EUROPA (1900 a
2014). Continuação.
Jacques Maritain cita Platão: “A
felicidade consiste na contemplação direta das idéias, das formas separadas; a
alma, libertada do corpo, contempla o bem supremo; a partir da moral superior
(celeste) os homens elaboram a sua moral (terrena); moral é a arte de se preparar para a felicidade que mora no outro
mundo” (das idéias, das formas). [A
doutrina budista segue essa mesma linha]. O propósito da vida humana está
naquele outro mundo. A alma busca a contemplação do sol espiritual. Deus é o
sol que ilumina e aquece. “Deus não é o
ser supremo porque ele é o criador do ser”. O bem vale por si mesmo. A boa
conduta vale porque é boa e não porque está referida a um bem supremo; vale por
si mesma e não porque é útil ou porque é um meio para chegar a um fim virtuoso.
Prestar assistência aos necessitados, dizer a verdade, ser franco e leal, são
condutas valiosas por si mesmas e considera-las valiosas implica juízo de valor
imediato. Moralmente, o valor
prevalece sobre o fim. Bem = valor +
fim. De acordo com Platão, as virtudes cardeais são quatro: 1) sabedoria
prática ou prudência; 2) força ou coragem; 3) justiça; 4) temperança.
Jacques cita Aristóteles: “A
felicidade deve ser usufruída aqui na Terra ao final da vida de cada um, após
longa experiência e reflexão. Felicidade
e bem são conceitos diferentes. A
vida política absorve a vida individual [vida política é a vida na “polis”,
vida social]. O bem de todos deve ser
perseguido. Os destinatários da felicidade são os poucos homens ricos, livres,
contemplativos, com suas emoções sob controle, sem perturbação ou preocupação
de ordem material”.
Jacques cita Epicuro: “O prazer é o bem maior”. As necessidades devem ser reduzidas ao mínimo. A
ausência de desejos contribui para a felicidade, que deve ser a do homem
concreto. O homem concreto e feliz é o que desfruta o prazer intelectual e
espiritual.
O misticismo hindu persegue a
libertação e a salvação do “eu” mediante um esforço ascético da natureza humana
para, através da abolição de todo pensamento particular, libertar-se da ilusão
do mundo físico e da sua causalidade. O objetivo é chegar ao vazio total e,
assim, de modo intuitivo, experimentar a existência profunda do “eu interior”.
Mediante técnicas e com suas próprias forças empregadas contra a sua natureza,
o místico hindu busca transcender a condição humana (sofrimento, dor). O
cristão admite essa condição humana e a transcende pela graça de deus sem
contrariar a sua natureza. Embora o sofrimento eleve a alma, o cristão não o deseja
para o próximo. O trabalho da razão, o fermento do evangelho, o progresso da
ciência e a justiça social, amenizam o sofrimento e fazem a humanidade se
aperfeiçoar.
Obediência à lei do Estado
decorre da lei natural que conduz o homem ao estado social. O que a lei natural
deixa indeterminado, à razão humana compete determinar. A obediência é um determinismo natural do homem. Válida é a
resistência à lei do Estado quando injusta, ou seja, quando a lei do Estado
ofende a lei natural que dá o sentido do justo. Reconhecer a dignidade humana
na sociedade é um imperativo do bem.
A lei humana muda de Estado para Estado e de época para época. A lei natural é
imutável, perene, válida universalmente.
Jacques cita Hegel. Na dialética
hegeliana, desaparece a distinção entre o fenômeno e a “coisa em si”. Tudo é
pensamento. A realidade é o pensamento em movimento. O ente de razão contém o ente real. A Lógica é a ciência do real
enquanto o produz (tese x antítese = síntese). O real é o vir-a-ser que obedece a duas leis fundamentais: (1) a lei da
interação universal; (2) a lei da mudança. Os seres exercem uns sobre os outros
uma causalidade recíproca. Aquilo que muda torna-se outro, sob novo aspecto. As
duas leis mencionadas permitem acesso ao saber “a priori” do real. O vir-a-ser do real torna-se um vir-a-ser lógico. “Toda posição é uma
negação”. Todo conceito tem a sua própria contradição. “Toda negação é uma
posição”. Toda contradição envolve aquilo que ela contradiz. A idéia deixa de
ser o que é e passa a ser outra coisa; nasce e morre para transformar-se; a
semente morre para frutificar, pois, nela se contém o novo ser. Liberdade = espontaneidade,
como necessidade natural + autonomia,
como exigência racional. Espontaneidade =
ausência de coação. Autonomia = poder
de escolha. A felicidade é uma necessidade da natureza humana. A vontade
visa a felicidade sem qualquer coação. O ser humano tem liberdade para querer o
necessário. No pensamento de Hegel, o Estado é a máxima expressão da humana
liberdade na Terra, ponto de encontro entre a subjetividade particular aparente
e a subjetividade integral e concreta. Obedecer
ao Estado é obedecer a si mesmo. O Estado é a consciência do todo. Nele
reside a moralidade. Não importa se a regra de direito é justa ou injusta,
desde que ditada pelo Estado; o que importa é cumprir o dever de obediência. A
consciência do todo é superior à consciência individual. O Estado é a
encarnação do espírito na dialética do vir-a-ser.
Entre um tipo e outro de liberdade (espontaneidade e autonomia) há movimento
evolutivo. Autonomia é fase superior que ultrapassa a espontaneidade. No todo
(Estado), o homem se realiza como pessoa. Quando o indivíduo se universaliza e
a sua vontade se confunde com a vontade geral, ele adquire a personalidade
superior, torna-se parte do todo, sacrificando a sua individualidade.
Por que devo obedecer à regra de
direito e à autoridade do Estado? Jacques faz a pergunta e dá as respostas
prováveis: (1) porque todos obedecem; sigo o comportamento geral {lei do
rebanho ou da imitação}; (2) porque os pais, os mais velhos, os professores, as
autoridades e as leis do Estado me ensinaram a obedecer {determinismo
cultural}; (3) porque sinto que devo obedecer {lei psicológica}; (4) porque
penso que a obediência é necessária, que a regra e o comando são necessários à
coexistência e à convivência entre os seres humanos {lei do bom senso}; (5)
porque tenho a certeza de que sem ordem a vida em comum seria impossível {lei
da razão necessária e final}.
Na sociedade, entre os indivíduos
há vínculos decorrentes das relações de justiça e de amizade cívica. Jacques
cita Hegel: “O bem comum é o bem
próprio do Estado”. Acrescenta: “Bem
comum é o bem do Estado (todo) que se redistribui aos indivíduos (partes)”.
Jacques cita o apóstolo Paulo: “Devemos obediência à lei de deus, libertas christiana”. Para Hegel,
devemos obediência à lei do Estado. A visão hegeliana supõe a Terra como centro
do universo e palco do drama do espírito, da evolução em direção a deus
mediante a dialética da história. Retire-se tal centro e nada sobrará dessa
dialética.
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