quarta-feira, 22 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIV - 2



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

O espírito repressor também contagiou a Rússia. O governo de Nicolau I incentivou a delação. A Inglaterra, impulsionada pela revolução industrial e mirando o seu mercado internacional, retira-se da aliança costurada por Metternich. O lucrativo mercado inglês na América (Central e do Sul) podia ficar prejudicado se a região voltasse a ficar sob o domínio do governo espanhol. O czar Nicolau I declarou guerra à Turquia sob o pretexto de libertar a Grécia e a Sérvia (1828). Ao derrotar os turcos, a Rússia violou o princípio da legitimidade, alicerce do sistema montado por Metternich. O referido princípio também foi abalado em França quando o governo de Carlos X inclinava-se para o absolutismo. Isto provocou a rebelião da burguesia (“revolução de julho de 1830”). Carlos abdicou e fugiu para a Inglaterra. Para ocupar o trono, a burguesia chamou Luiz Felipe, do ramo Orléans da casa Bourbon, jacobino que se destacara na revolução francesa e que aceitou a monarquia constitucional alicerçada na soberania popular. A bandeira branca dos Bourbon foi substituída pela bandeira tricolor dos apóstolos da tríade liberdade, igualdade e fraternidade. A França e a Inglaterra apóiam os belgas na revolta contra o governo holandês (1830/1831). Diferenças de idioma, nacionalidade, religião e interesses econômicos provocaram a revolução da qual resultou a independência. A Bélgica adotou a monarquia constitucional.

O bem-estar coletivo gerenciado pelo Estado implica redução da liberdade pessoal. A esta solução reagiram os liberais extremistas contrários a todo governo fundado na força (anarquistas). Segundo o anarquismo, o Estado coercitivo é incompatível com a liberdade humana. Em defesa dos seus interesses, os trabalhadores se uniram, organizaram sindicatos e enfrentaram a resistência oferecida pela classe patronal mancomunada com o aparelho repressivo do Estado. Campeiam idéias socialistas sobre a extinção do Estado e do capitalismo. Os donos do capital reagem e se organizam em corporações. [Ideologia da revolução industrial: liberdade para o capitalista; servidão para o trabalhador].

Na Inglaterra, o governo criara dois impostos em 1779: um sobre a renda e outro sobre a propriedade que somados à taxa aduaneira e ao imposto de consumo resultaram em receita superior a um bilhão e duzentos milhões de libras entre 1793 e 1815. A caridade pública foi parcialmente abolida pela chamada “lei dos pobres”; continuou a vigorar para os idosos e doentes (1834). Os pobres fisicamente capazes estavam obrigados a trabalhar. Os salários eram baixos. No pensar e dizer dos áulicos do capitalismo selvagem, pobreza é a punição do homem que negligencia a procura de recursos. A Bíblia servia de amparo a esse discurso de sabor calvinista: “Tirarás dela (terra) com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida; comerás o teu pão com o suor do teu rosto” (AT, Gênesis, 3: 17/19). Esta selvageria econômica de pilar bíblico gerou a figura típica da vadiagem, delito assim definido: “Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade sendo válido para o trabalho e sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência”. A pena prevista e aplicada era de prisão. Em termos reais, significava: pobre sadio e sem emprego é vadio e deve ir para a cadeia.

A “lei dos cereais” protegia os proprietários rurais ingleses contra a importação de cereais. Em 1838 foi promulgada na Inglaterra a Carta do Povo com os seguintes preceitos: (1) sufrágio universal masculino; (2) distritos eleitorais iguais; (3) voto secreto; (4) legislaturas anuais; (5) abolição das credenciais de propriedade para os membros da Câmara dos Comuns; (6) remuneração dos parlamentares. Com exceção das legislaturas anuais, todos os demais itens foram incorporados ao sistema constitucional inglês. Houve paulatina democratização do sistema eleitoral inglês com a participação cada vez mais ampla de homens de pouca renda e de humilde posição social (classe média, em 1832; trabalhadores industriais, em 1867; trabalhadores agrícolas, em 1884).

Nos primeiros meses de 1848 houve insurgência dos trabalhadores (pobres) das cidades da Europa (Ocidental e Central) contra governos autocráticos. A crise foi de natureza agrária. As crises periódicas da sociedade industrial capitalista ainda não tinham começado. O pleito naquela ocasião era por melhores condições de vida, por uma sociedade justa e solidária e por um regime democrático. O alto custo de vida estava insuportável para os pobres e parcela da classe média. Victor Hugo já dizia e escrevia em 1831: “ouço o ronco sonoro da revolução ainda profundamente encravado nas entranhas da terra estendendo por baixo de cada reino da Europa suas galerias subterrâneas a partir do eixo central da mina que é Paris”. O efeito da explosão demográfica se fazia sentir. No período de 100 anos duplicou a população na França, na Holanda, na Grã-Bretanha, na Prússia, na Rússia e na Escandinávia. O fator demográfico gerou problemas sociais paralelamente ao estímulo da atividade econômica. Milhões de europeus emigraram para a América. Aumentou a migração interna no continente europeu. Duplicou o sistema viário (carruagens mais velozes, serviço de correio mais eficiente, rotas fluviais e marítimas, navios a vapor).

Na Inglaterra, as ferrovias pertenciam ao setor privado. Nos países do continente, a incipiente rede ferroviária era planejada, construída ou subvencionada pelos governos. As nações do continente europeu careciam de suporte financeiro e de legislação bancária e comercial facilitadores do desenvolvimento econômico. Na França, Napoleão preencheu essa lacuna e quadruplicou o comércio internacional. Paris e Londres eram os centros financeiros do mundo. Grã-Bretanha, Alemanha e França eram as grandes potências industriais do século XIX (1801 a 1900). A máquina a vapor, as ferrovias, a eletricidade, o desenvolvimento tecnológico, geraram modificações na base industrial e produtiva que se refletiram na capacidade militar e na política externa dessas potências. Abriu-se um fosso entre países desenvolvidos (da Europa) e países subdesenvolvidos (da África, América, Ásia e Oceania). O ritmo das mudanças sociais e econômicas continuaria acelerado no século XX (1901 a 2000). Cresceu de importância a produção de bens de capital (ferro, aço, carvão) ao lado da produção de bens de consumo (tecidos, alimentos). Nas cidades industrializadas as condições do proletariado eram abomináveis. Sobre as condições da classe trabalhadora na Inglaterra, Frederico Engels conta o episódio em que andava por Manchester na companhia de um cavalheiro da classe média. “Falei-lhe das desgraçadas favelas insalubres e chamei-lhe a atenção para a repulsiva condição daquela parte da cidade em que moravam os trabalhadores fabris. Declarei nunca ter visto, em minha vida, uma cidade tão mal construída. Ele ouviu-me pacientemente e na esquina da rua onde nos separamos comentou: E, ainda assim, ganham-se fortunas aqui. Bom dia, senhor.” (Citado por Eric Hobsbawm in “A Era das Revoluções”). 

Na França, instaurou-se a república e Luiz Napoleão Bonaparte (sobrinho do primeiro Napoleão) foi eleito presidente. Mediante sucessivos plebiscitos que o favoreceram, ele passou de presidente a ditador e de ditador a imperador. Revoluções também ocorreram na Áustria, Hungria, Alemanha e Itália. Poucos franceses tinham o direito de votar. “Se quiserem votar, fiquem ricos”, dizia Guizot, historiador e primeiro-ministro no governo do rei Luís Felipe. O voto era censitário: só o cidadão proprietário de imóvel e de certa renda era eleitor. Convocada a assembléia nacional, foi elaborada e promulgada lei orgânica reconhecendo a forma republicana de governo (1875). Iniciava-se a III República francesa que vigorou até 1940, quando a França foi ocupada pelas tropas alemãs.

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