quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

IMPRENSA

II

Dos votos dos ministros, na citada ação direta de inconstitucionalidade, infere-se que o tribunal está propenso a reconhecer liberdade absoluta à imprensa e afrontar ao modelo político posto pelo legislador constituinte (CR 1º). Na república democrática não há lugar para absolutismos, quer da autoridade (tirania), quer da liberdade (anarquia). Ao contrário do que se extrai dos votos, liberdade plena não significa liberdade absoluta. Ademais, a norma constitucional que se alega violada, refere-se estritamente à plena liberdade de informação jornalística, sem incluir a manifestação do pensamento, a criação e a expressão (CR 220, §1º).

Liberdade plena em república democrática significa a possibilidade de ser e ter, querer e agir, expressar e comunicar, crer e não crer, fazer e não fazer, reunir e não reunir, associar e não associar, contratar e não contratar, tudo sem embaraço, porém, dentro das balizas cravadas pela autoridade do legislador constituinte e do legislador ordinário. No vasto espaço jurídico e social, as liberdades são vivenciadas, ora em harmonia, ora em conflito, umas com as outras.

Liberdade absoluta significa ausência de freios físicos, éticos e jurídicos. Aspiração de anarquistas bem intencionados e pretensão de liberais maliciosos, esse tipo de liberdade não se compatibiliza com a sociedade civilizada e democrática. Poder-se-ia falar em liberdade absoluta do povo para organizar o Estado mediante costumes, leis e jurisprudência, como na Inglaterra, ou mediante Constituição escrita, como nos EUA e no Brasil. O condicional (“poder-se-ia”) deve-se à estima de valores tradicionais enraizados na consciência do povo e que funcionam como barreiras consuetudinárias, éticas, estéticas e psicológicas ao exercício do poder constituinte. Até no regime autocrático, monarcas e ditadores procuram respeitar valores e costumes tradicionais do povo, inclusive crenças e rituais religiosos. Poder absoluto e liberdade absoluta são faces da moeda que está nas mãos de Deus.

Na cultura brasileira há um tipo de mentalidade fundada na aspiração libertina e que se reflete no comportamento: “Freios? Só para os outros. Igualdade? Só quando me beneficia. Escassez? Abundância para mim e racionamento para os demais”.

Parlamentares, chefes de governo, magistrados, gozam de imunidades para o eficaz desempenho da representação popular e realização dos objetivos fundamentais da república democrática brasileira. Apesar da ampla liberdade de governar permitida pelas imunidades, esses agentes políticos respondem judicialmente por seus atos na hipótese de abuso de poder, desvio de finalidade ou falta de decoro. Os governados não gozam de tais imunidades e tampouco de liberdade absoluta.

A Constituição escrita e as leis que a regulamentam, traçam os limites da autoridade e da liberdade. Os princípios fundamentais enunciados nos artigos 1º a 4º da Constituição brasileira são balizas da autoridade do governante e da liberdade do governado. Os direitos fundamentais declarados nos artigos 5º a 17 são limites à autoridade do governante.

O dispositivo impugnado na citada ação direta de inconstitucionalidade sanciona a desobediência à classificação dos programas de rádio e televisão. A classificação é dever do Estado e visa a proteger a família brasileira, as crianças e os adolescentes. Dito dispositivo deixa incólume o conteúdo da programação (liberdade de expressão e comunicação); refere-se apenas ao momento apropriado da transmissão do programa e comina pena ao eventual transgressor. Não há falar em violação à liberdade de imprensa e sim em disciplina do horário de transmissão. Dizer que a autoridade estatal pode abusar na classificação vale tanto quanto dizer que a emissora pode abusar na programação. Na ordem jurídica há remédio para o abuso tanto da autoridade como da liberdade.

Nota-se, nos votos dos ministros, confusão entre poder administrativo do governo (regulamentar, fiscalizar, controlar) – irrenunciável e de obrigatório exercício – e a extremada censura policial (reprimir, proscrever). Nota-se, ainda, a presença de conceitos que se repelem como água e azeite na mesma vasilha. O bom suco resulta da apropriada seleção das frutas lançadas no liquidificador.

Censura é palavra estigmatizada em virtude da experiência ditatorial na história do povo brasileiro desde os alvores da república. Entretanto, essa palavra corresponde a uma operação mental própria do ser humano. Na vida gregária, os humanos censuram as idéias, as obras e o comportamento uns dos outros. Na administração pública, a censura consta da gradação das penas aplicáveis aos funcionários, a saber: advertência, censura, suspensão e demissão.

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