sexta-feira, 3 de abril de 2015

FILOSOFIA XV - 36



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Jacques Maritain seleciona três grandes choques intelectuais que abalaram a confiança do homem em si mesmo: (I) O darwinismo do qual derivou uma ética materialista da luta pela vida. No entanto, simultânea à evolução biológica, há uma descontinuidade metafísica entre o universo animal e o universo humano gerada pela presença do espírito no homem que uma vez reconhecida revela a face moral da humanidade. (II) O marxismo do qual derivou uma ética materialista pela submissão das regras e dos procedimentos morais à estrutura econômica da sociedade. Todavia, se o homem tomar consciência da interdependência dos valores morais e econômicos, chegará a uma ética espiritualista. (III) A psicanálise que revelou a forte influência da libido e do inconsciente no comportamento humano. Com isto, a liberdade cede lugar ao determinismo da natureza em prejuízo do universo da moralidade. Todavia, se no universo de instintos, tendências e impulsos inconscientes forem inseridas a razão e a liberdade, resultará uma ética mais consciente da situação concreta do homem, uma equilibrada relação entre o consciente e o inconsciente. Introduzir-se-á outro tipo de inconsciente além do natural, a saber: o inconsciente espiritual que é a fonte viva da atividade consciente e das obras da razão.

[O método experimental das ciências físicas foi aplicado na Psicologia e fatores externos foram considerados no estudo do psiquismo humano. Com as pesquisas de Pavlov e suas observações sobre os reflexos condicionados desenvolve-se a psicologia do comportamento (behaviorismo). A incursão de Jung na metafísica e no misticismo oriental inaugurou sua divergência com Freud e gerou a psicologia analítica, a crença no inconsciente coletivo e na comunicação entre a mente humana e a mente divina].

A condição humana é a do corpo ligado a uma alma no universo da matéria que faz o homem sonhar com uma idade de ouro. Para os crentes no primitivo estado de inocência e no pecado original a idade de ouro situa-se no início da história após o que o homem decaiu por sua própria culpa. Para os que não comungam dessa crença judia e cristã, a idade de ouro situa-se no fim da história e o homem a ela chegará por seu libertador esforço graças à ciência e às mudanças sociais. Segundo a doutrina cristã, a condição humana será transfigurada de modo sobrenatural após a morte (reencarnação impossível). A recusa à condição humana situa-se no plano moral e não no plano físico. Tal recusa pertence ao mundo do sonho, mas o homem nutre-se de sonhos cujas raízes estão na sua psicologia individual e determinam sua atitude fundamental na vida.         

O desenvolvimento histórico da filosofia alemã pode ser visto em etapas. A primeira etapa seria de Kant e Hegel; a segunda, de Marx e Engels; a terceira, de Nietzsche; a quarta, de Heidegger, Husserl e Hartmann. A quinta, da Escola de Frankfurt, nome informalmente atribuído ao círculo formado durante a República de Weimar (1919/1933) por Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Friedrich Pollock, Eric Fromm, Otto Kirchheimer e Leo Löwenthal. A Escola teve seguidores como Albrecht Wellimer, Alfred Schmidt, Axel Honneth, Franz Neumann, Jürgen Harbemas e Oskar Negt.

Max Horkheimer (1895 a 1973), professor alemão, filósofo, sociólogo, nascido no seio de rica família judia (o pai era dono de fábrica de tecidos), doutorou-se em Filosofia (1922). Deixou-se influenciar pelas duas críticas de Kant e pelo pensamento de Schopenhauer. Juntamente com Marcuse, Adorno e Friedrich Pollock (sociólogo e economista alemão), Max fundou o Instituto para Pesquisas Sociais (IPS), anexo à Universidade de Frankfurt, que se dedica à pesquisa interdisciplinar: filosofia, sociologia, psicologia, política, economia. Este círculo de estudiosos ficou conhecido como Escola de Frankfurt. O IPS publicava periodicamente a Revista de Pesquisa Social, com textos dos seus membros e de outros colaboradores. Os componentes do IPS eram majoritariamente judeus marxistas. Com a queda da República de Weimar e com a ascensão do III Reich, o governo nazista fechou o IPS. Os seus membros debandaram para outros países. O IPS mudou-se para Nova Iorque (Universidade de Colúmbia), sob a direção de Horkheimer e Marcuse. Depois da guerra, o IPS retornou à Alemanha e retomou suas atividades regularmente até a presente data. Marcuse permaneceu nos EUA e seu pensamento influiu na formação da mocidade estudantil e no movimento social de maio de 1968 em França.

As revoluções russa (comunista), italiana (fascista) e alemã (nazista) mudaram o panorama social e político da Europa na primeira metade do século XX. Essas revoluções podem ser consideradas a fronteira entre a Idade Moderna e a Idade Contemporânea na história da civilização ocidental. O advento da teoria psicanalítica de Freud e o pragmatismo norte-americano aliados a tais mudanças, levaram os filósofos marxistas a um exame crítico do qual resultou o afastamento do marxismo ortodoxo, substituído por um marxismo ocidental no plano prático e teórico. A Escola de Frankfurt era receptiva ao pensamento dos filósofos e cientistas anteriores e posteriores à sua fundação. Daí resultou uma teoria social interdisciplinar e neomarxista. Esse novo pensamento constitui a Teoria Crítica da Sociedade, conjunto de idéias baseadas no criticismo de Kant, no socialismo de Marx, na teoria sociológica de Weber e na teoria psicanalítica de Freud, voltado para a cultura ocidental contemporânea. O centro da crítica está no poder, nas relações de dominação do modelo liberal e capitalista, do qual a cultura de massa é uma das expressões. Por isto mesmo, Adorno afirmou que se trata, na verdade, de uma indústria cultural que mantém os mecanismos de dominação de uma classe (elite capitalista) sobre outra (massa trabalhadora). A proposta da Escola é a de liberar os indivíduos desses mecanismos e devolver-lhes a liberdade em uma autêntica democracia. A Escola negava a vocação dos operários para a revolução social.    

Max vê a razão instrumental como criadora de mitos perigosos. Advoga um marxismo heterodoxo e um humanismo individualista. As categorias do marxismo não são definitivas e sim indicações para ulteriores investigações cujos resultados retroagem sobre elas próprias. Ele opõe à teoria tradicional a teoria crítica. No sistema dedutivo de René Descartes – que integra a teoria tradicional – as proposições de certo campo devem estar ligadas de tal modo que a maioria delas deriva de poucas. Estas poucas proposições constituem os princípios gerais e entre elas e as demais proposições decorrentes não pode haver contradição. Disto resulta um sistema matemático de signos. Os sistemas assim construídos (no modelo cartesiano) são operacionais, têm vasta aplicabilidade. Essa teoria tradicional não se ocupa da gênese social dos problemas que investiga, das situações reais em que a ciência é usada e do escopo dessa utilização. A razão abstrata dessa teoria é criadora de mitos em que se assenta o cientificismo.

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