sábado, 13 de agosto de 2011

CONTO

JUNIOR, O CURIOSO.

Capítulo I.

Recebera, no batismo, o nome do pai, Leopoldo Cidreira Rahmam, acrescido de Júnior. Desde logo, foi tratado pelo acréscimo e com isto se acostumou. Talvez, se o tratassem pelo nome de família, cogitasse mais sobre a origem egípcia do pai e italiana da mãe. Durante a infância e a adolescência sentiu-se mero apêndice. Parecia não ser ele mesmo e sim uma cauda dos genitores. Naquela fria manhã, o pai o tirara da cama e o levara ao quintal, apontando uma estrela na direção do Sol nascente. Era a estrela Dalva, a estrela da alva, a estrela do alvorecer. “Tenho amiguinha com o nome dessa estrela”, Júnior diz, alegremente, ao pai. “Pois saiba que uma das maiores cantoras brasileiras de música popular também se chamava Dalva”, respondeu Leopoldo.

Júnior pensava que as estrelas só apareciam à noite. Por isso, não acreditara muito quando a professora dissera em sala de aula que o Sol era uma estrela. Onde já se viu estrela durante o dia? E ainda por cima, daquele tamanho? As estrelas só aparecem à noite e são pequeninas. O questionamento de Júnior tinha como testemunha sua consciência exclusivamente. Pesava a autoridade da professora. Ele a respeitava e ficava horrorizado quando algum colega a tratava com petulância. Afinal, a professora tinha experiência e estudo, sabia das coisas e transmitia o seu conhecimento a ele e aos seus colegas. Por isso mesmo, na prova mensal de geografia, ele respondera direitinho como a professora ensinara: “O Sol é uma estrela de quinta grandeza”. Porém, como um pequeno Galileu, no íntimo da sua alma, ele protestava: mas que não é não é.

Certo dia contou ao pai aquela afirmação da professora que lhe pareceu não coincidir com a realidade. Leopoldo assentiu na crítica. Júnior gostou do apoio paterno. Na primeira hora da manhã do dia seguinte, Júnior, sonolento, seguia com os olhos o dedo indicador do pai em direção à estrela Dalva. A demonstração prática não o convenceu plenamente. Aquela estrela aparecia na primeira hora matutina ou na última hora noturna? Além disso, era pequena e fria, enquanto o Sol era grande e quente. Guardou as conjecturas para si mesmo. Voltar para baixo das cobertas era a mensagem que lhe enviava o corpo. Junior aceitou o conselho da natureza, sem oposição de Leopoldo que, também, voltou para a cama, porque era domingo e ninguém é de ferro.

Quando retornavam das férias escolares, Leopoldo colocou Júnior junto à janela do avião. Mostrou-lhe o céu muito azul e sem nuvens. Lá embaixo, pequeninos, os prédios, as casas, o aeroporto da cidade. O menino comparou a imensidão celeste com o minúsculo tamanho das coisas da terra. A aeronave pousou com algumas chacoalhadas. Júnior assustou-se, mas logo sentiu segurança. Seus pais estavam tranqüilos, sinal de que tudo estava bem. O aeroporto parecia menor no desembarque.

- Nada foi retirado da estrutura do prédio desde que partimos, disse-lhe pai.

- Acho que o espaço lá no céu modificou a minha vista, respondeu o menino.

Leopoldo e Dorotéia sorriram. “Que bom ser admirado pelos meus pais”, pensou. A alma de Júnior vibrou de alegria com o olhar de ternura que seus pais lhe dirigiram. Com a emoção, veio uma careta provocada por uma dúvida surgida sabe-se lá de onde: o sentimento é que faz a alma vibrar ou a alma é que faz brotar o sentimento?

- Talvez, a alma traga dentro de si os sentimentos que vão aflorando à consciência quando estimulados por alguma coisa, por alguma palavra, por algum pensamento, como se fosse um sino ou uma taça de cristal – disse-lhe a mãe, enquanto a bagagem era colocada no porta-malas do táxi. Diferente do sino e da taça é possível que a alma vibre por si mesma, sem estímulo externo, completou.

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