EUROPA (1600
a 1800). Continuação.
Giambattista Vico (1668 a 1744), italiano
nascido em Nápoles, filósofo, professor, escritor, praticamente desconhecido e
desconsiderado na sua época, inaugura a Filosofia da Cultura ao estabelecer um
novo princípio de epistemologia no livro Scienza
Nuova (título abreviado) ao expor os fundamentos da ciência do espírito (ou do fato histórico), quando vigorava apenas a metodologia das ciências naturais. Vico percebeu o mundo histórico como suscetível
de perquirição científica com categorias próprias. Os filósofos teorizavam
sobre o mundo da natureza. Vico
teorizou sobre o mundo da cultura.
Melhor conhecemos o que está fora do que está dentro de nós. “Os nossos olhos
são feitos de tal modo que vêem facilmente o que está fora deles, mas precisam
de espelho para ver a si mesmos”. A condição primordial para se conhecer algo é
tê-lo feito. Deus conhece o mundo por tê-lo criado. A criatura humana só pode
conhecer o mundo imperfeitamente, porque
só se conhece bem aquilo que se faz. [“O único meio de se descobrir o que é
filosofia é fazer filosofia” (Bertrand Russell)]. O homem entende a matemática
porque a criou, porém, a verdade matemática é imprestável para o conhecimento
da natureza. Por ser construção da mente humana, a matemática está divorciada
da natureza. Deus criou a natureza e só ele pode compreendê-la plenamente.
A sociedade humana é mais
cognoscível do que a matéria [ciência social x ciência natural]. Da ação provém
o conhecimento. Da prática chega-se à teoria. A imaginação tem lugar no
processo de conhecimento. Antes de chegar ao conceito, o sujeito pensa em
função de situações um tanto vagas e mal definidas {o pensamento primitivo atua
em função de figuras e metáforas; o pensamento conceitual é um estágio mais avançado}.
A História pode atingir alto grau de certeza. O historiador pode descobrir as
leis do processo histórico e explicar, a partir daí e em linhas gerais, a razão
de os episódios acontecerem de determinado modo e continuarem a acontecer de
maneira previsível. Há um fluxo permanente nos assuntos humanos. Assim como as
águas fluem e refluem, a sorte da humanidade também transcorre em ciclos. Na mente do
homem – ator e autor da obra – está o modelo dos episódios recorrentes da
história. A organização social resulta do crescimento natural e gradual da
comunidade. Os humanos aos poucos desenvolvem formas de vida comunal. A
linguagem mediante a qual os humanos trocam informações acompanha essa evolução
(de poética a científica). A linguagem filosófica e científica corresponde a um
estágio avançado da cultura. A verdade
é o mesmo que o fato. [Verdade ontológica: as coisas são o que
são indiferentes ao que delas pensem os homens. Isto lembra: (1) o aristotélico princípio da identidade:
o que é, é; (2) o brocardo: contra fato não há argumento]. Mediante
observação e experimentação o homem pode conhecer alguma coisa da natureza. A
ciência das coisas humanas e divinas é o pressuposto da ciência do lícito e do
ilícito, do justo e do injusto (jurisprudência).
François-Marie Arouet,
cognome “Voltaire” (1694 a
1778), filósofo, poeta, escritor satírico e polemista, considerava o
cristianismo ortodoxo o pior dos inimigos da humanidade. Voltaire simboliza o
iluminismo, assim como Lutero simboliza a reforma religiosa e Leonardo da Vinci
simboliza a renascença cultural. Na política, ele desprezava o governo absoluto,
mas desconfiava da massa popular e da classe média; preferia a monarquia
esclarecida. Nascido em família rica, investiu bem o dinheiro da herança,
multiplicou sua fortuna e não teve preocupação financeira enquanto viveu.
Experimentou o amor das mulheres. Empreendeu fugas periódicas para não ser
preso e morto por defender a liberdade de pensamento e de religião. Escreveu:
“Cartas Inglesas”, “Tratado de Metafísica”, “Dicionário Filosófico”, “O
Filósofo Ignorante”, “Comentários Políticos”, “Tratado sobre a Tolerância”,
artigos para a “Encyclopédie” e outras obras literárias. Ele ridicularizou a
assertiva de Leibniz de que “o nosso é o melhor dos mundos”. Em virtude das
suas sátiras, passou alguns meses preso na Bastilha e depois foi exilado. Na
Inglaterra, sofreu a influência das idéias de Newton e de Locke. Voltaire dá
exemplo de tolerância em uma das suas cartas quando diz ao destinatário: “Não concordo com uma única palavra do que
dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo”. Ele mostrou
repugnância pela tirania da religião organizada, pela igreja que tortura e
queima todo aquele que diverge dos seus dogmas. Atacava a tirania política.
Acusava-a de conduzir à morte milhares de pessoas só para alimentar as ambições
dos déspotas. Na utopia do “El Dorado”, ele imagina um lugar na América do Sul
onde há liberdade e paz, sem monges, padres, processos e prisões. Os habitantes
desse lugar paradisíaco tinham tudo em comum, viviam sem malícia ou cobiça,
adoravam deus segundo os ditames da razão e serviam-se da lógica e da ciência
para resolver seus problemas.
Leis governam a natureza.
Razão e experiência concreta são os únicos guias seguros que o homem deve
seguir na busca da verdade. A liberdade individual deve estar imune a
restrições. Todos os homens são dotados pela natureza de direitos iguais
(liberdade, propriedade e proteção das leis). Voltaire faz crítica mordaz aos
seus opositores e aos filósofos que falam sobre o que não entendem. Foram necessários
séculos para se conhecer parte das leis da natureza; basta um só dia para o
sábio conhecer os deveres dos homens. {A Moral é mais urgente do que a Física}.
Há dois lugares no mundo onde não se pode resistir à sedução e à calúnia: a
cama e o confessionário. Filósofo é aquele que ama a sabedoria e a verdade; não
é um entusiasta ou profeta e nem se diz inspirado pelos deuses. Voltaire cita
Confúcio como exemplo de sábio: homem simples, sem fausto, sem impostura, que
seiscentos anos antes da era cristã ensinava os homens a viver felizes. O sábio
chinês, legislador que jamais enganou o povo e que estabeleceu regras de
conduta exemplares, dizia: “vi homens
incapazes de ciência, mas nunca os vi incapazes de virtudes; regulai um estado como regulais uma família;
só se pode governar bem a família dando-lhe o exemplo; a virtude deve ser comum
ao lavrador e ao monarca; ocupa-te do cuidado de prevenir os crimes para
diminuir o cuidado de puni-los; faze a outrem como a ti mesmo; ame os homens em
geral, mas ame especialmente os homens de bem; esqueça as injúrias e jamais os
benefícios”.
Quem necessita do amparo da religião para ser honesto é
digno de lástima. As armas do diabo são cotidianas. A guerra é constante e dura
tanto quanto o mundo. As batalhas se sucedem, com intervalos de paz e momentos
felizes. Isto serviu de consolo ao diabo ao perder a batalha para o anjo
Rafael. No entanto, quando soube que Rafael dele escarnecera, o diabo jurou não
perdoa-lo jamais. Os jesuítas também não perdoaram Pascal. {O diabo e o homem
não suportam ser odiados e desprezados}. Liberdade
nada mais é do que o poder de agir. Querer e agir é o mesmo de ser livre. A
liberdade é a saúde da alma. Poucas pessoas têm esta saúde inteira e inalterável.
O homem tem a capacidade de se determinar {limitar a sua própria liberdade}. O
meu querer é orientado pelo meu julgamento (juízo do bom e do mau, do útil e do
nocivo). Sou livre quando posso fazer o que quero. Posso reprimir ou não
reprimir minhas paixões, segundo minha vontade. {A liberdade encontra limite na
doença (óbice natural) ou na lei (óbice cultural)}. Os inventores das artes
mecânicas foram bem mais úteis aos homens do que os inventores dos silogismos e
das idéias inatas. A Metafísica é o
romance do espírito. Ser metafísico é mais divertido do que ser geômetra.
Sonhar docemente é melhor do que se fatigar. Os homens se conduzem pelos
costumes e não pela metafísica. Um único homem eloqüente, sagaz e acreditado
terá mais poder sobre os homens do que cem filósofos. Nenhum homem nasce com o
conhecimento de deus. Há no mundo algo mais poderoso do que eu, um ser que
existe necessariamente por si mesmo desde sempre e que está na origem de todos
os outros seres. “O universo me intriga e não posso pensar que este relógio
existe, mas não o relojoeiro”. Assim Voltaire justifica a sua certeza sobre a
existência de deus.
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