EUROPA (1900 a
2014). Continuação.
Na opinião de Herbert Marcuse, a
superação da sociedade capitalista pela socialista é uma tendência histórica
efetiva. No capitalismo, a realidade da família burguesa está condicionada pelo
caráter da economia de mercado. Na segunda guerra mundial, a teoria burguesa se
fundamenta inteiramente na frente comum contra o liberalismo e o marxismo;
quem indica essa postura teórica é o adversário; a teoria mesma não possui
terreno próprio do qual seria reconhecida a totalidade dos fenômenos sociais.
Todos os conceitos fundamentais da teoria burguesa são contrariedades: (1) contra o materialismo histórico é criada
a concepção orgânica da história; (2) contra
o idealismo liberal é oposto o realismo heróico; (3) contra a teoria racionalista opõe-se a filosofia existencialista;
(4) contra o Estado racional defende
o Estado totalitário encabeçado por um chefe poderoso. Sem conteúdo material e
racional, a autoridade se torna
meramente formal. Esse formalismo é o véu diáfano que revela mais do que
encobre a constelação de força factual.
O conceito de elites sociais exposto por Georges Sorel
em “O Futuro Socialista dos Sindicatos”, publicado em 1898, serviu tanto à
vanguarda proletária do leninismo
como às elites dirigentes do fascismo.
A acefalia do socialismo se transforma na teoria das elites revolucionárias: a revolução social gera novas autoridades
sociais que surgem organicamente da vida social e chamam a si a direção
disciplinadora no processo de produção. Essa é uma elite de mérito moral
que consiste em grupos que desfrutam hegemonia moral, possuem sentimento
correto de tradição e cuidam do futuro de modo racional. O conceito de elite formulado por Vilfredo Pareto se
encontra em conexão com uma teoria nacional positiva da sociedade que constrói
o equilíbrio social, a estabilidade de dominação em particular, a partir
fundamentalmente de elementos irracionais, a saber: do funcionamento de
determinados mecanismos psíquicos e de suas derivações {romantismo político}. A
sociedade se compõe de uma camada inferior caracterizada pela massa popular e outra superior
caracterizada pela elite
governamental e não governamental. As duas camadas convivem com a liberdade do
movimento da burguesia em ascensão, a ideologia do êxito, a possibilidade de
ascensão individual para todos a partir de qualquer posição social.
Na segunda metade do século XX,
houve certa imobilização da dialética da negatividade. Formas novas de um
capitalismo maduro impõem a tarefa de desenvolver um conceito de dialética a elas
adaptado. A dialética materialista permanece no campo da razão idealista, na
positividade, na medida em que não destrua a concepção de progresso segundo a qual o futuro já está enraizado no
seio do existente. Há dois conceitos dialéticos essenciais: (1) a negação da
negação como desenvolvimento imanente de um todo
social antagônico (superação); (2) o todo
como fonte na qual cada elemento singular encontra o seu valor e a sua verdade.
O sistema global do capitalismo
hodierno e maduro absorveu no seu interior o potencial revolucionário. A solidariedade atenua a competição, a
repressão, a brutalidade, a vulgaridade e contribui para a paz como situação
duradoura. A nova sociedade surge quando os valores e objetivos da velha se
transformam em
necessidades. O poder do negativo surge fora da totalidade
repressiva representada pela sociedade antagônica a partir de forças e
movimentos que ainda não estão manietados pela produtividade agressiva e
repressiva da chamada “sociedade da abundância”. A recusa de participar, o nojo
diante de toda prosperidade, o impulso de protesto, tipificam uma oposição
débil, se desorganizada.
Karl Raimund Popper (1902 a 1994), nascido em
Viena no seio de uma rica família judia, doutor em filosofia, professor
universitário, emigrou para a Nova Zelândia em 1937, em decorrência da ameaça
nazista. Em 1946, mudou-se para a Inglaterra onde passou o resto da vida. Ainda
na Áustria, filiou-se ao partido comunista. Discordou dos métodos dos
companheiros e abandonou a causa. Refutou o marxismo e a psicanálise
considerando-os superstição intelectual.
Migrou para o liberalismo clássico. Contra o empirismo clássico, denominou sua
filosofia de “racionalismo crítico”, mais próxima do positivismo e mais
distante da metafísica. Dedicou-se à filosofia da ciência. Considerou
inadequado o método indutivo para a pesquisa científica. Considerou mais
adequado o método hipotético dedutivo, que consiste em conjecturas teóricas
audaciosas que os cientistas tentariam refutar através de experimentos. A
ciência progrediria por “falsificação”, ou seja, as teorias refutadas pelos
testes experimentais seriam eliminadas.
A teoria científica é conjetural
e provisória; mantém o seu vigor enquanto não é contrariada pelos fatos e a sua
falsidade não ficar demonstrada. A consistência lógica e a conformidade com os
fatos alicerçam a teoria científica. Nenhuma teoria científica tem garantia de
imutabilidade e eternidade. A verdade é
inalcançável e dela só podemos nos aproximar mediante tentativas. Os tolerantes têm o direito de não tolerar
os intolerantes. Entre outros livros, Karl escreveu: “A Sociedade Aberta e
os seus Inimigos”, “A Lógica da Pesquisa Científica”, “O Racionalismo Crítico
na Política”, “Sociedade Aberta, Universo Aberto”, “A Miséria do Historicismo”.
O título deste último livro é uma alusão ao livro “A Miséria da Filosofia”, de
Marx e ao livro “Filosofia de Miséria”, de Proudhon. Nele Karl defende a tese
de que a crença no destino histórico é pura superstição e de que não há como
prever, com os recursos do método científico ou de qualquer outro método
racional, o caminho da história humana, porque este é fortemente influenciado
pelo crescer do conhecimento humano. Não é possível predizer através de recurso
a métodos racionais ou científicos, a expansão futura do nosso conhecimento
científico; logo, é impossível prever o futuro curso da história humana.
Isto significa que devemos
rejeitar a possibilidade de uma História
teorética, isto é, de uma ciência social histórica em termos
correspondentes aos de uma Física
teorética. Não pode haver teoria científica do desenvolvimento histórico a
servir de base para a predição histórica. O interesse da História repousa nos
eventos reais, singulares ou específicos e não em leis ou generalizações. O
objetivo fundamental dos métodos historicistas está, portanto, mal colocado e o
historicismo aniquila-se. A miséria do historicismo é uma pobreza
da imaginação. Sob certas condições, certos desenvolvimentos virão a ocorrer,
porém impossível afigura-se predizer desenvolvimentos históricos na medida em
que estes possam ver-se influenciados pela expansão do conhecimento humano. Não
há como antecipar hoje o que só saberemos amanhã.
Na opinião de Karl, historicismo
é uma forma de abordar as ciências sociais a
estas atribuindo o objetivo principal de fazer predição histórica, cujo
objetivo seria atingido pela descoberta dos ritmos ou padrões, das leis ou das
tendências, subjacentes à evolução da história. Nas ciências sociais há ampla e
complexa interação entre o sujeito observador e o objeto observado. A predição
pode influir no acontecimento previsto no sentido de causá-lo ou de evitá-lo.
De acordo com os historicistas, as ciências que lidam com seres vivos, entre
elas a Sociologia, devem proceder segundo
o prisma holístico e não de maneira atomística. Todo grupo social, por
menor que seja, tem a sua própria história e o seu próprio espírito, não sendo
explicável somente em termos de mera junção dos seus elementos. O princípio da
liderança nos acontecimentos históricos atribui demasiada importância às ações
e decisões dos chefes como Alexandre, Napoleão e outros. Igual importância tem
as ações e decisões dos incontáveis desconhecidos que, por exemplo, incendiaram
Moscou e inventaram o método partisan
de lutar. Não foi uma decisão e sim a necessidade que levou o exército russo a
abandonar Moscou (Karl cita Tolstoi). Aí se configura a lógica da situação. O
método próprio das ciências sociais em oposição ao método das ciências
naturais, baseia-se na penetrante compreensão intuitiva dos fenômenos sociais.
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