segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 11



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Nos anos 1960, o modelo social sueco encantou a civilização ocidental. Democracia social, amplo sistema previdenciário, revolução sexual, lei cominando pena aos homens que maltratam esposa e filho e instauração do respectivo processo independentemente da vontade das vítimas, são aspectos da vida sueca que atraíram a atenção de outros países. O modelo sueco exportável incluía o colírio das beldades suecas que fizeram sucesso no cinema: Greta Garbo, Ingrid Bergman e Anita Ekberg. Além do colírio cinematográfico, havia naquele modelo, o tempero esportivo, literário e filosófico.

Na Suécia, foi disputada a copa de futebol masculino que revelou ao mundo os dois maiores jogadores de todos os tempos: Garrincha e Pelé (1958).  Björn Rune Borg, tenista, nascido em 1956 na cidade de Estocolmo, entrou para a galeria das celebridades. Criou um estilo próprio de jogar tênis imitado por novos esportistas. Com ele, o tênis de quadra se popularizou e entrou em voga. Foi o mais jovem tenista do mundo a vencer o torneio do Grand Slam (1974). Venceu os torneios de Wimbledon (5 vezes) e de Roland-Garros (6 vezes). Em 1979 e 1980, ocupou o primeiro lugar no ranking mundial dessa modalidade esportiva. A vitoriosa carreira lhe rendeu cerca de 100 milhões de dólares.

Selma Lagerlöf, escritora sueca, foi a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel de Literatura (1909). O lirismo da sua obra literária inclui: “A Saga de Gösta Berling”, “Jerusalém” e “A Viagem Maravilhosa de Nils”. Depois de Selma e até 1974, outros suecos foram premiados: Verner von Heidenstam, Erik Axel Karlfeldt, Pär Lagerkvist (considerado um dos maiores poetas líricos da Suécia), Eyvind Johnson e Harry Martinson.

Axel Anders Theodor Hägerström (1868 a 1939), sueco, professor, jurista, filósofo, iniciou a corrente do realismo jurídico na seara do positivismo e fundou a chamada Escola Escandinava. O sueco Karl Olivecrona (1897 a 1980) e o dinamarquês Alf Ross (1899 a 1979), professores, juristas e filósofos, discípulos de Axel, foram elos dessa corrente. Os adeptos da Escola Escandinava rejeitavam a metafísica e o direito natural. Admitiam, apenas, o direito positivo, isto é, o direito posto pela autoridade estatal em forma de lei ou derivado do costume que vigora como lei na sociedade. Para eles, a lei é a primordial fonte do direito. O costume secundum legem ou praeter legem é fonte secundária. Na opinião deles, o direito é um fato e não um valor. O direito implica a força. A norma jurídica é um comando que obriga as pessoas. O direito positivo é um conjunto coerente de normas. No ordenamento jurídico não há lacunas. O juiz pode sempre extrair do ordenamento uma regula decidendi para resolver os casos sob sua apreciação. O juiz deve atender ao significado gramatical da lei ao aplicá-la ao caso concreto. “Lei é lei”. Dura lex sed lex. Todos os membros da sociedade devem obediência absoluta ao que está escrito na lei. Essa corrente defendia o caráter científico da pesquisa jurídica isento de especulação metafísica. Os conceitos jurídicos devem ter por base a experiência, fatos reais e não idéias sem comprovação científica e nem expressões retóricas sem substância. As teorias jurídicas sempre têm intima relação com o pensamento filosófico, as correntes ideológicas e as condições políticas, o que pode lhes retirar o caráter científico. [O positivismo filosófico e jurídico integrou a cultura brasileira no período republicano].      

Em 1974, foi promulgada uma nova Constituição na Suécia segundo a qual: (1) o poder público emana do povo e é exercido com submissão às leis; (2) a democracia sueca se baseia na livre formação da opinião e no sufrágio universal e igualitário; (3) o sistema político sueco é representativo e parlamentarista. O Parlamento representa o povo sueco é unicameral e produz as leis do país. A chefia do Estado cabe ao Rei. O governo cabe ao Conselho de Ministros chefiado pelo Primeiro-Ministro. Os tribunais e as autoridades administrativas devem observar a máxima objetividade e imparcialidade e não podem, sem base legal, tratar com discricionariedade pessoa alguma com base no credo, opinião, raça, cor, origem, sexo, idade, nacionalidade, idioma, posição social ou condições de riqueza. O costume sueco de amplos debates públicos sobre violência, prostituição, homossexualidade, preços, energia e outros temas, com o propósito de orientar as decisões políticas, também tem sido imitado por outros países onde os processos decisórios sobre tais matérias são transparentes e alicerçados no consenso.

O ombudsman, criado na Suécia em 1809, foi mantido como poder de controle na Constituição de 1974. Essa autoridade é nomeada pelo Parlamento. Com base nas instruções expedidas pelo Parlamento, o ombudsman supervisiona a administração pública no que tange à aplicação das leis e poderá: (1) propor ação judicial nos casos especificados nas instruções; (2) formular acusação perante o Tribunal Supremo contra membros desse tribunal e do Conselho de Governo na hipótese de infração cometida no desempenho da função; (3) assistir às deliberações de órgãos públicos de superior escalão; (4) ter acesso a atas e demais documentos ali existentes. Todos os funcionários públicos devem fornecer dados e informações de que necessite o ombudsman. Os membros do ministério público devem lhe prestar assistência. Essa figura pública foi adotada por outros países, como Dinamarca e Nova Zelândia.

Todo cidadão sueco goza das seguintes liberdades: manifestação e expressão do pensamento, reunião, associação, religião, locomoção. Toda criança sueca tem o direito de conhecer o seu verdadeiro pai. Na administração pública sueca há procedimentos para garantir a eficácia desse direito sempre que pairar dúvida sobre a paternidade, inclusive exigindo exame do DNA. A mulher tem o direito de dispor do próprio corpo, portanto, interromper a gravidez se assim o desejar, porém, se decidir ter o filho, deve revelar o nome do pai verdadeiro. Se houver divergência, o caso será resolvido por via administrativa ou judicial. A inseminação artificial é permitida, porém, com registro das informações sobre o doador acessível ao público. A lei proíbe o anonimato do doador e, assim, garante ao filho o direito de saber quem é o seu pai biológico. No processo de separação dos pais, o filho com discernimento, representado por advogado indicado pelo tribunal, tem o direito de participar e expressar a sua vontade e a sua opinião.

No entender da elite intelectual e política de alguns países, a transparência e a ingerência do Estado devem respeitar os segredos da vida privada. No entanto, nesses cautelosos países, os dados da vida pessoal são acessíveis ao público, inclusive declaração de renda da pessoa natural. Para a devassa na vida das pessoas contribui o preceito do livre acesso aos documentos e dados oficiais e aos documentos e dados privados arquivados em instituições públicas ou em instituições privadas autorizadas pelo governo. As “razões de Estado” têm sido tratadas como exceção aos deveres dos governantes de transparência e de prestarem contas aos governados.    

Nos anos 1970, o modelo sueco começa a ser questionado. A confusão entre as esferas pública e privada resultante daquele modelo poderá ensejar totalitarismo indesejável, segundo pensa e teme a elite de alguns países. O índice elevado de suicídio, o tédio que tomou conta da juventude sueca, o afrouxamento dos laços familiares, a paixão carnal banalizada, o amor fugaz, fazem aquele invejável modelo social parecer utópico. Insuflado por pretensão de universalidade representada pelo pacifismo, pelo respeito aos direitos humanos, pela solidariedade social, pela ajuda ao “terceiro mundo”, o modelo sueco, fundado no consenso e na transparência, permanece como algo desejável e realizável no futuro.

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