EUROPA (1900 a
2014). Continuação.
Se a humanidade persistir na violência da lei do talião, a práxis
política radical renovará o terror do passado, afirmava Theodor Adorno. Ao
criticar a práxis brutal da sobrevivência, a obra de arte apresenta-se como
antítese da sociedade. A obra de arte adquire prioridade epistemológica e
autonomia. A música constitui a manifestação imediata do instinto humano e ao
mesmo tempo a instância própria para o seu apaziguamento. Ela desperta a dança
das deusas, ressoa da flauta encantada de Pã, brotando ao mesmo tempo da lira
de Orfeu, em torno da qual se congregam saciadas as diversas formas do instinto
humano. A música de entretenimento preenche os vazios do silêncio que se
instalam entre as pessoas deformadas pelo medo, pelo cansaço e pela docilidade
de escravos sem exigências. O programa musical ético de Platão tem a
característica de uma purificação, de uma campanha de saneamento de estilo
espartano. À mesma classe pertencem outros traços da pregação musical dos
capuchinhos. O prazer do momento transforma-se em pretexto para desobrigar o
ouvinte de pensar no todo, cuja exigência está incluída na audição adequada e
justa; sem grande oposição, o ouvinte se converte em simples comprador e
consumidor passivo.
Na opinião de Theodor, a nova
etapa da consciência musical das massas se define pela negação e rejeição do
prazer no próprio prazer. Assemelha-se tal fenômeno aos comportamentos que as
pessoas soem manter em face do esporte ou da propaganda. A música atual
caracteriza-se como mercadoria. Os bens da cultura fazem parte do mundo da
mercadoria, são preparados para o mercado e são governados segundo os critérios
do mercado. A modificação da função da música atinge os próprios fundamentos da
relação entre arte e sociedade. No pólo oposto ao fetichismo na música opera-se
uma regressão da audição. A audição regressiva relaciona-se com a produção
através do mecanismo de difusão o que acontece precisamente mediante a
propaganda. Na audição regressiva o anúncio publicitário assume caráter de
coação. As vítimas da regressão auditiva agem como crianças: exigem o mesmo
alimento que provaram anteriormente. Embora a audição regressiva não constitua
sintoma de progresso na consciência da liberdade, é possível que
inesperadamente a situação se modificasse se, um dia, a arte de mãos dadas com
a sociedade, abandonasse a rotina do sempre igual.
Jean-Paul Sartre (1905 a 1980), escritor
francês, ateu, filósofo filiado ao existencialismo, autor de romances como “A
Náusea” e “Os Caminhos da Liberdade” e de algumas peças de teatro. A sua obra
literária ilustrava o seu projeto filosófico consubstanciado no tratado “O Ser
e o Nada” escrito em 1943. Após a segunda guerra mundial, ele aborda questões
políticas em seus escritos, principalmente sobre o marxismo. “Para nós, franceses, o individualismo
conservou a velha forma clássica da luta do indivíduo contra a sociedade e
especialmente contra o Estado; isto não existe nos Estados Unidos”, dizia
ele.
Na esfera filosófica, Jean-Paul procura
as estruturas fundamentais da existência humana; salienta o choque entre a
consciência e o mundo objetivo; considera a liberdade uma característica que
melhor define o ser humano e que deve ser manifestada na atividade política. O
homem escolhe o seu destino, sem vínculos com a tradição e com o passado. O
cientista e o sacerdote tentam escapar dessa realidade racionalizando ou
espiritualizando o mundo. Jean-Paul rejeita a concepção de liberdade sintonizada com necessidade,
predominante na ciência teórica. A rebeldia dos adeptos do existencialismo
contra o racionalismo advém do sentimento de opressão. A existência não pode
ser deduzida de princípios lógicos gerais. {O ser humano existe como fenômeno
biológico e não como produto de um princípio lógico}.
Hannah Arendt (1906 a 1975), alemã, nascida
Johanna Arendt, no seio de família judia em Hanover, escritora, filósofa,
cientista política, jornalista, professora e, no que tange à produção
sociológica, integrante da tradição intelectual da república de Weimar. Estudou
nas universidades de Marburgo, Heildelberg e Friburgo. Doutorou-se em Filosofia
com a tese sobre o conceito de amor em Santo Agostinho.
Durante os seus estudos na Alemanha, tornou-se amante de
Heidegger, seu professor e mentor. Dele separou-se em decorrência da pressão
social, pois ele era casado com outra mulher e tinha filhos. Alguns anos
depois, Heiddeger aderiu à política nazista, motivo pelo qual Hannah rompeu as
relações cordiais que ainda mantinha com ele. Casou duas vezes com maridos
diferentes. Ela foi presa pela Gestapo em 1933, por três meses; então, sai da
Alemanha e permanece em Paris até 1939. Presa novamente e enviada a um campo de
concentração, foge e emigra para os EUA (1941). Dez anos depois, adquire a
cidadania americana. Em seqüência, lecionou na Universidade de Chicago (1963) e
na New School for Social Research de
Nova Iorque (1967 a
1975).
No livro intitulado “Eichmann em
Jerusalém” publicado em 1963, Hannah Arendt juntou cinco artigos que escreveu a
serviço do jornal The New Yorker,
quando cobriu o julgamento desse servidor do nazismo. Considerou o réu homem
normal, burocrata típico, zeloso cumpridor de ordens por amor ao dever sem
considerar o bem ou o mal. Nesse livro, ela denuncia a cumplicidade de
lideranças judaicas com o nazismo. As organizações judaicas americanas quase a
crucificaram. Faltou pouco para ela não perder a sua cátedra na Universidade.
[Norman G. Finkelstein, judeu
americano nascido no Brooklin em 1953, professor de Teoria Política da
Universidade de Nova Iorque, lançou o livro “A Indústria do Holocausto” em
2000, denunciando a elite judaica que, para oprimir o povo palestino,
aproveita-se do mito em que, na América, foram transformadas as atrocidades
nazistas. Essa elite judaica exagerou o número de sobreviventes dos campos de
concentração com o propósito de extorquir bancos suíços, indústrias alemãs e
países do leste europeu e, assim, obter vultosas indenizações e se apropriar de
obras de arte e outros objetos valiosos apreendidos durante a guerra. Tal qual
aconteceu com Hannah, organizações judaicas se mobilizaram para impedir a
circulação do livro e para afastar Norman da cátedra universitária].
Hannah Arendt defendia a democracia direta como
alternativa à democracia representativa. O pluralismo é a condição da
vida política e possibilita um potencial de liberdade e de igualdade entre as
pessoas. Importante é incluir o outro. Hannah apresenta originalidade na sua
obra. Ela procede à crítica da filosofia de Sócrates, Platão, Aristóteles,
Maquiavel, Montesquieu, Kant, Heidegger e Jaspers. Desafia os conceitos
convencionais tanto da esquerda como da direita. No livro “Origens do
Totalitarismo”, publicado em 1951, ela exibe o que há de comum entre a política
de Hitler e a de Stalin, vendo nisto um novo fenômeno político: imposição à
sociedade, mediante o terror, de uma abstrata ideologia. Buscando os fatores
que podiam explicar a submissão ou o consenso das vítimas dos regimes
totalitários e as atrocidades neles praticadas, incluindo a prisão e tortura
nos campos de concentração, Hannah se deparou com os efeitos das mudanças
sociais e econômicas que abalaram e desenraizaram as massas. “Nada pode se comparar à vida nos campos de
concentração; nenhum relato consegue expô-la plenamente, pela simples razão de
que o sobrevivente volta ao mundo dos vivos, o que o impede de acreditar
inteiramente em suas experiências passadas”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário