atitudes do ofensor alicerçaram o indeferimento da denúncia. Capitis deminutio dos juízes eleitorais. Magistrados desvalorizados pela corte suprema. Terrível precedente.
A ponderação entre os valores em jogo no processo judicial importa: (i) na apreciação da realidade política, social e econômica; (ii) no exame dos princípios e regras aplicáveis ao caso; (iii) no reconhecimento da hierarquia entre princípios e regras na estrutura jurídica do Estado. Na ponderação, o juízo político pode sobrepujar o jurídico. Empirismo e critérios de oportunidade e conveniência preponderam sobre razões estritamente jurídicas. Nos tribunais, a preponderância da política ante o direito coloca em risco a segurança jurídica. A decisão politicamente inspirada deve situar-se no círculo das variáveis permitidas pela ordem jurídica. Fora de tal círculo, campeia a arbitrariedade.

Nenhum comentário: