A polícia federal adquiriu o hábito de batizar algumas das suas operações e de atuar
de forma espetacular. O nome de “lava-jato” dado à operação de Curitiba-PR,
lembra os letreiros dos postos curitibanos de abastecimento, lubrificação e
lavagem de veículos. A conotação de limpeza
combina com o propósito dessa operação policial: apurar materialidade e autoria
de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro praticados na empresa estatal
Petrobrás.
Inquestionável a importância da polícia para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público e
privado. Lado positivo das operações batizadas:
trouxeram para a superfície e claridade o que ocorria nos escuros subterrâneos
da vida nacional. Lado negativo: desvio ético na execução das tarefas. Na
república velha, a polícia servia aos interesses dos coronéis e chefes políticos.
Nos períodos autocráticos, a polícia servia ao regime ditatorial e seus
próceres. Na república nova, a polícia participa do jogo político servindo às lideranças
dos partidos mais influentes e aos donos do capital. As ações policiais batizadas exibiram o vetusto costume que
ainda sobrevive: uso privado do aparelho de segurança pública. A população
conhece, por experiência e de modo difuso, esse fato social: algumas pessoas tratadas
com rigor pela polícia enquanto outras são tratadas de modo condescendente.
No ministério público, verifica-se o mesmo fenômeno. Sob
o prisma institucional, indiscutível a relevância do ministério público para a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis. Promotor da ação penal pública, o ministério público
agora também o é da ação civil pública em defesa do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. O desvio ocorre
na atuação dos seus membros nos casos concretos. A experiência forense mostra como
as preferências pessoais influem na atividade dos membros da corporação. Daí, o
legislador constituinte haver outorgado legitimidade ao cidadão para propor
ação privada nos crimes de ação pública na hipótese de omissão do ministério
público (CR 5º, LIX). A operação “lava-jato” mostrou a postura desabrida dos
promotores numa região onde os tucanos imperam e nutrem ódio mortal à minoria
petista. O alarde da operação mostra açodamento, cor partidária e prisões
arbitrárias. O promotor ocupa o pólo ativo da relação processual penal. Deve,
pois, ser tratado como parte no mesmo
nível do defensor que ocupa o pólo passivo. Essa igualdade é da essência da vida democrática e do
devido processo jurídico. A posição do promotor como
parte não significa que tenha de ser tendencioso. Por isto mesmo, na esfera
penal, o promotor, diante do material probatório de que dispõe, tanto pode
pedir a condenação como a absolvição do réu.
No processo judicial, não cabe ao juiz prestar auxílio
às partes. Embora cônscio da importância do combate ao crime, o juiz tem o
dever de: (1) permanecer eqüidistante das partes como garantia da justa
aplicação da lei; (2) examinar os requerimentos do delegado, do promotor e do
defensor com a mesma disposição de ânimo; (3) decidir com coragem e serenidade,
sem subterfúgios e sem misturar a judicatura com o credo ideológico ou religioso.
A Constituição da República (CR), a lei, a
jurisprudência, os princípios gerais do direito, os fatos que acontecem na
sociedade ordinariamente, a experiência de vida, são fatores que entram na
ponderação judicial. O deferimento ou indeferimento dos requerimentos pelo juiz
deve atender ao interesse, coletivo ou individual, preponderante na ocasião,
sempre em consonância com a moral e o direito. Há juízes que se deixam seduzir
pelos holofotes, por opiniões publicadas na imprensa, envolvem-se nos
procedimentos persecutórios em conluio com a polícia e o ministério público. Em
Foz do Iguaçu, na década de 1970, havia um juiz substituto que participava de
diligência policial para efetuar prisão. Na capital do Rio de Janeiro, na
década de 1980, havia uma juíza de vara criminal com perfil inquisitório. Juiz
do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso apelidado de “mensalão”, mais
parecia delegado de polícia e promotor, ansioso por desempenhar o papel de
herói, envaidecido com os encômios oriundos da imprensa e dos opositores ao
governo federal. O juiz que preside a operação “lava-jato” parece enquadrar-se
nesse modelo. Certamente, haverá outros magistrados que também gostam de atuar
em parceria com a polícia e com o ministério público, afastando-se do dever de
imparcialidade próprio da função judicante. A censurável conduta agrava-se quando
motivada por interesse político-partidário, em frontal desafio à vedação
constitucional (CR 95, p.ú., III).
A instância superior poderá devolver a liberdade às pessoas presas. A prisão preventiva e o sigilo processual não devem se eternizar sem
ferir direitos assegurados aos cidadãos pela CR. Neste sentido, a jurisprudência do STF sintoniza
com as seguintes normas constitucionais: ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal; ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória; ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei
admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; a prisão ilegal será
imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.
A prisão
figura entre as espécies de pena previstas na legislação brasileira. A prisão preventiva é uma execução penal
antecipada permitida por lei para garantia das ordens pública e econômica, por
conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Para
decretá-la são necessários: (1) juiz natural; (2) prova da existência do crime.
(3) indício suficiente da autoria; (4) situação de fato a exigir a privação da
liberdade. Apesar da previsão legal, esse tipo de prisão conserva seu caráter
de excepcional violência ao privar de liberdade alguém cuja culpa ainda não foi
reconhecida por sentença penal condenatória transitada em julgado. O juiz deve
refrear a tentação de prender pessoas só para: (1) dessedentar o público ávido
por vingança e punição; (2) satisfazer a imprensa ávida por notícias
sensacionalistas; (3) atender aos caprichos de facções políticas ou do poder
econômico; (4) aparecer como paladino do direito e da justiça.
Na administração pública, a regra é a publicidade e a exceção é o sigilo, consoante o sistema republicano
democrático adotado pelo legislador constituinte. A transparência dos negócios
públicos e a prestação de contas são necessárias ao controle pela sociedade. As
sessões e audiências dos órgãos judiciários devem ser públicas. O sigilo será permitido para proteger o direito à
intimidade do interessado, desde que não
prejudique o interesse público à informação (CR 93, IX). A publicidade e a
impessoalidade são princípios obrigatórios para a administração pública (o que
inclui a atividade policial). A publicidade dos atos, programas, obras,
serviços, campanhas dos órgãos públicos, deverá revestir o caráter educativo,
ou informativo, ou de orientação social, sendo vedados símbolos ou imagens que
caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (CR 37 caput + §1º).
Quando o sigilo for imprescindível à segurança da
sociedade ou do Estado, os órgãos públicos poderão negar acesso às informações.
Quanto aos atos processuais, a lei poderá restringir a respectiva publicidade
se assim o exigir a defesa da intimidade ou o interesse social (CR 5º, XXXIII +
LX). No inquérito, a autoridade deve assegurar o sigilo necessário à elucidação
do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (CPP 20). Esse dever não servirá
de pretexto para abuso, nem para frustrar o exercício do direito à informação
(CR 5º, XIV + 220). Se, da publicidade do ato processual, puder resultar
escândalo, grave inconveniente, ou perigo de perturbação da ordem, o juiz
poderá decretar o sigilo (portas fechadas,
CPP 792, §1º). A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, celebrada em São José da Costa Rica,
em 22/11/1969, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo decreto
678/1992, dispõe: O processo penal deve
ser público, salvo no que for
necessário para preservar os interesses da justiça (art.8º, 5).
Ao decretar prisão preventiva ou sigilo, a autoridade deve
explicar em que consiste a ameaça aos bens protegidos, descrever quais os fatos
que caracterizam o interesse a ser protegido, arrolar os elementos da
intimidade em jogo, indicar a situação real de perigo para a ordem pública, e
assim por diante. Repetir, simplesmente, as palavras do texto constitucional ou
legal, sem os devidos esclarecimentos e sem expor a real necessidade das
medidas restritivas à liberdade de locomoção e ao direito à informação,
equivale a decidir de forma arbitrária e ilegal.
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