sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 10



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Após a segunda guerra mundial, sopra nos céus europeus uma brisa democrática com nuances socialistas. Novo ordenamento jurídico acolhe na França, Alemanha e outros países, o sistema republicano democrático e a técnica da separação dos poderes mitigada por uma mistura de presidencialismo e parlamentarismo. O direito valoriza-se como fator de paz social e condicionador da ação política. O direito natural serviu de fundamento às decisões do Tribunal de Nuremberg que julgou alemães acusados da prática de crime durante a guerra. O tribunal se orientou por princípios éticos e jurídicos postos pela razão e decorrentes da dignidade humana. O tribunal desconsiderou a legislação alemã que vigorava ao tempo das ações consideradas delituosas. No entender daquele tribunal, o crime contra a humanidade, ainda que não esteja tipificado em lei específica, deve ser punido, mesmo se praticado em obediência a ordens de superior hierárquico. Desse modo, o direito natural também serviu de referencial de legitimidade ao exercício do poder político. O positivismo jurídico – que nega o direito natural e que amparou as autocracias européias – foi derrotado no tribunal. Naquele julgamento, o direito não foi visto apenas como um fato legislativo gerado pela autoridade, mas também, como um conjunto de princípios inspirados em valores estimados no tipo de civilização a que pertence determinado grupo de nações.  

Carta das Nações Unidas publicada em 26/06/1945, elaborada quando presentes na consciência coletiva os horrores do conflito mundial, conclama os povos a: (1) unir esforços para coexistência pacífica e segurança internacional; (2) usar a força apenas no interesse comum; (3) empregar mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos; (4) preservar as futuras gerações do flagelo da guerra; (5) respeitar obrigações decorrentes de tratados e de outras expressões do direito internacional.

A Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) promulga em 10/12/1948, apesar do voto contrário da URSS, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com as seguintes proposições: (1) a liberdade, a justiça e a paz no mundo sustentam-se no reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis; (2) a mais alta aspiração do homem comum consiste no advento de um mundo em que os seres humanos gozem da liberdade de palavra, de crença e de viverem a salvo do temor e da necessidade; (3) direitos do homem protegidos pelo império da lei de modo a evitar a rebelião como último recurso contra a tirania e a opressão; (4) relações amistosas entre as nações; (5) melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla; (6) fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher.

Exaurido o clima emoliente da hecatombe que matou vinte milhões de pessoas, fora os que morreram em campo de concentração e as vítimas da tirania e da depravação nas áreas devastadas pela guerra, as declarações solenemente assinadas pelas potências internacionais foram “solenemente” desrespeitadas. A bomba atômica que devastou Hiroshima e Nagasaki foi o marco simbólico de uma nova ordem mundial. Relatório militar estadunidense, quando a guerra ainda não terminara, fazia a seguinte observação: “Depois da derrota do Japão, os Estados Unidos e a União Soviética serão as únicas potências militares de primeira grandeza. Isto se deve em ambos os casos, a uma combinação de posição e extensão geográficas e a um grande potencial de municiamento”.

De fato, surgiram duas grandes potências mundiais e o mundo se dividiu em dois grandes blocos ideológicos: liberalismo x igualitarismo. Estabeleceu-se o maniqueísmo nas relações internacionais a partir da Doutrina Truman motivada pelo medo de que a Rússia ocupasse os vazios de poder na Europa e no resto do mundo. Em síntese, o presidente estadunidense doutrinava: “Um modo de vida baseia-se na vontade da maioria, distinguindo-se pelas instituições livres, governo representativo, eleições livres, garantia de liberdade individual, liberdade de palavra e religião e ausência de opressão política. O segundo modo de vida baseia-se na vontade de uma minoria imposta pela força à maioria. Vale-se do terror e da opressão, de uma imprensa controlada, de eleições forjadas e da supressão da liberdade pessoal. A política dos EUA será de ajudar os povos livres e manter suas instituições e sua integridade contra movimentos agressivos que buscam impor-lhes regimes totalitários” (1947).

O general Eisenhower, sucessor de Truman na presidência dos EUA, acentuou esse maniqueísmo com expressões emocionais que imprimiram caráter permanente na política estadunidense: “As forças do bem e do mal estão reunidas e armadas em oposição como raramente aconteceu antes na História. A liberdade está em oposição à escravidão, a luz em oposição às trevas”. Evidentemente, na opinião do general ianque, as forças do bem, da liberdade e da luz estavam com os americanos e as forças do mal, da escravidão e das trevas estavam com os russos. Apesar disto, o governo estadunidense incluiu os países socialistas no Plano Marshall de ajuda maciça à reconstrução econômica da Europa. O governo soviético recusou a ajuda por nela ver o propósito americano de convencer os países europeus da superioridade do sistema capitalista em relação ao sistema socialista. Considerando a posição antagônica da URSS e temendo ameaça de guerra na Europa, os EUA, Canadá e Grã-Bretanha criaram, em 1949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Na década de 1950, a Alemanha Ocidental e outros países ingressaram na OTAN. Em resposta, a URSS e seus satélites celebram o Pacto de Varsóvia (1955). O fosso entre os dois blocos aprofundou-se.


Nenhum comentário: