Capítulo III.
Júnior dirigiu ao pai um olhar interrogante como se indagasse de onde saíra aquele fenecem. Em apreensão telepática operada pela sintonia entre as duas mentes, o pai captou o pensamento expresso no olhar inquisidor do filho.
- Está bem! Substituo por morrem. Está satisfeito? – Leopoldo dá seqüência ao assunto sem esperar a resposta do filho. “O Sol conserva o seu tamanho e a sua intensa atividade, com explosões colossais. Para nós, distantes observadores, os corpos celestes parecem mudar de tamanho na ordem inversa da distância que deles nos separa”.
Leopoldo começava a exagerar na linguagem, nos gestos e no caráter científico da exposição. Parecia professor. Vendo o pai de pijamas, na cozinha, com a frigideira na mão, movimentando os braços e falando em tom doutoral, o menino sentiu vontade de rir, porém se conteve. O pai poderia zangar-se. “Quanto mais longe estiver o observador – dissertava Leopoldo – menor parecerá o objeto observado; quanto mais perto estiver, maior parecerá. No entanto, o tamanho do objeto em si mesmo não se altera. Olhe este ovo”. Júnior olhou e avaliou: pelas manchas amareladas o ovo devia ser de galinha caipira como aqueles ovos da chácara do vô Grimaldi. Implacável, Leopoldo, qual sargento no quartel, ordena: “Vá até a cerca do quintal e olhe para cá. O ovo não parece bem menor?” Júnior concordou e retornou à cozinha, arrependido de acordar o pai antes da hora. Torcia para “dona Dorotéia”, como ele carinhosamente tratava a mãe, e Isolda, sua irmã, logo se levantassem da cama. Provavelmente, a conversa tomaria outro rumo. “Os sentidos da visão, da audição, do olfato, do paladar e do tato podem enganar se não estivermos atentos e se não fizermos bom uso da nossa inteligência”.
Leopoldo concluiu o discurso, entabulou conversa mais amena e continuou a matinal tarefa doméstica. Bateu o ovo contra a quina da frigideira sem a habilidade da esposa. Lá se foram clara e gema a escorregar pelo fogão, atraídas pela força da gravidade, em direção ao tapete de borracha. O garoto notou a clara e a gema unidas até o destino final. A professora dizia que aquilo era uma célula. A gema era o núcleo e a clara o citoplasma. “A tia Olga tomou citoplasma quando foi operada no hospital” – aparteou o garoto na ocasião daquela aula, faceiro por impressionar a classe. Delicadamente, a professora explicou que a tia tomara plasma, parte líquida do sangue que contém substâncias importantes, como glicose e vitaminas. “Citoplasma é a matéria da célula excluído o núcleo. Protoplasma é a matéria da célula incluído o núcleo. Em nosso idioma, uma só palavra pode ter vários significados. Isto ocorre com o vocábulo plasma, que além de significar líquido sanguíneo, significa um tipo de gás carregado de partículas positivas e negativas e também significa a matéria sob alta temperatura nas estrelas”. Júnior gravou na memória a lição da professora. Aquela célula se transformava em pinto dentro da casca do ovo.
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