terça-feira, 7 de abril de 2015

FILOSOFIA XV - 38



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Na opinião de Herbert Marcuse, a superação da sociedade capitalista pela socialista é uma tendência histórica efetiva. No capitalismo, a realidade da família burguesa está condicionada pelo caráter da economia de mercado. Na segunda guerra mundial, a teoria burguesa se fundamenta inteiramente na frente comum contra o liberalismo e o marxismo; quem indica essa postura teórica é o adversário; a teoria mesma não possui terreno próprio do qual seria reconhecida a totalidade dos fenômenos sociais. Todos os conceitos fundamentais da teoria burguesa são contrariedades: (1) contra o materialismo histórico é criada a concepção orgânica da história; (2) contra o idealismo liberal é oposto o realismo heróico; (3) contra a teoria racionalista opõe-se a filosofia existencialista; (4) contra o Estado racional defende o Estado totalitário encabeçado por um chefe poderoso. Sem conteúdo material e racional, a autoridade se torna meramente formal. Esse formalismo é o véu diáfano que revela mais do que encobre a constelação de força factual.

O conceito de elites sociais exposto por Georges Sorel em “O Futuro Socialista dos Sindicatos”, publicado em 1898, serviu tanto à vanguarda proletária do leninismo como às elites dirigentes do fascismo. A acefalia do socialismo se transforma na teoria das elites revolucionárias: a revolução social gera novas autoridades sociais que surgem organicamente da vida social e chamam a si a direção disciplinadora no processo de produção. Essa é uma elite de mérito moral que consiste em grupos que desfrutam hegemonia moral, possuem sentimento correto de tradição e cuidam do futuro de modo racional. O conceito de elite formulado por Vilfredo Pareto se encontra em conexão com uma teoria nacional positiva da sociedade que constrói o equilíbrio social, a estabilidade de dominação em particular, a partir fundamentalmente de elementos irracionais, a saber: do funcionamento de determinados mecanismos psíquicos e de suas derivações {romantismo político}. A sociedade se compõe de uma camada inferior caracterizada pela massa popular e outra superior caracterizada pela elite governamental e não governamental. As duas camadas convivem com a liberdade do movimento da burguesia em ascensão, a ideologia do êxito, a possibilidade de ascensão individual para todos a partir de qualquer posição social.

Na segunda metade do século XX, houve certa imobilização da dialética da negatividade. Formas novas de um capitalismo maduro impõem a tarefa de desenvolver um conceito de dialética a elas adaptado. A dialética materialista permanece no campo da razão idealista, na positividade, na medida em que não destrua a concepção de progresso segundo a qual o futuro já está enraizado no seio do existente. Há dois conceitos dialéticos essenciais: (1) a negação da negação como desenvolvimento imanente de um todo social antagônico (superação); (2) o todo como fonte na qual cada elemento singular encontra o seu valor e a sua verdade.

O sistema global do capitalismo hodierno e maduro absorveu no seu interior o potencial revolucionário. A solidariedade atenua a competição, a repressão, a brutalidade, a vulgaridade e contribui para a paz como situação duradoura. A nova sociedade surge quando os valores e objetivos da velha se transformam em necessidades. O poder do negativo surge fora da totalidade repressiva representada pela sociedade antagônica a partir de forças e movimentos que ainda não estão manietados pela produtividade agressiva e repressiva da chamada “sociedade da abundância”. A recusa de participar, o nojo diante de toda prosperidade, o impulso de protesto, tipificam uma oposição débil, se desorganizada.            

Karl Raimund Popper (1902 a 1994), nascido em Viena no seio de uma rica família judia, doutor em filosofia, professor universitário, emigrou para a Nova Zelândia em 1937, em decorrência da ameaça nazista. Em 1946, mudou-se para a Inglaterra onde passou o resto da vida. Ainda na Áustria, filiou-se ao partido comunista. Discordou dos métodos dos companheiros e abandonou a causa. Refutou o marxismo e a psicanálise considerando-os superstição intelectual. Migrou para o liberalismo clássico. Contra o empirismo clássico, denominou sua filosofia de “racionalismo crítico”, mais próxima do positivismo e mais distante da metafísica. Dedicou-se à filosofia da ciência. Considerou inadequado o método indutivo para a pesquisa científica. Considerou mais adequado o método hipotético dedutivo, que consiste em conjecturas teóricas audaciosas que os cientistas tentariam refutar através de experimentos. A ciência progrediria por “falsificação”, ou seja, as teorias refutadas pelos testes experimentais seriam eliminadas.

A teoria científica é conjetural e provisória; mantém o seu vigor enquanto não é contrariada pelos fatos e a sua falsidade não ficar demonstrada. A consistência lógica e a conformidade com os fatos alicerçam a teoria científica. Nenhuma teoria científica tem garantia de imutabilidade e eternidade. A verdade é inalcançável e dela só podemos nos aproximar mediante tentativas. Os tolerantes têm o direito de não tolerar os intolerantes. Entre outros livros, Karl escreveu: “A Sociedade Aberta e os seus Inimigos”, “A Lógica da Pesquisa Científica”, “O Racionalismo Crítico na Política”, “Sociedade Aberta, Universo Aberto”, “A Miséria do Historicismo”. O título deste último livro é uma alusão ao livro “A Miséria da Filosofia”, de Marx e ao livro “Filosofia de Miséria”, de Proudhon. Nele Karl defende a tese de que a crença no destino histórico é pura superstição e de que não há como prever, com os recursos do método científico ou de qualquer outro método racional, o caminho da história humana, porque este é fortemente influenciado pelo crescer do conhecimento humano. Não é possível predizer através de recurso a métodos racionais ou científicos, a expansão futura do nosso conhecimento científico; logo, é impossível prever o futuro curso da história humana.

Isto significa que devemos rejeitar a possibilidade de uma História teorética, isto é, de uma ciência social histórica em termos correspondentes aos de uma Física teorética. Não pode haver teoria científica do desenvolvimento histórico a servir de base para a predição histórica. O interesse da História repousa nos eventos reais, singulares ou específicos e não em leis ou generalizações. O objetivo fundamental dos métodos historicistas está, portanto, mal colocado e o historicismo aniquila-se. A miséria do historicismo é uma pobreza da imaginação. Sob certas condições, certos desenvolvimentos virão a ocorrer, porém impossível afigura-se predizer desenvolvimentos históricos na medida em que estes possam ver-se influenciados pela expansão do conhecimento humano. Não há como antecipar hoje o que só saberemos amanhã.

Na opinião de Karl, historicismo é uma forma de abordar as ciências sociais a estas atribuindo o objetivo principal de fazer predição histórica, cujo objetivo seria atingido pela descoberta dos ritmos ou padrões, das leis ou das tendências, subjacentes à evolução da história. Nas ciências sociais há ampla e complexa interação entre o sujeito observador e o objeto observado. A predição pode influir no acontecimento previsto no sentido de causá-lo ou de evitá-lo. De acordo com os historicistas, as ciências que lidam com seres vivos, entre elas a Sociologia, devem proceder segundo o prisma holístico e não de maneira atomística. Todo grupo social, por menor que seja, tem a sua própria história e o seu próprio espírito, não sendo explicável somente em termos de mera junção dos seus elementos. O princípio da liderança nos acontecimentos históricos atribui demasiada importância às ações e decisões dos chefes como Alexandre, Napoleão e outros. Igual importância tem as ações e decisões dos incontáveis desconhecidos que, por exemplo, incendiaram Moscou e inventaram o método partisan de lutar. Não foi uma decisão e sim a necessidade que levou o exército russo a abandonar Moscou (Karl cita Tolstoi). Aí se configura a lógica da situação. O método próprio das ciências sociais em oposição ao método das ciências naturais, baseia-se na penetrante compreensão intuitiva dos fenômenos sociais.

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