EUROPA (1900 a
2014). Continuação.
Nos anos 1960, o modelo social
sueco encantou a civilização ocidental. Democracia social, amplo sistema
previdenciário, revolução sexual, lei cominando pena aos homens que maltratam
esposa e filho e instauração do respectivo processo independentemente da
vontade das vítimas, são aspectos da vida sueca que atraíram a atenção de
outros países. O modelo sueco exportável incluía o colírio das beldades suecas
que fizeram sucesso no cinema: Greta Garbo, Ingrid Bergman e Anita Ekberg. Além
do colírio cinematográfico, havia naquele modelo, o tempero esportivo,
literário e filosófico.
Na Suécia, foi disputada a copa
de futebol masculino que revelou ao mundo os dois maiores jogadores de todos os
tempos: Garrincha e Pelé (1958). Björn
Rune Borg, tenista, nascido em 1956 na cidade de Estocolmo, entrou para a
galeria das celebridades. Criou um estilo próprio de jogar tênis imitado por
novos esportistas. Com ele, o tênis de quadra se popularizou e entrou em voga. Foi o mais jovem
tenista do mundo a vencer o torneio do Grand Slam (1974). Venceu os torneios de
Wimbledon (5 vezes) e de Roland-Garros (6 vezes). Em 1979 e 1980, ocupou o
primeiro lugar no ranking mundial dessa modalidade esportiva. A vitoriosa
carreira lhe rendeu cerca de 100 milhões de dólares.
Selma Lagerlöf, escritora sueca,
foi a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel de Literatura (1909). O lirismo
da sua obra literária inclui: “A Saga de Gösta Berling”, “Jerusalém” e “A
Viagem Maravilhosa de Nils”. Depois de Selma e até 1974, outros suecos foram
premiados: Verner von Heidenstam, Erik Axel Karlfeldt, Pär Lagerkvist
(considerado um dos maiores poetas líricos da Suécia), Eyvind Johnson e Harry
Martinson.
Axel Anders Theodor Hägerström (1868 a 1939), sueco, professor,
jurista, filósofo, iniciou a corrente do realismo
jurídico na seara do positivismo
e fundou a chamada Escola Escandinava. O sueco Karl Olivecrona (1897 a 1980) e o dinamarquês
Alf Ross (1899 a
1979), professores, juristas e filósofos, discípulos de Axel, foram elos dessa
corrente. Os adeptos da Escola Escandinava rejeitavam a metafísica e o direito natural. Admitiam, apenas, o direito positivo, isto é, o direito
posto pela autoridade estatal em forma de lei ou derivado do costume que vigora
como lei na sociedade. Para eles, a lei é a primordial fonte do direito. O
costume secundum legem ou praeter legem é fonte secundária. Na
opinião deles, o direito é um fato e
não um valor. O direito implica a força. A norma
jurídica é um comando que obriga as pessoas. O direito positivo é um conjunto coerente de normas. No ordenamento
jurídico não há lacunas. O juiz pode sempre extrair do ordenamento uma regula decidendi para resolver os casos
sob sua apreciação. O juiz deve atender ao significado gramatical da lei ao
aplicá-la ao caso concreto. “Lei é lei”. Dura
lex sed lex. Todos os membros da sociedade devem obediência absoluta ao que
está escrito na lei. Essa corrente defendia o caráter científico da pesquisa
jurídica isento de especulação metafísica. Os conceitos jurídicos devem ter por
base a experiência, fatos reais e não idéias sem comprovação científica e nem
expressões retóricas sem substância. As teorias jurídicas sempre têm intima
relação com o pensamento filosófico, as correntes ideológicas e as condições políticas,
o que pode lhes retirar o caráter científico. [O positivismo filosófico e
jurídico integrou a cultura brasileira no período republicano].
Em 1974, foi promulgada uma nova
Constituição na Suécia segundo a qual: (1) o
poder público emana do povo e é exercido com submissão às leis; (2) a democracia sueca se baseia na livre
formação da opinião e no sufrágio universal e igualitário; (3) o sistema político sueco é representativo e
parlamentarista. O Parlamento representa o povo sueco é unicameral e produz
as leis do país. A chefia do Estado cabe ao Rei. O governo cabe ao Conselho de
Ministros chefiado pelo Primeiro-Ministro. Os tribunais e as autoridades
administrativas devem observar a máxima objetividade e imparcialidade e não podem, sem base legal, tratar com discricionariedade pessoa alguma
com base no credo, opinião, raça, cor, origem, sexo, idade, nacionalidade,
idioma, posição social ou condições de riqueza. O costume sueco de amplos
debates públicos sobre violência, prostituição, homossexualidade, preços,
energia e outros temas, com o propósito de orientar as decisões políticas,
também tem sido imitado por outros países onde os processos decisórios sobre
tais matérias são transparentes e alicerçados no consenso.
O ombudsman, criado na Suécia em 1809, foi mantido como poder de controle na Constituição de
1974. Essa autoridade é nomeada pelo Parlamento. Com base nas instruções
expedidas pelo Parlamento, o ombudsman
supervisiona a administração pública no que tange à aplicação das leis e poderá:
(1) propor ação judicial nos casos especificados nas instruções; (2) formular
acusação perante o Tribunal Supremo contra membros desse tribunal e do Conselho
de Governo na hipótese de infração cometida no desempenho da função; (3)
assistir às deliberações de órgãos públicos de superior escalão; (4) ter acesso
a atas e demais documentos ali existentes. Todos os funcionários públicos devem
fornecer dados e informações de que necessite o ombudsman. Os membros do ministério público devem lhe prestar
assistência. Essa figura pública foi adotada por outros países, como Dinamarca
e Nova Zelândia.
Todo cidadão sueco goza das
seguintes liberdades: manifestação e expressão do pensamento, reunião,
associação, religião, locomoção. Toda criança sueca tem o direito de conhecer o
seu verdadeiro pai. Na administração pública sueca há procedimentos para
garantir a eficácia desse direito sempre que pairar dúvida sobre a paternidade,
inclusive exigindo exame do DNA. A mulher tem o direito de dispor do próprio
corpo, portanto, interromper a gravidez se assim o desejar, porém, se decidir
ter o filho, deve revelar o nome do pai verdadeiro. Se houver divergência, o
caso será resolvido por via administrativa ou judicial. A inseminação
artificial é permitida, porém, com registro das informações sobre o doador
acessível ao público. A lei proíbe o anonimato do doador e, assim, garante ao
filho o direito de saber quem é o seu pai biológico. No processo de separação
dos pais, o filho com discernimento, representado por advogado indicado pelo
tribunal, tem o direito de participar e expressar a sua vontade e a sua
opinião.
No entender da elite intelectual
e política de alguns países, a transparência e a ingerência do Estado devem
respeitar os segredos da vida privada. No entanto, nesses cautelosos países, os
dados da vida pessoal são acessíveis ao público, inclusive declaração de renda
da pessoa natural. Para a devassa na vida das pessoas contribui o preceito do livre acesso aos documentos e dados
oficiais e aos documentos e dados privados arquivados em instituições públicas
ou em instituições privadas autorizadas pelo governo. As “razões de Estado” têm
sido tratadas como exceção aos deveres dos governantes de transparência e de
prestarem contas aos governados.
Nos anos 1970, o modelo sueco começa a ser
questionado. A confusão entre as esferas pública e privada resultante daquele
modelo poderá ensejar totalitarismo indesejável, segundo pensa e teme a elite
de alguns países. O índice elevado de suicídio, o tédio que tomou conta da juventude
sueca, o afrouxamento dos laços familiares, a paixão carnal banalizada, o amor
fugaz, fazem aquele invejável modelo social parecer utópico. Insuflado por
pretensão de universalidade representada pelo pacifismo, pelo respeito aos
direitos humanos, pela solidariedade social, pela ajuda ao “terceiro mundo”, o
modelo sueco, fundado no consenso e na transparência, permanece como algo
desejável e realizável no futuro.
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