quarta-feira, 1 de abril de 2015

FILOSOFIA XV - 35



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Jacques Maritain cita Platão: “A felicidade consiste na contemplação direta das idéias, das formas separadas; a alma, libertada do corpo, contempla o bem supremo; a partir da moral superior (celeste) os homens elaboram a sua moral (terrena); moral é a arte de se preparar para a felicidade que mora no outro mundo (das idéias, das formas). [A doutrina budista segue essa mesma linha]. O propósito da vida humana está naquele outro mundo. A alma busca a contemplação do sol espiritual. Deus é o sol que ilumina e aquece. “Deus não é o ser supremo porque ele é o criador do ser”. O bem vale por si mesmo. A boa conduta vale porque é boa e não porque está referida a um bem supremo; vale por si mesma e não porque é útil ou porque é um meio para chegar a um fim virtuoso. Prestar assistência aos necessitados, dizer a verdade, ser franco e leal, são condutas valiosas por si mesmas e considera-las valiosas implica juízo de valor imediato. Moralmente, o valor prevalece sobre o fim. Bem = valor + fim. De acordo com Platão, as virtudes cardeais são quatro: 1) sabedoria prática ou prudência; 2) força ou coragem; 3) justiça; 4) temperança.

Jacques cita Aristóteles: “A felicidade deve ser usufruída aqui na Terra ao final da vida de cada um, após longa experiência e reflexão. Felicidade e bem são conceitos diferentes. A vida política absorve a vida individual [vida política é a vida na “polis”, vida social]. O bem de todos deve ser perseguido. Os destinatários da felicidade são os poucos homens ricos, livres, contemplativos, com suas emoções sob controle, sem perturbação ou preocupação de ordem material”.

Jacques cita Epicuro: “O prazer é o bem maior”. As necessidades devem ser reduzidas ao mínimo. A ausência de desejos contribui para a felicidade, que deve ser a do homem concreto. O homem concreto e feliz é o que desfruta o prazer intelectual e espiritual.

O misticismo hindu persegue a libertação e a salvação do “eu” mediante um esforço ascético da natureza humana para, através da abolição de todo pensamento particular, libertar-se da ilusão do mundo físico e da sua causalidade. O objetivo é chegar ao vazio total e, assim, de modo intuitivo, experimentar a existência profunda do “eu interior”. Mediante técnicas e com suas próprias forças empregadas contra a sua natureza, o místico hindu busca transcender a condição humana (sofrimento, dor). O cristão admite essa condição humana e a transcende pela graça de deus sem contrariar a sua natureza. Embora o sofrimento eleve a alma, o cristão não o deseja para o próximo. O trabalho da razão, o fermento do evangelho, o progresso da ciência e a justiça social, amenizam o sofrimento e fazem a humanidade se aperfeiçoar.

Obediência à lei do Estado decorre da lei natural que conduz o homem ao estado social. O que a lei natural deixa indeterminado, à razão humana compete determinar. A obediência é um determinismo natural do homem. Válida é a resistência à lei do Estado quando injusta, ou seja, quando a lei do Estado ofende a lei natural que dá o sentido do justo. Reconhecer a dignidade humana na sociedade é um imperativo do bem. A lei humana muda de Estado para Estado e de época para época. A lei natural é imutável, perene, válida universalmente.

Jacques cita Hegel. Na dialética hegeliana, desaparece a distinção entre o fenômeno e a “coisa em si”. Tudo é pensamento. A realidade é o pensamento em movimento. O ente de razão contém o ente real. A Lógica é a ciência do real enquanto o produz (tese x antítese = síntese). O real é o vir-a-ser que obedece a duas leis fundamentais: (1) a lei da interação universal; (2) a lei da mudança. Os seres exercem uns sobre os outros uma causalidade recíproca. Aquilo que muda torna-se outro, sob novo aspecto. As duas leis mencionadas permitem acesso ao saber “a priori” do real. O vir-a-ser do real torna-se um vir-a-ser lógico. “Toda posição é uma negação”. Todo conceito tem a sua própria contradição. “Toda negação é uma posição”. Toda contradição envolve aquilo que ela contradiz. A idéia deixa de ser o que é e passa a ser outra coisa; nasce e morre para transformar-se; a semente morre para frutificar, pois, nela se contém o novo ser. Liberdade = espontaneidade, como necessidade natural + autonomia, como exigência racional. Espontaneidade = ausência de coação. Autonomia = poder de escolha. A felicidade é uma necessidade da natureza humana. A vontade visa a felicidade sem qualquer coação. O ser humano tem liberdade para querer o necessário. No pensamento de Hegel, o Estado é a máxima expressão da humana liberdade na Terra, ponto de encontro entre a subjetividade particular aparente e a subjetividade integral e concreta. Obedecer ao Estado é obedecer a si mesmo. O Estado é a consciência do todo. Nele reside a moralidade. Não importa se a regra de direito é justa ou injusta, desde que ditada pelo Estado; o que importa é cumprir o dever de obediência. A consciência do todo é superior à consciência individual. O Estado é a encarnação do espírito na dialética do vir-a-ser. Entre um tipo e outro de liberdade (espontaneidade e autonomia) há movimento evolutivo. Autonomia é fase superior que ultrapassa a espontaneidade. No todo (Estado), o homem se realiza como pessoa. Quando o indivíduo se universaliza e a sua vontade se confunde com a vontade geral, ele adquire a personalidade superior, torna-se parte do todo, sacrificando a sua individualidade.

Por que devo obedecer à regra de direito e à autoridade do Estado? Jacques faz a pergunta e dá as respostas prováveis: (1) porque todos obedecem; sigo o comportamento geral {lei do rebanho ou da imitação}; (2) porque os pais, os mais velhos, os professores, as autoridades e as leis do Estado me ensinaram a obedecer {determinismo cultural}; (3) porque sinto que devo obedecer {lei psicológica}; (4) porque penso que a obediência é necessária, que a regra e o comando são necessários à coexistência e à convivência entre os seres humanos {lei do bom senso}; (5) porque tenho a certeza de que sem ordem a vida em comum seria impossível {lei da razão necessária e final}.

Na sociedade, entre os indivíduos há vínculos decorrentes das relações de justiça e de amizade cívica. Jacques cita Hegel: “O bem comum é o bem próprio do Estado”. Acrescenta: “Bem comum é o bem do Estado (todo) que se redistribui aos indivíduos (partes)”. Jacques cita o apóstolo Paulo: “Devemos obediência à lei de deus, libertas christiana”. Para Hegel, devemos obediência à lei do Estado. A visão hegeliana supõe a Terra como centro do universo e palco do drama do espírito, da evolução em direção a deus mediante a dialética da história. Retire-se tal centro e nada sobrará dessa dialética.

Nenhum comentário: