segunda-feira, 6 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIII - 30



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Giambattista Vico (1668 a 1744), italiano nascido em Nápoles, filósofo, professor, escritor, praticamente desconhecido e desconsiderado na sua época, inaugura a Filosofia da Cultura ao estabelecer um novo princípio de epistemologia no livro Scienza Nuova (título abreviado) ao expor os fundamentos da ciência do espírito (ou do fato histórico), quando vigorava apenas a metodologia das ciências naturais. Vico percebeu o mundo histórico como suscetível de perquirição científica com categorias próprias. Os filósofos teorizavam sobre o mundo da natureza. Vico teorizou sobre o mundo da cultura. Melhor conhecemos o que está fora do que está dentro de nós. “Os nossos olhos são feitos de tal modo que vêem facilmente o que está fora deles, mas precisam de espelho para ver a si mesmos”. A condição primordial para se conhecer algo é tê-lo feito. Deus conhece o mundo por tê-lo criado. A criatura humana só pode conhecer o mundo imperfeitamente, porque só se conhece bem aquilo que se faz. [“O único meio de se descobrir o que é filosofia é fazer filosofia” (Bertrand Russell)]. O homem entende a matemática porque a criou, porém, a verdade matemática é imprestável para o conhecimento da natureza. Por ser construção da mente humana, a matemática está divorciada da natureza. Deus criou a natureza e só ele pode compreendê-la plenamente.

A sociedade humana é mais cognoscível do que a matéria [ciência social x ciência natural]. Da ação provém o conhecimento. Da prática chega-se à teoria. A imaginação tem lugar no processo de conhecimento. Antes de chegar ao conceito, o sujeito pensa em função de situações um tanto vagas e mal definidas {o pensamento primitivo atua em função de figuras e metáforas; o pensamento conceitual é um estágio mais avançado}. A História pode atingir alto grau de certeza. O historiador pode descobrir as leis do processo histórico e explicar, a partir daí e em linhas gerais, a razão de os episódios acontecerem de determinado modo e continuarem a acontecer de maneira previsível. Há um fluxo permanente nos assuntos humanos. Assim como as águas fluem e refluem, a sorte da humanidade também transcorre em ciclos. Na mente do homem – ator e autor da obra – está o modelo dos episódios recorrentes da história. A organização social resulta do crescimento natural e gradual da comunidade. Os humanos aos poucos desenvolvem formas de vida comunal. A linguagem mediante a qual os humanos trocam informações acompanha essa evolução (de poética a científica). A linguagem filosófica e científica corresponde a um estágio avançado da cultura. A verdade é o mesmo que o fato. [Verdade ontológica: as coisas são o que são indiferentes ao que delas pensem os homens. Isto lembra: (1) o aristotélico princípio da identidade: o que é, é; (2) o brocardo: contra fato não há argumento]. Mediante observação e experimentação o homem pode conhecer alguma coisa da natureza. A ciência das coisas humanas e divinas é o pressuposto da ciência do lícito e do ilícito, do justo e do injusto (jurisprudência). 
        
François-Marie Arouet, cognome “Voltaire” (1694 a 1778), filósofo, poeta, escritor satírico e polemista, considerava o cristianismo ortodoxo o pior dos inimigos da humanidade. Voltaire simboliza o iluminismo, assim como Lutero simboliza a reforma religiosa e Leonardo da Vinci simboliza a renascença cultural. Na política, ele desprezava o governo absoluto, mas desconfiava da massa popular e da classe média; preferia a monarquia esclarecida. Nascido em família rica, investiu bem o dinheiro da herança, multiplicou sua fortuna e não teve preocupação financeira enquanto viveu. Experimentou o amor das mulheres. Empreendeu fugas periódicas para não ser preso e morto por defender a liberdade de pensamento e de religião. Escreveu: “Cartas Inglesas”, “Tratado de Metafísica”, “Dicionário Filosófico”, “O Filósofo Ignorante”, “Comentários Políticos”, “Tratado sobre a Tolerância”, artigos para a “Encyclopédie” e outras obras literárias. Ele ridicularizou a assertiva de Leibniz de que “o nosso é o melhor dos mundos”. Em virtude das suas sátiras, passou alguns meses preso na Bastilha e depois foi exilado. Na Inglaterra, sofreu a influência das idéias de Newton e de Locke. Voltaire dá exemplo de tolerância em uma das suas cartas quando diz ao destinatário: “Não concordo com uma única palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo”. Ele mostrou repugnância pela tirania da religião organizada, pela igreja que tortura e queima todo aquele que diverge dos seus dogmas. Atacava a tirania política. Acusava-a de conduzir à morte milhares de pessoas só para alimentar as ambições dos déspotas. Na utopia do “El Dorado”, ele imagina um lugar na América do Sul onde há liberdade e paz, sem monges, padres, processos e prisões. Os habitantes desse lugar paradisíaco tinham tudo em comum, viviam sem malícia ou cobiça, adoravam deus segundo os ditames da razão e serviam-se da lógica e da ciência para resolver seus problemas.

Leis governam a natureza. Razão e experiência concreta são os únicos guias seguros que o homem deve seguir na busca da verdade. A liberdade individual deve estar imune a restrições. Todos os homens são dotados pela natureza de direitos iguais (liberdade, propriedade e proteção das leis). Voltaire faz crítica mordaz aos seus opositores e aos filósofos que falam sobre o que não entendem. Foram necessários séculos para se conhecer parte das leis da natureza; basta um só dia para o sábio conhecer os deveres dos homens. {A Moral é mais urgente do que a Física}. Há dois lugares no mundo onde não se pode resistir à sedução e à calúnia: a cama e o confessionário. Filósofo é aquele que ama a sabedoria e a verdade; não é um entusiasta ou profeta e nem se diz inspirado pelos deuses. Voltaire cita Confúcio como exemplo de sábio: homem simples, sem fausto, sem impostura, que seiscentos anos antes da era cristã ensinava os homens a viver felizes. O sábio chinês, legislador que jamais enganou o povo e que estabeleceu regras de conduta exemplares, dizia: “vi homens incapazes de ciência, mas nunca os vi incapazes de virtudes; regulai um estado como regulais uma família; só se pode governar bem a família dando-lhe o exemplo; a virtude deve ser comum ao lavrador e ao monarca; ocupa-te do cuidado de prevenir os crimes para diminuir o cuidado de puni-los; faze a outrem como a ti mesmo; ame os homens em geral, mas ame especialmente os homens de bem; esqueça as injúrias e jamais os benefícios”.

Quem necessita do amparo da religião para ser honesto é digno de lástima. As armas do diabo são cotidianas. A guerra é constante e dura tanto quanto o mundo. As batalhas se sucedem, com intervalos de paz e momentos felizes. Isto serviu de consolo ao diabo ao perder a batalha para o anjo Rafael. No entanto, quando soube que Rafael dele escarnecera, o diabo jurou não perdoa-lo jamais. Os jesuítas também não perdoaram Pascal. {O diabo e o homem não suportam ser odiados e desprezados}. Liberdade nada mais é do que o poder de agir. Querer e agir é o mesmo de ser livre. A liberdade é a saúde da alma. Poucas pessoas têm esta saúde inteira e inalterável. O homem tem a capacidade de se determinar {limitar a sua própria liberdade}. O meu querer é orientado pelo meu julgamento (juízo do bom e do mau, do útil e do nocivo). Sou livre quando posso fazer o que quero. Posso reprimir ou não reprimir minhas paixões, segundo minha vontade. {A liberdade encontra limite na doença (óbice natural) ou na lei (óbice cultural)}. Os inventores das artes mecânicas foram bem mais úteis aos homens do que os inventores dos silogismos e das idéias inatas. A Metafísica é o romance do espírito. Ser metafísico é mais divertido do que ser geômetra. Sonhar docemente é melhor do que se fatigar. Os homens se conduzem pelos costumes e não pela metafísica. Um único homem eloqüente, sagaz e acreditado terá mais poder sobre os homens do que cem filósofos. Nenhum homem nasce com o conhecimento de deus. Há no mundo algo mais poderoso do que eu, um ser que existe necessariamente por si mesmo desde sempre e que está na origem de todos os outros seres. “O universo me intriga e não posso pensar que este relógio existe, mas não o relojoeiro”. Assim Voltaire justifica a sua certeza sobre a existência de deus.

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