segunda-feira, 22 de agosto de 2011

CONTO

Capítulo V.

No quintal havia pés de mimosa, laranja, manga, ariticum, jabuticaba, além de verduras e legumes. Na parte da frente, uma alameda ladeada de coqueiros ligava o portão à escada de acesso à varanda e ao estacionamento coberto para o automóvel e a camioneta. Sob os cuidados da zelosa avó, distribuíam-se canteiros de dálias, rosas, margaridas, amor-perfeito, orquídeas e diversas folhagens. “Não pisem nos canteiros; não arranquem as flores; cuidado com os espinhos; joguem água sobre as plantas como o padre joga água benta sobre os fiéis”. Os netos se divertiam ao regar o jardim ouvindo as recomendações da avó. A jardinagem logo mudava em algazarra e batalha aqüífera. Geromina sacudia as largas abas do chapéu de palha sobre os netos e os colocava em fuga. Os seus cabelos brancos resplandeciam ao toque dos raios solares.

Geromina preparava as refeições, ajudada por Anastácia. Todos se reuniam em torno da comprida e retangular mesa de imbuia, com bancos de ambos os lados, onde se acomodavam, comiam e conversavam. Logo depois do almoço, o avô deitava na rede e lá ficava por quase uma hora. Leopoldo fazia a sesta no quarto, mas às vezes, prendia uma rede entre duas árvores e tirava uma soneca. Arrumada a cozinha, Anastácia descansava em seu quarto e por volta das três horas preparava o café da tarde. Os comestíveis eram caseiros em sua maioria: pão, manteiga, geléia, requeijão, coalhada, canjica, pudim, bolo de fubá, doces de abóbora, coco e banana. Depois do café, Grimaldi e Leopoldo pitavam na varanda. O sogro, cachimbo; o genro, charuto. Os netos fixavam atenção nos gestos do avô. Ao notar isto e para aumentar a expectativa dos netos, Grimaldi demorava-se nas preliminares. Enquanto conversava abobrinhas com Leopoldo, ele segurava o cachimbo com uma das mãos e com os dedos da outra revolvia o interior da boceta por alguns minutos. Então, calmamente, dali retirava pequena porção de fumo e introduzia no fornilho. Repetia a operação. Socava o fumo com o polegar. Colocava o cachimbo na boca e ameaçava acender. Verificava, de soslaio, se os netos ainda o observavam. Vendo que sim, tirava o cachimbo da boca e falava com Leopoldo como se lembrasse de algo inadiável. Finalmente, tornava a colocar o cachimbo na boca, acendia-o e soltava as baforadas. Descontraídos, os netos acompanhavam as evoluções da fumaça. Leopoldo, sem perceber a manobra do sogro, cortava logo a ponta do charuto e começava a fumar. Geromina e Dorotéia sentavam nas poltronas ou nos sofás da sala ampla e fresca, teto alto sustentado por caibros de madeira escura a contrastar com a brancura das paredes e o azul marinho das janelas. Elas falavam de moda, bordados, culinária, saúde, carestia, mensalidades escolares, excesso de tributos, novelas, entre outros assuntos. “Santinha, a filha da Guilhermina, abriu as pernas para o deputado Manoel Francisco. – Aquele feioso? Não acredito mamãe! Ela tão bonita! Quem diria? Aquele vereador enjambrado e pobretão de 20 anos atrás, primeiro grau incompleto, hoje um baita fazendeiro, consumidor de uísque e deputado federal! Mãos sem calo, unhas esmaltadas por manicure, cabelos cortados por cabeleireiro, escanhoado, dentes implantados, sorriso postiço, sapatos italianos e cortesia caricatural, nem assim o safado reduziu a feiúra daquela cara deslavada. – Pode acreditar minha filha. Casado, cara de sacristão, o desavergonhado vem atrás de votos e de outras coisas. Máquinas e boas estradas para escoar a produção das suas fazendas. Vultosos créditos no Banco do Brasil. Amortização a perder de vista. Santinha foi nomeada para o gabinete dele na Capital ganhando um dinheirão por mês. Dizem que há outro figurão da república a desfrutar das delícias daquela formosura. Com aquele jeito de quem está desligada do mundo, Santinha vai longe!”.

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