terça-feira, 6 de janeiro de 2015

FILOSOFIA XV - 2



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

No século XX, houve duas guerras mundiais, ambas iniciadas na Europa, além de guerras regionais (Argélia, Coréia, Espanha, Indochina, Oriente Médio, Vietnã), revoluções (russa, chinesa, cubana, africana, iraniana, latino-americana) e genocídios (Auschwitz, Bálcãs, Camboja, Hiroshima, Líbano, Nagasaki, Palestina, Ruanda). A natureza e o destino da sociedade européia foram temas gerados pela dupla revolução (francesa e industrial) que espelhou as virtudes e os vícios dos seus defensores. Em seu jornal, Marat dizia: a maioria dos legisladores é de velhacos manhosos, charlatães indignos, de homens corruptos, astutos e pérfidos; a Assembléia Nacional é composta, quase em sua totalidade, de antigos nobres, prelados, togados, cortesãos, oficiais, juristas, homens sem alma, sem bons costumes, sem honra, sem pudor, que por condição e princípio eram inimigos da revolução.

O nacionalismo foi poderosa energia constituinte do Estado moderno. Caracteriza-se por forte apelo ao sentimento e ao espírito de sacrifício em prol de uma causa sagrada: a nação. Superou a religião em alguns países. Significando, inicialmente, lealdade emotiva a um grupo cultural e lingüístico, a ação nacionalista expressava o anseio por livrar-se da opressão estrangeira. Posteriormente, verificou-se um movimento agressivo em prol da grandeza do grupo e da independência nacional. Esse movimento culminou em uma forma extremada de adoração ao poder político, à honra nacional e à superioridade racial. A doutrina nacionalista amparou-se no enlace da idéia de fraternidade com as idéias de igualdade e liberdade.

Intimamente relacionada ao movimento nacionalista, a hostilidade ao poder clerical tinha os seguintes objetivos: destronar a fé, refrear a influência da igreja católica na política, reduzir seus privilégios econômicos e quebrar sua supremacia no terreno educacional. Entre os fatores do movimento incluem-se: (1) A revolução industrial, que estimulou os interesses econômicos. A burguesia via na igreja entrave a esses interesses. (2) A primazia das idéias liberais e céticas, que se opunham às idéias conservadoras. (3) O conhecimento científico, que progredia e removia crenças apesar da resistência do clero. Em França, monarquistas e clero católico eram aliados. Os republicanos repudiavam tal aliança. Nenhuma ordem religiosa podia atuar sem autorização do Estado, segundo lei aprovada pelo governo francês (1901). O ensino público e particular foi vedado às ordens religiosas (1904). A união entre Estado e Igreja foi dissolvida (1905). Na Itália, o papa resistiu à unificação dos reinos italianos. Ao Vaticano interessava manter o status quo (reinos separados e autônomos no interior da península italiana). Isto atraiu a hostilidade do movimento unificador contra o clero católico. Após a unificação dos reinos em um só Estado, o parlamento italiano votou lei disciplinando a atividade do papa como soberano reinante sobre o Vaticano e Latrão, com direito de enviar e receber embaixadores, utilizar livremente os serviços de correio, telégrafo e transporte ferroviário e de receber vultosa indenização. Pio IX não reconheceu validade e legitimidade a essa legislação. Sustentou a necessidade de um tratado internacional. O impasse foi resolvido mediante acordo entre o governo fascista e o Vaticano (1929).

Nos séculos XX e XXI, os europeus se dividiram ideologicamente em dois blocos: o liberal (capitalismo) e o igualitário (socialismo). Tabus foram quebrados e tradições aniquiladas. A complexidade da sociedade contemporânea e a velocidade do desenvolvimento social e econômico trouxeram aos europeus maior conforto, bem-estar, densidade cultural, mas também, graves problemas. O choque entre a liberdade e a autoridade, a luta entre ideais opostos, a disputa entre diferentes sistemas educacionais, as reações nas artes (racionalismo x romantismo x realismo), todas estas tensões criaram um clima de insegurança e perplexidade.

Na Inglaterra, foi organizado o Partido Trabalhista (1901). Desde o século XIX, as relações entre empregador e empregado indicavam que a organização política dos trabalhadores fatalmente aconteceria. No seu livro “A Era das Revoluções”, Eric J. Hobsbawm reproduz o seguinte discurso de um empregador aos seus empregados: O Deus da Natureza estabeleceu uma lei justa e imparcial que o homem não tem o direito de contestar; quando se arrisca a fazê-lo é sempre certo que, mais cedo ou mais tarde, encontra o castigo merecido (...). Assim, quando os patrões audaciosamente combinam que por uma união de poder eles podem oprimir seus empregados de modo mais eficaz, insultam dessa forma a Majestade Divina e trazem para si a maldição de Deus, enquanto que, por outro lado, quando os empregados se unem para extorquir de seus empregadores aquela parte do lucro que por direito pertence ao patrão, eles igualmente violam a lei da equidade. Hobsbawm cita James Mill sobre a formação da classe dos trabalhadores e a inicial subordinação desta ao pensamento dos patrões: As opiniões daquela classe de pessoas que estão abaixo do escalão médio são formadas e seus espíritos comandados pelo virtuoso e inteligente escalão que se acha mais imediatamente em contato com elas. Abriam-se três possibilidades ao pobre que se encontrava à margem da sociedade burguesa cuja selvageria tinha por lema “cada um por si e deus por todos”: (1) lutar para se tornar burguês; (2) submeter-se à opressão; (3) rebelar-se.

Movimento trabalhista e socialista cujo núcleo era o proletariado industrial, havia provocado a revolução de 1848. O confronto não era do pobre contra o rico e sim da classe dos trabalhadores contra a classe dos patrões; aquela, a ansiar por uma sociedade cooperativa; esta, por manter a sociedade competitiva. Ao tempo daquela revolução já se notava uma consciência de classe, pelo menos na Inglaterra e na França: a proletária e a empresarial. A tensão entre a ideologia religiosa (cristianismo) e a ideologia secular (liberalismo) acontecia tanto no interior de cada classe como no confronto entre elas. A elite intelectual de cada classe tendia para a ideologia secular enquanto a massa se apegava à ideologia religiosa. Do ponto de vista objetivo, entretanto, a ideologia secular produziu mais resultados sociais, econômicos e políticos do que a ideologia religiosa. Greve, sindicato, instituto de assistência mútua, eram os instrumentos de defesa da classe proletária penetrados do espírito de solidariedade. Além dos operários de fábrica, havia sindicatos dos impressores, alfaiates, chapeleiros, marceneiros e outros que integravam a mais ampla classe dos trabalhadores.     

O partido trabalhista inglês surgiu como reação à decisão da Câmara dos Lordes de responsabilizar os sindicatos por danos causados durante as greves. Para acalmar o partido trabalhista, o governo promulgou lei regulamentando as ações trabalhistas e isentando os sindicatos daquela responsabilidade. A Câmara dos Lordes é a última instância recursal, porém, as suas decisões podem ser revogadas por ato do parlamento. Durante a gestão do ministro David Lloyd George foram criados alguns tributos de cunho socialista, acolhidos pelo governo liberal a partir de 1910: imposto sobre a valorização injustificada da terra; imposto sobre terras sem cultivo; imposto extra sobre a renda dos ricos. Lei de representação popular (1918) aboliu o voto censitário, exigiu cidadania britânica para ser eleitor, concedeu direito de voto à mulher com mais de 30 anos, proprietária ou esposa de proprietário. O sistema democrático do governo inglês compreende: (1) a realeza hereditária, que personifica o Estado e está vinculada às leis fundamentais do reino; (2) o gabinete, que exerce a função executiva; (3) o parlamento (Câmara dos Lordes, com poderes jurisdicionais + Câmara dos Comuns, com função legislativa). O gabinete é uma comissão parlamentar que se firmou como poder político quando a supremacia do rei foi suplantada pela supremacia do parlamento. A Câmara dos Comuns tornou-se o ramo mais poderoso do parlamento.

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