sexta-feira, 17 de abril de 2015

IMPEACHMENT III



10 de abril de 1950. Publicada a lei 1.079 que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo. Essa lei permite o combate à corrupção que acontece dentro e fora do Judiciário. Entre os crimes dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) definidos nesta lei, estão as condutas: (i) patentemente insidiosas no cumprimento dos deveres do cargo; (ii) incompatíveis com a honra, a dignidade e o decoro das suas funções. Qualquer cidadão brasileiro pode denunciar perante o Senado Federal os ministros do STF por crime de responsabilidade. Servem de prova: documentos, certidão fornecida pela secretaria do tribunal, gravações lícitas, depoimentos de operadores do direito e de pessoas comuns. Ainda que os atos criminosos sejam públicos e notórios, convém produzir a prova, apesar de a processualística civil dispensar tal produção (CPC 334). O processo de impeachment tem como fonte subsidiária a processualística penal e o regimento interno do Senado. Se houver condenação pelo voto de 2/3 dos senadores presentes à sessão de julgamento, o ministro denunciado perderá o cargo.

14 de março de 1979. Publicada a lei complementar que dispõe sobre a organização da magistratura nacional (LC 35). Segundo esta lei, são deveres dos magistrados: (i) cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; (ii) não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar; (iii) comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão e não se ausentar injustificadamente antes do seu término; (iv) manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.
Esses deveres são transgredidos com freqüência. No que tange ao STF, os rotineiros atrasos no início e reinício das sessões geram redução no tempo de prestação do serviço jurisdicional. Previsto para as 14,00 horas, no regimento interno, o início das sessões ocorre sempre com 30 minutos, ou mais, de atraso; na ata lida em plenário, todavia, consta que a sessão teve início às 14,00 horas pontualmente. O regimento prevê intervalo de 30 minutos. Iniciada a sessão, os ministros não escondem a ansiedade para que chegue o momento do intervalo. O reinício da sessão ocorre além dos 30 minutos; às vezes, demora o dobro. Cerca de uma hora depois do reinício, a sessão é encerrada.
A função primordial dos tribunais judiciários é prestar tutela jurisdicional; existem para, à luz do direito, julgar os casos submetidos à sua apreciação. Tudo o mais é secundário. No cotidiano, porém, essa função primordial tem sido negligenciada. Inverte-se a prioridade transferindo-a para assuntos estranhos à judicatura (administrativos, protocolares, particulares) tratados dentro do horário previsto para as sessões de julgamento. As freqüentes ausências de ministros às sessões acarretam: (i) adiamento dos julgamentos por falta de quorum; (ii) procrastinação da tutela jurisdicional; (iii) prolongamento da tensão gerada pelo litígio; (iv) perda de viagens à Brasília por advogados e interessados, sem ressarcimento das despesas.
O STF passa a imagem de uma sinecura de barnabés de toga. Urge a sua extinção e substituição por quatro tribunais constitucionais, um em cada ponto cardeal, soberanos em sua jurisdição.

05 de outubro de 1988. Promulgada a nova Constituição da República que outorga competência ao Senado Federal para processar e julgar os ministros do STF nos crimes de responsabilidade e destituí-los do cargo na hipótese de condenação (artigo 52, II + parágrafo único).

02 de abril de 2014. O Ministro Gilmar Mendes, do STF, pede vista dos autos do processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 4650). Tal demanda tem por objeto o financiamento de campanha eleitoral por pessoas jurídicas. Cuida-se de matéria de alta relevância para a limpeza ética na seara política. O peso do voto deve ser igual entre os cidadãos. O peso do dinheiro abala essa igualdade democrática. Os partidos não se sustentam somente no voto, mas, também, no estatuto ficcional, na capacidade de arrecadação de fundos e na propaganda cara, sofisticada e enganosa.   

02 de abril de 2015. A vista concedida a Gilmar completa um ano. O ministro retém os autos do processo da mencionada ação judicial embora esgotado o prazo estipulado no artigo 134 do Regimento Interno do STF: “Se, algum dos Ministros, pedir vista dos autos, deverá apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária subseqüente”. O abuso de direito praticado pelo ministro é evidente. A demora na devolução dos autos é proposital, excessiva e injustificada. O julgamento da ação teve início e deve terminar sem procrastinação, conforme exige o princípio do devido processo legal. Daí, o dever do ministro de devolver os autos dentro do prazo regimental. A conduta abusiva do ministro tipifica violação do princípio da razoável duração do processo e de celeridade nos trâmites processuais (CR 5º, LXXVIII). 
A referida ação judicial tem seus trâmites há quatro anos no mesmo tribunal, onde houve audiências públicas com a oitiva de pessoas representativas da sociedade brasileira. A extensa discussão pública sobre a matéria e os votos de mais da metade dos membros do tribunal significam que os juízes estavam preparados para julgar. Portanto, a justificativa de que o retentor está estudando o processo não convence. A capacidade intelectual do ministro moroso não deve ser tão inferior à dos ministros que já votaram. O ocupante do cargo de ministro da corte suprema deve preencher os requisitos de notável saber jurídico e reputação ilibada (CR 101). Ao se mostrar deficiente intelectual ou de reputação duvidosa, o ministro deve desocupar o cargo, voluntária ou compulsoriamente. O ministro Gilmar: (i) preenche o requisito do saber jurídico; (ii) parece estar na posse plena das faculdades mentais; (iii) está no exercício das suas funções. Logo, a excessiva demora não se justifica. A desculpa do acúmulo de processos também é inaceitável por dois motivos: (i) o acúmulo é comum a todos os ministros; (ii) a ação judicial já está em julgamento e, por isso mesmo, tem prioridade. O ministro retarda, mas não parece retardado mental. Talvez, seja caso do juiz tardinheiro de que falava Ruy Barbosa.
A reputação de Gilmar deixou de ser ilibada principalmente: (i) depois do caso Dantas, em que exibiu desembaraço fulminante e rapidez extraordinária; (ii) no entrevero com o ministro Joaquim Barbosa; (iii) com a demora abusiva para devolver os autos do processo da ADI 4650. A excessiva velocidade num caso de maior complexidade e a excessiva lerdeza em outro caso de menor complexidade é sintoma de proposital desequilíbrio incompatível com os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência (CR 37). A censurável conduta do ministro autoriza: (1) qualquer cidadão, inclusive parlamentar, a oferecer denúncia perante o Senado Federal para apurar a responsabilidade do ministro (impeachment); (2) as partes, a pleitearem a busca e apreensão dos autos do processo e a imediata continuação do julgamento.

10 de abril de 2015. A lei 1.079 completa 65 anos de vigência e de reduzida aplicação, apesar dos inúmeros episódios que justificariam a sua maior incidência. Nos períodos de normalidade democrática no Brasil, os ocupantes dos altos escalões da república se mantiveram acima da lei, pelo menos, até a primeira década do século XXI. Membros de tribunais judiciários raramente são punidos por suas faltas.

12 de abril de 2015. Manifestação de 0,2% da população paulista a favor do impeachment da Presidente da República, da extinção do PT e contra a corrupção. Evidenciou-se a irracionalidade do movimento. Falta amparo, moral e jurídico, para a instauração do processo, como exposto no artigo anterior sobre o tema. Ainda que fosse possível o afastamento da Presidente, a vaga seria preenchida pelo Vice-Presidente e não pelo candidato derrotado nas eleições. Do ponto de vista jurídico, a extinção de partido só é possível nos casos previstos em lei. Do ponto de vista moral, a merecida extinção não seria apenas do PT, mas, também, do PSDB e dos partidos comunheiros na patifaria. No que tange à corrupção, o combate já é realidade. Como dito alhures, foi preciso mulher na presidência para que essa luta fosse empreendida eficazmente no Brasil.

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