quarta-feira, 8 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIII - 31



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

No que tange ao conhecimento, Voltaire elabora a seguinte teoria: os sentidos fornecem todas as idéias aos homens; não há idéias inatas; impossível ao homem ter a idéia de um espaço infinito ou de um número infinito; nossas primeiras idéias são as sensações; a experiência respaldada no raciocínio é a única fonte do conhecimento humano; o pensamento não é a essência e sim a ação do entendimento; substância alguma é acessível ao entendimento, salvo as qualidades que a compõem. A análise é a bengala que a natureza deu aos cegos; examino tudo parte por parte e vejo em seguida se posso julgar {emitir uma opinião ou uma certeza}. O amor de si mesmo e suas ramificações são tão necessários ao homem como o sangue que lhe corre nas veias. Amamos a verdade e dela fazemos uma virtude porque é do nosso interesse não sermos enganados. As leis são necessárias à subsistência da sociedade embora lastreadas nos interesses, paixões e opiniões daqueles que as inventaram. Qualifica-se como virtuoso o que é conforme a lei e como criminoso o que lhe é contrário. Desde que estabelecido o meu e o teu o roubo passa a ser considerado injusto e nefasto à sociedade. A virtude e o vício, o bem e o mal, em todos os países, são aquilo que é útil ou prejudicial à sociedade. Embora o que se chama de virtude em um clima seja precisamente o que se chama de vício em outro [Pascal assim o disse com outras palavras] e ainda que haja diferença na maioria das regras do bem e do mal – tal como há nas línguas e nas roupas – existem leis naturais em todo o universo que submetem os homens. [Admirador de Cícero, Voltaire lhe segue os passos neste particular].

Apesar de se diferenciarem em razão do clima, dos costumes, da linguagem, das leis, do culto religioso, do grau de inteligência, os homens têm uma noção rudimentar do justo e do injusto, ou seja, um senso moral comum a partir da idade em que sabem que dois e dois são quatro. A crença na justiça, assim gerada, mostra-se de uma necessidade humana absoluta. Nada existe sem causa. O acaso exprime o efeito conhecido de uma causa desconhecida. “Nada vem do nada; nada pode voltar ao nada” [Voltaire cita Pérsio]. Toda obra pressupõe um obreiro. A matéria sempre existiu. O ser é eterno. O caos é produto da imaginação, fábula de poetas e filósofos, sem existência real, oposto às leis da natureza e da inteligência. No universo reinam a ordem, as leis mecânicas e geométricas, os inumeráveis meios e fins de todas as coisas. Há planetas mais extensos do que a Terra que podem ser povoados por seres inteligentes. Existe uma só potência eterna à qual tudo está ligado. O sistema maniqueísta de duas potências rivais no universo não se sustenta diante da constatação da unidade das leis da natureza. Esta é sempre a mesma em toda parte [Voltaire cita Newton: natura est semper sibi consona]. Pelo sentimento e pela razão adquirimos a idéia de justiça, prudência, verdade, conveniência.

Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède et de Montesquieu (1689 a 1755), elaborou o clássico “Do Espírito das Leis”, que resultou da pesquisa indutiva dos sistemas políticos concretos e das reflexões do autor. Ainda que essa pesquisa tenha incluído relatos fantásticos de viajantes pouco dignos de crédito, mas que por necessidade ou ingenuidade Montesquieu neles acreditou, o fato é que a fantasia não foi determinante para o seu pensamento. Ele dizia que o significado da lei natural deve ser buscado na história. Convém às instituições políticas se harmonizarem com as condições materiais e com o nível de avanço social das nações a que pretendem servir. O governo há de ser: (1) despótico, em países de grande extensão; (2) monárquico, em países de média extensão; (3) republicano, em países de pequena extensão. A França, por ser um país de média extensão devia ser monárquica ou republicana federativa. A república em que o povo exerce o poder soberano qualifica-se de democrática: o povo é monarca e súdito ao mesmo tempo. O sufrágio por sorteio é democrático; o sufrágio por escolha é aristocrático. A república em que apenas certo número de pessoas exerce o poder soberano qualifica-se de aristocrática. Estas pessoas elaboram as leis e as executam.

Em toda magistratura é preciso compensar a grandeza do poder pela brevidade da sua duração. A melhor aristocracia é aquela que não oprime o povo; a pior, aquela que o escraviza. [Montesquieu cita a Polônia da sua época, onde a nobreza tratava os camponeses como escravos]. A república em que o poder soberano está nas mãos de um só qualifica-se de monárquica. O príncipe exerce o poder sem violar as leis fundamentais do país; se as violar, será um déspota. Estas leis supõem canais intermediários de exercício do poder. A nobreza é um desses canais. “Se não houver monarca, não há nobreza; se não houver nobreza, não há monarca”. Sob o governo despótico não vigem leis fundamentais. A vontade do príncipe é suprema e incontrastável. Os negócios de Estado são entregues a um Vizir porque ao déspota aborrece deles cuidar pessoalmente. [Montesquieu cita os príncipes orientais]. A maior parte dos principais do Estado é de pessoas desonestas. A maior parte dos inferiores é de pessoas do bem. Aqueles são velhacos e estes suas vítimas. O monarca deve prescindir do serviço de homens de bem. Para governar a contento, o monarca deve cercar-se de pessoas de mau caráter. [Estas são mais fáceis de manobrar e de fazer o serviço constrangedor do ponto de vista físico e moral. Pessoas do bem não se prestam a isto].   

De acordo com a doutrina de Montesquieu, a virtude é princípio essencial da democracia. Quando este princípio desaparece, a ambição e a avareza entram nos corações. A moderação brotada da virtude – e não da covardia ou da preguiça – é princípio essencial da aristocracia. Cuida-se de qualidade necessária ao controle recíproco dos membros do grupo governante (aristocratas). A honra é princípio essencial da monarquia. Em todos os lugares e em todos os tempos a maioria dos cortesãos exibe deficiências éticas, tais como: lisonja, traição, ambição na ociosidade, baixeza no orgulho, desejo de enriquecer sem trabalhar, aversão pela verdade, abandono de obrigações, desprezo dos deveres de cidadão, temor da virtude do príncipe e esperança de suas fraquezas, ridículo perpétuo lançado sobre a virtude. O temor é princípio essencial do governo despótico. A ousadia e a ambição daqueles suscetíveis de estimarem muito a si próprios e de armarem revoluções devem ser desestimuladas pelo braço forte do déspota. Todos esses princípios são essenciais aos respectivos tipos de governo (democrático, aristocrático, monárquico, despótico) embora na vida real nem sempre estejam presentes. Há governos em que estão ausentes: a virtude, a honra, a honestidade, a moderação, a coragem, o espírito público. Para contornar a tendência natural dos homens ao abuso do poder, a autoridade do governo deve se distribuir em três funções: legislativa, executiva e judicial. O acúmulo dessas funções, ainda que só de duas, em um mesmo órgão, acarreta a extinção da liberdade. Uma função deve servir de freio à outra {sistema de freios e contrapesos}. Ao poder judicial compete garantir os direitos individuais contra os atos arbitrários do poder legislativo e do poder executivo.

Para ilustrar seu pensamento, Montesquieu cita os selvagens da Luisiânia que cortavam a árvore apenas para colher o fruto. Eis aí o governo despótico, diz ele. Para povos tímidos, ignorantes, abatidos, não são necessárias muitas leis. Bom é que o povo seja esclarecido. Os preconceitos dos magistrados começaram por ser preconceitos da nação. Num tempo de ignorância, não se duvida nunca, mesmo quando se praticam os maiores males. Num tempo de luz, treme-se até mesmo quando se praticam os maiores bens. Em havendo princípios fundamentais, a educação a eles se conformará. Na república, as leis da educação terão por objeto a virtude; na monarquia, a honra; no despotismo, o temor.

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