quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

BÓRIS

BÓRIS, O Gigante.
I
Fevereiro. 2004. Barra da Tijuca. Rio de Janeiro. Ninhada de cachorrinhos gerada por uma fêmea Dog e um macho Hotweiller. O dono dos animais oferece gratuitamente ao jovem Rafael, seu amigo, um roliço filhote de pelo negro e brilhoso. Pelas mãos do jovem, nosso filho, aquela bolinha cor de carvão chega ao apartamento em Ipanema. Escolhe um canto para seu retraimento. Estava triste, com saudade dos pais e irmãos caninos. Rafael o aconchegou. O cãozinho dormiu com o irmão humano. No dia seguinte, rumou para Penedo, onde fica a residência dos pais humanos que o adotaram. Lá o aguardava Pretinho, por mim batizado, filhote, mestiço, raça pequena, vindo de Curitiba, das ruas do Jardim América, por onde vagava abandonado. Os dois se aceitaram como irmãos. Cada qual com sua pré-fabricada casa de madeira. Chegado o momento de dar nome ao novo membro da família, Jussara, dona do nosso lar, o batizou: Bóris.
Os dois cãezinhos brincavam no quintal. Bóris crescia mais do que Pretinho. O recém chegado preferia ficar com o irmão adotivo, sob o mesmo teto. Compartilhavam também ração e água. Juntos iam à clínica veterinária para vacinas e exames regulares. Na adolescência, estranhavam-se na hora da refeição. Pretinho rosnava, arreganhava os dentes e impunha autoridade por ser mais antigo na casa. Latia e admoestava o irmão adotivo para mantê-lo distante da sua ração. Ambos recebiam atenção e carinho da família humana. Tomavam as vacinas na data certa e comiam as rações em intervalos e quantidade recomendados pelo veterinário. Ao perceber que Jussara tinha medo daquele adolescente negro, de crânio avantajado, testa proeminente, patas maiores do que os punhos da dona, o marido adverte: o cão é dócil e espera o materno amor. Dali em diante, ela o abraçava, com ele conversava e lhe fazia mimos, tal qual no tempo de filhote. Ao marido sobrou o oitavo lugar na ordem de preferência da esposa: os três filhos seguidos dos quatro cachorros, sem papagaio e sem gato.
Bóris ficou gigante: 80 kg. Manoel, zelador da nossa casa, no Jardim Martinelli, em manhãs alternadas leva os cachorros a passear pelas ruas próximas, todas sem pavimentação. A nossa região é urbana no código municipal de posturas e rural na sua paisagem. Às vezes falta água; outras vezes, falta luz. Era uma colônia finlandesa. Cresceu e se transformou em aldeia. Imensas áreas verdes, fauna e flora de rica variedade, pastagens, gado, cachoeiras, montanhas, hotéis, pousadas, restaurantes, artesanato, moradores e turistas. Ao se depararem com os nossos cachorros, as pessoas ficavam receosas, mas admiradas diante do tamanho e da beleza do Bóris. Nunca falamos da sua docilidade, pois a corpulência intimidadora funcionava como elemento da segurança da casa. Ele exibia força e valentia apenas contra animais irracionais ou contra racionais que pretendessem nos visitar sem serem convidados. Atiçado por Pretinho, deu cabo de um ouriço que invadiu o terreno da nossa casa. O médico veterinário o anestesiou. Ajudei na delicada tarefa de retirar os espinhos sem rasgar o tecido da boca (língua e bochecha).
Pretinho liderava as peripécias. Bóris o seguia. Foi assim que mandaram uma gatinha para o outro mundo. Deixada na casa por nossa filha, a gatinha se descuidou ao sair por uma fresta da janela da oficina para aspirar o ar da noite. Os dois caíram sobre ela. Barulho infernal. De pijamas, acudimos. A gatinha estava abatida, embora sem grave ferimento físico externo. Morreu de susto e/ou de lesão interna, no piso da cozinha onde fora colocada a salvo daqueles dois traquinas. Ficamos ao seu lado durante a madrugada. A gatinha dava sinais de que desistira de viver neste mundo cão. Demos-lhe sepultura.
Bóris tinha um porte nobre, passadas majestáticas. Pouco se importava com o latido dos cães no interior do quintal das casas que ladeavam as ruas por onde passeávamos. Brigitte e Laika chegaram depois, a primeira vinda do Leblon, abandonada que estava na Praça Antero de Quental, recolhida e socorrida por minha filha, e a segunda de Curitiba, comprada pela mãe da Jussara. As duas e Pretinho respondiam aos latidos daqueles cães e investiam contra cercas e portões provocando alarido. Durante o passeio, eles deixavam suas cargas fisiológicas pelo caminho. Onde um urinava, outro ia cheirar e fazer o mesmo. Os três sentiam segurança na companhia de Bóris.

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