domingo, 28 de agosto de 2011

CONTO

Capítulo VIII.

Leopoldo amenizou a irritabilidade de Isolda, sua querida filha. “O conceito de justiça exposto pelo seu avô aplica-se a todas as pessoas e não apenas às autoridades públicas. Fala-se em justiça como virtude divina. Daí para o endeusamento dos juízes é um passo. Analogia compulsiva, sem reflexão, gerada pela fé religiosa. Justiça evoca também a imagem dos tribunais”. Grimaldi ouviu o genro e retoma a exposição sobre o tema

- De fato, o vocábulo justiça também é empregado para indicar o conjunto de órgãos componentes do sistema de segurança pública, tais como delegacias de polícia, presídios, institutos de criminalística, varas cíveis e criminais, tribunais, onde atuam funcionários, peritos, delegados, advogados, promotores e juízes. Como expressão do dever de justiça, obriga-se o juiz a tratar com igualdade os litigantes, a respeitar os patronos das partes, a examinar de modo consciencioso os fatos submetidos à sua apreciação e a bem aplicar os princípios e as normas de direito. A atividade processual é a seara do senso de justiça do magistrado. No entanto, o juiz está sujeito a paixões, a deficiências morais e intelectuais, a erros lógicos e gramaticais. O jurisdicionado se depara, ocasionalmente, com juiz parcial, safado, debochado, atrevido. Cedo ou tarde, o revide pode acontecer. Criminosos ou não, os ofendidos podem reagir violentamente.

Temendo se desiludir com a futura profissão, a mesma a que o avô se dedicara, Júnior busca atenuar a realidade exposta e questiona um tanto angustiado.

- Mas, o concurso público não é justamente para escolher os melhores profissionais do ponto de vista moral e intelectual?

- Em tese, sim. Na prática, não. O concurso não avalia o caráter do candidato e sim o conhecimento intelectual e títulos acadêmicos tão somente. O modelo de conduta que o código de ética recomenda nem sempre é adotado pelo juiz no exercício da sua excelsa função. Há juízes de conduta exemplar; outros não. Há juízes trabalhadores e eficientes; outros não. Há juízes educados e juízes grosseiros; juízes sadios e juízes alcoólatras; juízes liberais e juízes conservadores; juízes de esquerda, de centro e de direita; juízes católicos, protestantes, espíritas, judeus, muçulmanos, ateus. Ao se pautarem por suas ideologias, crenças e idiossincrasias, os juízes distorcem os fatos e manobram ao interpretar e aplicar a lei. Por isso mesmo, já houve quem defendesse a idéia de proibir os juízes de interpretar a lei. Obriga-se-los-ia a aplicá-la literalmente.

- Está bem, vô. Já entendi. Não há um tipo uniforme de juiz, de análise dos fatos e de interpretação da lei. A imprensa enfatiza o escandaloso.

- Isso mesmo, Júnior. Convém lembrar que alguns magistrados não se submeteram ao concurso público. Juízes dos tribunais superiores são escolhidos pelo chefe de governo, sem qualquer critério fidedigno, por simples afinidade ideológica ou político-partidária, submetidos a uma sabatina do tipo ação entre amigos no Senado e depois nomeados. Alguns deles não seriam aprovados sequer em exame para escrevente de cartório. Além disto, 1/5 das vagas nos tribunais ordinários é reservado a membros do ministério público e advogados. Quanto aos primeiros, já prestaram concurso para promotor de justiça. Quanto aos advogados, não prestam concurso algum. Entram pela janela mediante apoio político. Advogados por vocação e bem sucedidos não trocam o seu escritório por um lugar no tribunal. A par dos medalhões, as vagas do quinto constitucional são preenchidas por advogados despreparados, deficientes morais e intelectuais. Desses energúmenos é que provêm as mais ácidas críticas aos juízes de carreira por ocasião do julgamento dos recursos no tribunal. Arrogantes, pomposos, acreditam que a toga tem o condão de torná-los honrados e sábios. Tratam com desdém os seus antigos colegas de profissão e com sobranceria os agentes do ministério público.

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