sábado, 10 de dezembro de 2011

IMPRENSA

III

A palavra censura comporta o sentido de: (i) ato de reprovar, repreender, condenar, criticar; (ii) instituição pública ou privada cuja finalidade é censurar. Como instituição pública há, basicamente, duas modalidades: (i) aparelho repressor do regime autocrático; (ii) sistema preventivo e repressivo do regime democrático. Como instituição privada, compreende mecanismos criados por organizações civis que estabelecem regras disciplinadoras das relações das empresas entre si, com o público e com o governo. Códigos de ética são elaborados e cumpridos enquanto o nível de faturamento da empresa se mantém alto e a competição não se torna selvagem. Há também aqueles que, na constância da habilidade de enganar, burlam as regras.

O dispositivo impugnado na ação direta de inconstitucionalidade em trâmites pelo Supremo Tribunal Federal - STF (ADI 2404) não reprova programa algum, nem cria aparelho repressor. Consta de uma lei elaborada no devido processo jurídico em harmonia com o sistema preventivo e repressivo decorrente da Constituição:

“Transmitir através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso da sua classificação: Pena – multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias”. (Lei 8.069/1990, art. 254).

O autor da ação pede ao STF que declare inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado”, ali contida. Como exposto nesta série, tal pretensão está juridicamente desamparada. O preceito é constitucional na sua inteireza, encaixa-se na competência do legislador ordinário e atende ao bem comum, especialmente à proteção do público infantil e juvenil. O dispositivo impugnado é conseqüência lógica do disposto no artigo 76, da citada lei:

“As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Parágrafo único – Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso da sua classificação, antes da sua transmissão, apresentação ou exibição.”

Firme na lei, a autoridade estatal fixa tão somente hora a partir da qual o programa poderá ser exibido. Dentro do período permitido, as emissoras escolhem hora para transmissão.

Revela-se artificiosa a colisão, mencionada nos votos dos ministros, do dispositivo impugnado com o preceito que atribui competência à União Federal para classificar os programas de radio e televisão. Ao contrário do que lá foi dito, o efeito indicativo não exclui vinculações decorrentes do legítimo exercício do poder governamental. Diz a norma:

“Compete à União: exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão”. (CR 21, XVI).

Do preceito constitucional não consta – e nem podia constar, sob pena de esvaziar a si próprio – que a classificação é para “exclusivo” efeito indicativo. Se o atendimento à classificação e ao horário de exibição ficasse ao arbítrio das emissoras, o preceito seria inócuo.

No campo do direito posto, classificar sem sanção é flutuar no vácuo; regulamentar sem força jurídica é convidar à desobediência.

Dois elementos caracterizam a regra jurídica: o preceito (determinação da conduta) e a sanção (penalidade se violado o preceito). Por isso mesmo, quando a norma constitucional diz “para efeito indicativo” vai além do simples efeito de mostrar, aconselhar, orientar, apontar. O sentido normativo é o de prescrever, ordenar, preceituar, diante do qual a classificação adquire força de preceito jurídico e reclama sanção. Desobedecê-la e/ou exibir programa fora do horário recomendado, caracterizam infração à regra jurídica, o que enseja punição ao infrator.

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