quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 3



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

O sistema de alianças múltiplas implantado por Bismarck com fins econômicos e pacíficos acabou por ampliar uma guerra local (Áustria x Sérvia) para um conflito mundial (1914 a 1918). Este conflito foi o caldo de cultura da segunda guerra mundial: imperialismo, nacionalismo, corrida industrial e armamentista, concorrência comercial selvagem, protecionismo econômico. Inglaterra e França ficaram apreensivas com o estupendo desenvolvimento industrial da Alemanha: produção de ferro, de substâncias químicas, anilinas e instrumentos científicos que inundaram o mercado internacional, além das maiores empresas de navegação do mundo. Rússia e Áustria pretendiam monopolizar o comércio com a Sérvia, Romênia, Bulgária e Grécia. Os alemães convidaram os ingleses e franceses para se associarem na construção da estrada de ferro que ligaria Berlim a Bagdá. Os empresários ingleses e franceses aceitaram o convite, mas os respectivos governos impediram o negócio. A Rússia pressionou o governo francês porque não lhe interessava ver o território turco atravessado por aquela ferrovia. Os magnatas da navegação pressionaram o governo inglês porque a ferrovia ameaçava os seus lucros. Sozinha, a Alemanha construiu a estrada, para descontentamento daquelas potências e admiração das outras nações.

A Sérvia pretendia unir os povos da mesma raça que compartilhavam a mesma cultura (eslavos); alguns viviam na Bósnia e na Herzogovina que, na época, eram províncias turcas; outros eram croatas e eslovacos habitantes das províncias meridionais do império austríaco. A Áustria anexou a Bósnia e a Herzogovina ao seu império (1908). A Sérvia assesta baterias contra esse império com o objetivo de atrair a simpatia dos eslavos e anexar os respectivos territórios. As intrigas e conspirações culminaram com o assassinato do herdeiro do trono austríaco (08/06/1914). Os adeptos do pan-eslavismo, política oficial do governo russo, auxiliaram os nacionalistas sérvios. Segundo a doutrina do pan-eslavismo, todos os eslavos da Europa oriental constituíam uma só e grande família. Por ser o mais poderoso Estado eslavo, a Rússia se comprometia a proteger as suas irmãs dos Bálcãs. Sérvios, búlgaros e montenegrinos contavam com esse apoio na luta contra a Áustria e a Turquia.

Bismarck se desentendeu com o kaiser Guilherme II e foi afastado da chancelaria (1890); o seu sistema desintegrou-se (1890 a 1907). Ao entendimento entre dois países, sem caracterizar aliança, convencionou-se chamar de entente cordiale. Rússia e França celebraram acordo secreto de ajuda militar mútua (1894). França e Inglaterra combinaram a repartição de territórios africanos (1904). Inglaterra e Rússia combinaram a repartição do território da Pérsia (1907). Esses acordos bilaterais contrapunham-se à Tríplice Aliança: Alemanha + Áustria + Itália (1882). O pan-eslavismo provocou o rompimento das relações entre a Rússia e a Áustria. A diplomacia alemã apoiou a Áustria. Os negócios financeiros entre a Rússia e a França abriram caminho para um acordo político. A Itália se desinteressa da Tríplice Aliança quando percebe que o republicanismo francês afastara a ameaça de uma intervenção da monarquia francesa em favor do papa. Além disto, os italianos esperavam o apoio da França para conquistar Trípoli. A Alemanha sentiu-se isolada, cercada de inimigos. Considerando a Alemanha comum inimiga, os civis e militares franceses colocaram de lado sua rivalidade interna (da qual o caso Dreyfus foi o mais notório exemplo). Os empresários franceses desenvolveram instituições financeiras, a indústria do aço, de aviões e automóveis (Peugeot, Renault, Michelin); construíram novas fábricas e ferrovias e investiram bilhões de dólares no exterior (Turquia, Bálcãs, China, 1914). Entretanto, a concorrência alemã era fortíssima. O potencial industrial alemão era superior ao francês. A produção alemã de carvão, aço, ferro, superava a francesa. O potencial militar alemão era superior ao francês. Todavia, na ótica francesa, o mais importante era o número de divisões de tanques e soldados disponíveis de imediato e não o tamanho da indústria alemã e tampouco os milhões de recrutas de que a Alemanha pudesse dispor.

Com seu vasto império em todos os continentes, a Inglaterra construiu um poderio econômico e militar que desequilibrou as forças mundiais no período que antecedeu a guerra de 1914. A Alemanha e os EUA cresciam rapidamente e ultrapassaram a Inglaterra em termos de força industrial ainda na primeira década do século XX. Desde então, a força econômica, política e militar da Inglaterra tem sido menor em relação a essas duas e a outras nações, como a China e Rússia nos dias atuais. O efetivo militar russo no início da primeira guerra mundial era superior ao dos outros países. A rede ferroviária e a produção petrolífera e industrial da Rússia (bélica, têxtil, química, elétrica, metalúrgica, mineira, madeireira) cresciam em ritmo acelerado, embora aquém da Alemanha, da Grã-Bretanha e dos EUA. A sociedade russa ainda era basicamente camponesa. O impulso de modernização na Rússia era dado pelo Estado. O objetivo era se firmar como grande potência européia. Os gastos com educação e saúde eram bem menores do que a verba destinada às forças armadas. De 1912 a 1914, cresceu em ritmo alarmante a incidência de greves, protestos coletivos, prisões e assassinatos naquele país, prenúncio da revolução que iria modificar o paralelogramo de forças no planeta e gerar um mundo bipolar.  

Ante o passado e a distância que dele nos encontramos, podemos deduzir que as potências européias estavam ansiosas por confronto bélico. “Queremos glorificar a guerra – a única higiene do mundo” (proclamação de Paris contida no Manifesto Futurista de 1909). Subjacente à movimentação diplomática, estava o anseio por guerra, por demonstração de força, por extroversão de recalques. Os acordos secretos denotavam a intenção de formar coalizões fortes. Inglaterra, França e Rússia celebraram acordos de cooperação no caso de guerra contra a Alemanha. [No seu grego e excelso linguajar, Platão, o filósofo divino, já ensinava: invejapolis bostapoulos est]. A divergência ideológica entre a burguesia francesa e o regime czarista não impediu o acordo entre a França e a Rússia. Horizonte escuro anunciava a borrasca. A disputa pelo monopólio do comércio no Marrocos deixou ressentimentos entre a França e a Alemanha. Os franceses se diziam vítimas de chantagem que os obrigara a entregar aos alemães o valioso território do Congo. Os alemães diziam que a cessão do Congo era insuficiente para compensar a perda das riquezas do Marrocos (produtos agrícolas, ferro, manganês e vantagens comerciais). Uma nesga de terra marroquina fronteiriça a Gibraltar ficou para a Espanha e o resto ficou para a França. Marrocos se tornou província francesa.

Em represália às atrocidades praticadas contra os eslavos, a Sérvia, Bulgária, Montenegro e Grécia formaram a Liga Balcânica e atacaram a Macedônia sob domínio turco (1912). A Liga saiu vitoriosa. Na conferência de paz, a Áustria interveio em favor da independência da Albânia, cujo território fora prometido à Sérvia antes do conflito. Isto azedou mais ainda as relações entre Áustria e Sérvia. O imperador da Áustria, Francisco José, estava octogenário. Esperava-se a sucessão no trono para breve. O arquiduque Francisco Fernando, futuro sucessor, planejava unir os eslavos aos húngaros e austríacos sob monarquia tríplice. Os sérvios nacionalistas, que almejavam a união dos povos eslavos, eram contrários ao referido plano e decidiram eliminar Francisco Fernando antes que ele se tornasse imperador. Quando esse príncipe visitava Saravejo, capital da Bósnia, a sentença de morte ditada pelos conspiradores foi executada por um estudante. O rastilho foi aceso.

A Áustria assina o prazo de 48,00 horas para a Sérvia responder a um ultimato que exigia: (1) a suspensão dos jornais contrários à Áustria; (2) a extinção das sociedades secretas; (3) a exclusão, do governo e do exército, das pessoas culpadas de propaganda contrárias à Áustria; (4) a aceitação da colaboração das autoridades austríacas para eliminar o movimento subversivo contra o império austríaco. No prazo assinado, a Sérvia respondeu a essas e a mais sete questões restantes. A Áustria declarou insatisfatória a resposta. O barril de pólvora explodiu.

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