sábado, 20 de agosto de 2011

CONTO

Capítulo IV.

Na rememorada aula, a professora mencionara o progresso na criação de aves e a técnica das chocadeiras artificiais. Falou das granjas avícolas, de toda uma indústria em torno dos galináceos, do complexo agroindustrial que movimenta muito dinheiro, emprega muitas pessoas, recolhe tributos, contribui para a riqueza do Estado e do Município, ajuda a alimentar grande parte da população. Júnior, que nunca atinara para o aspecto econômico da produção galinácea, ficou satisfeito com a aula e melhor informado sobre as coisas importantes da sua cidade. Ele sempre associara o ovo à frigideira e a galinha à domingueira macarronada. Às vezes, no desjejum, comia ovo frito com pão; no almoço, arroz amarelado pela gema diluída. O pinto virava frango e o frango virava galo ou galinha, caso antes não virasse galetto ao primo canto nas mãos do churrasqueiro. A cultura avícola de Júnior tinha seu referencial no estômago.

Duas vezes ao ano, a família visitava a avó Geromina e o avô Grimaldi na pequena fazenda ou grande chácara (conforme o ponto de vista do agrimensor). Dorotéia na boléia do automóvel tipo utilitário. Leopoldo no banco do carona. Júnior, Isolda e Rex no banco traseiro. Malas, sacolas, mochilas e apetrechos, no bagageiro. Duas bicicletas ao vento, presas no teto. Calibrados os pneus, inclusive o estepe, verificados os níveis de água e de óleo, o funcionamento dos faróis, das lanternas e do limpador de vidros, o bom estado do extintor de incêndio e o conteúdo da caixa de ferramentas, completado o volume de combustível no tanque, documentos no porta-luvas, deixavam a cidade e percorriam a zona rural em marcha moderada. Admiravam as planícies e montanhas cuja beleza era coadjuvada pelas nuvens prateadas com nesgas azuladas e pelo multicolorido das vastas plantações de soja, milho, café, dos pastos, dos chorões e dos sombreiros solitários. Em alguns trechos, via-se gado em terrenos planos e nas encostas dos morros. Avistavam-se peões montados em cavalos, galpões, currais e casas dos fazendeiros ligadas às porteiras por longos caminhos de terra. Ao lado das porteiras, enfileirado sobre plataforma de madeira, o vasilhame do leite a espera do veículo que o transportará para usina localizada a quilômetros de distância.

A chegada era festiva. Abraços, beijos e risos. Malas, sacolas, mochilas, presentes, tudo recolhido para o interior da casa senhorial, o cachorro ao canil e as bicicletas ao galpão. Arrumadas as coisas, os netos correm até o riacho que corta a chácara. Mergulham as pernas até o joelho. No fundo da água transparente e refrescante, pequenas pedras e cascalho. Os pés amoldavam-se à superfície esférica das pedras maiores. Brincadeira infalível: jogar água um no outro. Correr atrás dos marrecos era diversão até que a situação se invertia. Júnior e Isolda disparavam e gritavam em direção ao alpendre em busca de abrigo com os gansos nos calcanhares. Folga para os patos e marrecos. Gostavam de levantar cedo para ver a ordenha das vacas feita pela vó Geromina e pelo Raul, empregado da chácara, filho de dona Anastácia, senhora de prendas domésticas que servia a família há muitos anos. Ali mesmo no curral, cada qual com sua caneca, tomavam o leite ainda morno. Depois, acompanhavam Raul ao galinheiro para a coleta dos ovos, cujas cascas eram de cor cinza com pontinhos brancos e manchas amarelas. Sentia-se cheiro da titica de galinha depositada nos poleiros e no chão. No curral, os odores eram de feno e de excremento de vaca e de cavalo. O chiqueiro ficava na parte baixa do terreno, longe da casa principal. Os porcos alimentavam-se de rações e de restos de comida que Júnior e Isolda ajudavam a distribuir.

Nenhum comentário: