EUROPA (1900 a
2014). Continuação.
O sistema de alianças
múltiplas implantado por Bismarck com fins econômicos e pacíficos acabou por
ampliar uma guerra local (Áustria x Sérvia) para um conflito mundial (1914 a 1918). Este conflito
foi o caldo de cultura da segunda guerra mundial: imperialismo, nacionalismo, corrida
industrial e armamentista, concorrência comercial selvagem, protecionismo
econômico. Inglaterra e França ficaram apreensivas com o estupendo
desenvolvimento industrial da Alemanha: produção de ferro, de substâncias
químicas, anilinas e instrumentos científicos que inundaram o mercado
internacional, além das maiores empresas de navegação do mundo. Rússia e
Áustria pretendiam monopolizar o comércio com a Sérvia, Romênia, Bulgária e
Grécia. Os alemães convidaram os ingleses e franceses para se associarem na
construção da estrada de ferro que ligaria Berlim a Bagdá. Os empresários
ingleses e franceses aceitaram o convite, mas os respectivos governos impediram
o negócio. A Rússia pressionou o governo francês porque não lhe interessava ver
o território turco atravessado por aquela ferrovia. Os magnatas da navegação
pressionaram o governo inglês porque a ferrovia ameaçava os seus lucros.
Sozinha, a Alemanha construiu a estrada, para descontentamento daquelas
potências e admiração das outras nações.
A Sérvia pretendia unir os
povos da mesma raça que compartilhavam a mesma cultura (eslavos); alguns viviam
na Bósnia e na Herzogovina que, na época, eram províncias turcas; outros eram
croatas e eslovacos habitantes das províncias meridionais do império austríaco.
A Áustria anexou a Bósnia e a Herzogovina ao seu império (1908). A Sérvia assesta
baterias contra esse império com o objetivo de atrair a simpatia dos eslavos e
anexar os respectivos territórios. As intrigas e conspirações culminaram com o
assassinato do herdeiro do trono austríaco (08/06/1914). Os adeptos do pan-eslavismo, política oficial do
governo russo, auxiliaram os nacionalistas sérvios. Segundo a doutrina do pan-eslavismo, todos os eslavos da
Europa oriental constituíam uma só e grande família. Por ser o mais poderoso
Estado eslavo, a Rússia se comprometia a proteger as suas irmãs dos Bálcãs.
Sérvios, búlgaros e montenegrinos contavam com esse apoio na luta contra a
Áustria e a Turquia.
Bismarck se desentendeu com o
kaiser Guilherme II e foi afastado da chancelaria (1890); o seu sistema
desintegrou-se (1890 a
1907). Ao entendimento entre dois países, sem caracterizar aliança,
convencionou-se chamar de entente
cordiale. Rússia e França celebraram acordo secreto de ajuda militar mútua
(1894). França e Inglaterra combinaram a repartição de territórios africanos
(1904). Inglaterra e Rússia combinaram a repartição do território da Pérsia
(1907). Esses acordos bilaterais contrapunham-se à Tríplice Aliança: Alemanha +
Áustria + Itália (1882). O pan-eslavismo
provocou o rompimento das relações entre a Rússia e a Áustria. A diplomacia
alemã apoiou a Áustria. Os negócios financeiros entre a Rússia e a França
abriram caminho para um acordo político. A Itália se desinteressa da Tríplice
Aliança quando percebe que o republicanismo francês afastara a ameaça de uma
intervenção da monarquia francesa em favor do papa. Além disto, os italianos
esperavam o apoio da França para conquistar Trípoli. A Alemanha sentiu-se
isolada, cercada de inimigos. Considerando a Alemanha comum inimiga, os civis e
militares franceses colocaram de lado sua rivalidade interna (da qual o caso
Dreyfus foi o mais notório exemplo). Os empresários franceses desenvolveram instituições
financeiras, a indústria do aço, de aviões e automóveis (Peugeot, Renault,
Michelin); construíram novas fábricas e ferrovias e investiram bilhões de
dólares no exterior (Turquia, Bálcãs, China, 1914). Entretanto, a concorrência
alemã era fortíssima. O potencial industrial alemão era superior ao francês. A
produção alemã de carvão, aço, ferro, superava a francesa. O potencial militar
alemão era superior ao francês. Todavia, na ótica francesa, o mais importante
era o número de divisões de tanques e soldados disponíveis de imediato e não o
tamanho da indústria alemã e tampouco os milhões de recrutas de que a Alemanha
pudesse dispor.
Com seu vasto império em todos os
continentes, a Inglaterra construiu um poderio econômico e militar que
desequilibrou as forças mundiais no período que antecedeu a guerra de 1914. A Alemanha e os EUA
cresciam rapidamente e ultrapassaram a Inglaterra em termos de força industrial
ainda na primeira década do século XX. Desde então, a força econômica, política
e militar da Inglaterra tem sido menor em relação a essas duas e a outras
nações, como a China e Rússia nos dias atuais. O efetivo militar russo no
início da primeira guerra mundial era superior ao dos outros países. A rede
ferroviária e a produção petrolífera e industrial da Rússia (bélica, têxtil,
química, elétrica, metalúrgica, mineira, madeireira) cresciam em ritmo
acelerado, embora aquém da Alemanha, da Grã-Bretanha e dos EUA. A sociedade
russa ainda era basicamente camponesa. O impulso de modernização na Rússia era
dado pelo Estado. O objetivo era se firmar como grande potência européia. Os
gastos com educação e saúde eram bem menores do que a verba destinada às forças
armadas. De 1912 a
1914, cresceu em ritmo alarmante a incidência de greves, protestos coletivos,
prisões e assassinatos naquele país, prenúncio da revolução que iria modificar
o paralelogramo de forças no planeta e gerar um mundo bipolar.
Ante o passado e a
distância que dele nos encontramos, podemos deduzir que as potências européias
estavam ansiosas por confronto bélico. “Queremos glorificar a guerra – a única
higiene do mundo” (proclamação de Paris contida no Manifesto Futurista de 1909). Subjacente à movimentação
diplomática, estava o anseio por guerra, por demonstração de força, por extroversão
de recalques. Os acordos secretos denotavam a intenção de formar coalizões
fortes. Inglaterra, França e Rússia celebraram acordos de cooperação no caso de
guerra contra a Alemanha. [No seu grego e excelso linguajar, Platão, o filósofo
divino, já ensinava: invejapolis bostapoulos est]. A divergência
ideológica entre a burguesia francesa e o regime czarista não impediu o acordo
entre a França e a Rússia. Horizonte escuro anunciava a borrasca. A disputa
pelo monopólio do comércio no Marrocos deixou ressentimentos entre a França e a
Alemanha. Os franceses se diziam vítimas de chantagem que os obrigara a
entregar aos alemães o valioso território do Congo. Os alemães diziam que a
cessão do Congo era insuficiente para compensar a perda das riquezas do
Marrocos (produtos agrícolas, ferro, manganês e vantagens comerciais). Uma
nesga de terra marroquina fronteiriça a Gibraltar ficou para a Espanha e o
resto ficou para a França. Marrocos se tornou província francesa.
Em represália às
atrocidades praticadas contra os eslavos, a Sérvia, Bulgária, Montenegro e
Grécia formaram a Liga Balcânica e
atacaram a Macedônia sob domínio turco (1912). A Liga saiu vitoriosa. Na conferência de paz, a Áustria interveio em
favor da independência da Albânia, cujo território fora prometido à Sérvia
antes do conflito. Isto azedou mais ainda as relações entre Áustria e Sérvia. O
imperador da Áustria, Francisco José, estava octogenário. Esperava-se a
sucessão no trono para breve. O arquiduque Francisco Fernando, futuro sucessor,
planejava unir os eslavos aos húngaros e austríacos sob monarquia tríplice. Os
sérvios nacionalistas, que almejavam a união dos povos eslavos, eram contrários
ao referido plano e decidiram eliminar Francisco Fernando antes que ele se
tornasse imperador. Quando esse príncipe visitava Saravejo, capital da Bósnia,
a sentença de morte ditada pelos conspiradores foi executada por um estudante.
O rastilho foi aceso.
A Áustria assina o prazo
de 48,00 horas para a Sérvia responder a um ultimato que exigia: (1) a
suspensão dos jornais contrários à Áustria; (2) a extinção das sociedades
secretas; (3) a exclusão, do governo e do exército, das pessoas culpadas de
propaganda contrárias à Áustria; (4) a aceitação da colaboração das autoridades
austríacas para eliminar o movimento subversivo contra o império austríaco. No
prazo assinado, a Sérvia respondeu a essas e a mais sete questões restantes. A
Áustria declarou insatisfatória a resposta. O barril de pólvora explodiu.
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