EUROPA (1600
a 1800). Continuação.
No que tange ao conhecimento, Voltaire elabora a
seguinte teoria: os sentidos fornecem todas as idéias aos homens; não há idéias
inatas; impossível ao homem ter a idéia de um espaço infinito ou de um número
infinito; nossas primeiras idéias são as sensações; a experiência respaldada no
raciocínio é a única fonte do conhecimento humano; o pensamento não é a
essência e sim a ação do entendimento; substância alguma é acessível ao
entendimento, salvo as qualidades que a compõem. A análise é a bengala que a natureza deu aos cegos; examino tudo
parte por parte e vejo em seguida se posso julgar {emitir uma opinião ou uma
certeza}. O amor de si mesmo e suas ramificações são tão necessários ao homem
como o sangue que lhe corre nas veias. Amamos a verdade e dela fazemos uma
virtude porque é do nosso interesse não sermos enganados. As leis são
necessárias à subsistência da sociedade embora lastreadas nos interesses,
paixões e opiniões daqueles que as inventaram. Qualifica-se como virtuoso o que é conforme a lei e como criminoso o que lhe é contrário. Desde
que estabelecido o meu e o teu o roubo passa a ser considerado
injusto e nefasto à sociedade. A virtude e o vício, o bem e o mal, em todos os
países, são aquilo que é útil ou prejudicial à sociedade. Embora o que se chama
de virtude em um clima seja
precisamente o que se chama de vício
em outro [Pascal assim o disse com outras palavras] e ainda que haja diferença
na maioria das regras do bem e do mal – tal como há nas línguas e nas roupas –
existem leis naturais em todo o
universo que submetem os homens. [Admirador de Cícero, Voltaire lhe segue os
passos neste particular].
Apesar de se diferenciarem
em razão do clima, dos costumes, da linguagem, das leis, do culto religioso, do
grau de inteligência, os homens têm uma noção rudimentar do justo e do injusto,
ou seja, um senso moral comum a partir da idade em que sabem que dois e dois
são quatro. A crença na justiça, assim gerada, mostra-se de uma necessidade
humana absoluta. Nada existe sem causa. O acaso
exprime o efeito conhecido de uma causa desconhecida. “Nada vem do nada; nada
pode voltar ao nada” [Voltaire cita Pérsio]. Toda obra pressupõe um obreiro. A
matéria sempre existiu. O ser é
eterno. O caos é produto da
imaginação, fábula de poetas e filósofos, sem existência real, oposto às leis
da natureza e da inteligência. No universo reinam a ordem, as leis mecânicas e
geométricas, os inumeráveis meios e fins de todas as coisas. Há planetas mais
extensos do que a Terra que podem ser povoados por seres inteligentes. Existe
uma só potência eterna à qual tudo está ligado. O sistema maniqueísta de duas
potências rivais no universo não se sustenta diante da constatação da unidade
das leis da natureza. Esta é sempre a mesma em toda parte [Voltaire cita
Newton: natura est semper sibi consona].
Pelo sentimento e pela razão adquirimos a idéia de justiça, prudência, verdade,
conveniência.
Charles-Louis de Secondat,
Barão de La Brède
et de Montesquieu (1689 a
1755), elaborou o clássico “Do Espírito das Leis”, que resultou da pesquisa
indutiva dos sistemas políticos concretos e das reflexões do autor. Ainda que
essa pesquisa tenha incluído relatos fantásticos de viajantes pouco dignos de
crédito, mas que por necessidade ou ingenuidade Montesquieu neles acreditou, o
fato é que a fantasia não foi determinante para o seu pensamento. Ele dizia que
o significado da lei natural deve ser buscado na história. Convém às
instituições políticas se harmonizarem com as condições materiais e com o nível
de avanço social das nações a que pretendem servir. O governo há de ser: (1) despótico, em países de grande extensão;
(2) monárquico, em países de média
extensão; (3) republicano, em países
de pequena extensão. A França, por ser um país de média extensão devia ser
monárquica ou republicana federativa. A república em que o povo exerce o poder
soberano qualifica-se de democrática:
o povo é monarca e súdito ao mesmo tempo. O sufrágio por sorteio é democrático;
o sufrágio por escolha é aristocrático. A república em que apenas certo número
de pessoas exerce o poder soberano qualifica-se de aristocrática. Estas pessoas
elaboram as leis e as executam.
Em toda magistratura é
preciso compensar a grandeza do poder pela brevidade da sua duração. A melhor aristocracia é aquela que não oprime o
povo; a pior, aquela que o escraviza. [Montesquieu cita a Polônia da sua época,
onde a nobreza tratava os camponeses como escravos]. A república em que o poder
soberano está nas mãos de um só qualifica-se de monárquica. O príncipe exerce o poder sem violar as leis
fundamentais do país; se as violar, será um déspota. Estas leis supõem canais
intermediários de exercício do poder. A nobreza é um desses canais. “Se não
houver monarca, não há nobreza; se não houver nobreza, não há monarca”. Sob o
governo despótico não vigem leis
fundamentais. A vontade do príncipe é suprema e incontrastável. Os negócios de
Estado são entregues a um Vizir porque ao déspota aborrece deles cuidar
pessoalmente. [Montesquieu cita os príncipes orientais]. A maior parte dos principais do Estado é de
pessoas desonestas. A maior parte dos inferiores é de pessoas do bem. Aqueles
são velhacos e estes suas vítimas. O monarca deve prescindir do serviço de
homens de bem. Para governar a contento, o monarca deve cercar-se de pessoas de
mau caráter. [Estas são mais fáceis de manobrar e de fazer o serviço constrangedor
do ponto de vista físico e moral. Pessoas do bem não se prestam a isto].
De acordo com a doutrina
de Montesquieu, a virtude é princípio
essencial da democracia. Quando este
princípio desaparece, a ambição e a avareza entram nos corações. A moderação brotada da virtude – e não da
covardia ou da preguiça – é princípio essencial da aristocracia. Cuida-se de qualidade necessária ao controle recíproco
dos membros do grupo governante (aristocratas). A honra é princípio essencial da monarquia.
Em todos os lugares e em todos os tempos a maioria dos cortesãos exibe
deficiências éticas, tais como: lisonja, traição, ambição na ociosidade,
baixeza no orgulho, desejo de enriquecer sem trabalhar, aversão pela verdade,
abandono de obrigações, desprezo dos deveres de cidadão, temor da virtude do
príncipe e esperança de suas fraquezas, ridículo perpétuo lançado sobre a
virtude. O temor é princípio
essencial do governo despótico. A
ousadia e a ambição daqueles suscetíveis de estimarem muito a si próprios e de
armarem revoluções devem ser desestimuladas pelo braço forte do déspota. Todos
esses princípios são essenciais aos respectivos tipos de governo (democrático,
aristocrático, monárquico, despótico) embora na vida real nem sempre estejam
presentes. Há governos em que estão ausentes: a virtude, a honra, a
honestidade, a moderação, a coragem, o espírito público. Para contornar a
tendência natural dos homens ao abuso do poder, a autoridade do governo deve se
distribuir em três funções: legislativa, executiva e judicial. O acúmulo dessas
funções, ainda que só de duas, em um mesmo órgão, acarreta a extinção da
liberdade. Uma função deve servir de freio à outra {sistema de freios e
contrapesos}. Ao poder judicial compete garantir os direitos individuais contra
os atos arbitrários do poder legislativo e do poder executivo.
Para ilustrar seu pensamento, Montesquieu cita os
selvagens da Luisiânia que cortavam a árvore apenas para colher o fruto. Eis aí
o governo despótico, diz ele. Para povos tímidos, ignorantes, abatidos, não são
necessárias muitas leis. Bom é que o povo seja esclarecido. Os preconceitos dos
magistrados começaram por ser preconceitos da nação. Num tempo de ignorância,
não se duvida nunca, mesmo quando se praticam os maiores males. Num tempo de
luz, treme-se até mesmo quando se praticam os maiores bens. Em havendo
princípios fundamentais, a educação a eles se conformará. Na república, as leis
da educação terão por objeto a virtude; na monarquia, a honra; no despotismo, o
temor.
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