segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

IMPRENSA

IV

O sistema de competências estabelecido pelo legislador constituinte delimita a ação do governante (parlamentar, chefe de governo, magistrado). Extravasá-lo é adentrar terreno ilícito. Fundado na sua autoridade e mediante o devido processo, o parlamentar elabora normas de nível constitucional e infraconstitucional (CR 59/69). Ao elaborar emenda à Constituição, não pode tocar: (i) na forma federativa de Estado; (ii) no voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) na separação dos poderes; (iv) nos direitos e garantias individuais. Ao elaborar leis, não pode escapar aos parâmetros constitucionais.

A lei pode apresentar artigos, parágrafos, itens, enunciados parciais, colidentes com o texto constitucional. A ação proposta pelo PTB versa trecho de um enunciado legal. Embora possível esse minúsculo tipo de argüição, aquela ação judicial é temerária e ardilosa. Se provida: (i) dispensará dever do Estado sem a necessária intervenção do legislador constituinte; (ii) beneficiará o faturamento das emissoras. Certamente, algum benefício reverterá ao partido. Fechar os olhos ao espírito de malandragem que permeia a sociedade brasileira é acumpliciar-se. “O Brasil não é um país sério” sentenciaram alhures.

O rol das atribuições do Supremo Tribunal Federal (STF) não inclui a de legislador constituinte. O trecho impugnado, assim como o artigo em sua inteireza, é corolário de norma constitucional que atribui deveres ao Estado. Revogar a lei compete exclusivamente ao Congresso Nacional. Não cabe ao STF revogá-la. O jurisdicionado fica imune à lei ou à parte da lei declarada inconstitucional pelo Judiciário, porém, a lei vigora até que o Senado suspenda sua execução (CR 52, X).

O legislador constituinte atribuiu ao Estado o dever de proteger a família, as crianças e os adolescentes e estabeleceu limites à produção e programação das emissoras de rádio e televisão entre os quais se destacam: (i) a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; (ii) o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (CR 220, §3º + 221, I, IV + 226/227).

O legislador ordinário cuidou da matéria no código civil (lei 10.406/02, 1511/1783) e no estatuto da criança e do adolescente (lei 8.069/90, 76 + 254/255). O trecho da lei impugnado na ação judicial (ADI 2404) resulta do regular cumprimento do dever do Estado.

Permissões, autorizações, restrições e proibições existem tanto na autocracia como na democracia, pois derivam da comum necessidade de ordem. A parcela conservadora do povo brasileiro aceita com simpatia o regime autocrático, inclusive a censura repressora. A parcela progressista do povo brasileiro aceita com simpatia o regime democrático, inclusive o sistema de segurança. Assim dividido na base, o povo brasileiro manifesta o seu pluralismo político e organiza partidos de esquerda, centro e direita, numa efusão de cores do vermelho ao violeta, desenhando o arco-íris da liberdade no céu da pátria.

O trecho do artigo de lei impugnado na referida ação judicial não tipifica censura, quer no sentido de ato reprovador, quer no sentido de instituição. Cuida-se de regramento de atividade que influi na família (base da sociedade) e na vida das crianças e dos adolescentes (futuro da nação). Ao Estado cabe a respectiva proteção enquanto não houver decisão em contrário do legislador constituinte. Ante a relevância dessa proteção para a sociedade brasileira, os representantes do povo provavelmente a manterão no texto constitucional.

O citado dispositivo legal não castra a liberdade de pensamento, de consciência, de crença, de convicção filosófica ou política (aqui, a Constituição silencia sobre censura: art. 5º, IV, VI, VIII). A expressão intelectual, artística, científica e a respectiva comunicação não foram afetadas (aqui, a Constituição veda censura: art. 5º, IX). O exercício de trabalho, ofício ou profissão, fica sujeito às qualificações profissionais que a lei estabelecer (aqui, a Constituição declara a liberdade e, ao mesmo tempo, permite restrições legais: art.5º XIII).

No âmbito da comunicação social, o legislador constituinte vedou só a censura de natureza ideológica, política e artística (CR 221, §2º). Ad argumentandum tantum, ainda que no dispositivo impugnado censura houvesse, a natureza desta seria administrativa e a sua finalidade seria social; fora, portanto, da vedação constitucional.


A magistratura e a imprensa abordam sob ângulos distintos os mesmos temas da Constituição e das leis. A ciência jurídica e o jornalismo têm fins e métodos próprios. A importância da liberdade de imprensa para a democracia não foi colocada em dúvida na referida ação judicial. Despiciendas, portanto, apologias a essa liberdade durante o respectivo julgamento. Discurso apologético, em tom sereno ou apoplético, embora de algum valor ornamental, obscurece a questão em debate e externa o propósito do orador de atrair para si o aplauso dos jornalistas e dos proprietários das empresas de comunicação social.

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