domingo, 12 de outubro de 2014

ELEIÇÕES 2014 - IV


No último debate do primeiro turno o desempenho de Luciana Genro foi de mulher corajosa, inteligente, culta e altiva. O seu discurso claro e sincero veio arrimado em convicções sedimentadas. Ela dignificaria a presidência da república se eleita. Enfrentou o candidato da extrema direita (Fidelix) com firmeza acusando-o de incitar a violência contra os homossexuais. Encarou também o candidato da direita (Aécio) ao se referir à corrupção no governo de Minas Gerais. Mandou que ele abaixasse o dedo ao se dirigir a ela. O tucano obedeceu e depois se afastou com o rabo entre as pernas.

Apesar de bem qualificada moral, intelectual e profissionalmente para o cargo de presidente da república, Marina Silva perdeu pontos ao cometer erros diante dos adversários. Ela tratou Aécio Neves de “excelência”. O tucano a mirou com ar superior e não retribuiu o tratamento protocolar, o que acentuou a posição subalterna da candidata. O eleitor registrou o fato. Momento infeliz que custou o segundo turno à ambientalista. Na arena da disputa eleitoral os candidatos se colocam em posição de igualdade e se tratam de “você”. Por ser presidente do Brasil, Dilma Rousseff tem o direito ao cerimonial tratamento de “excelência”, mas foi tratada de “você” em razão do nível igualitário exigido em pleito eleitoral entre os candidatos ao mesmo cargo. Melhor seria que todos se tratassem de senhora e senhor como é próprio da cultura brasileira, pequeno esforço de boas maneiras para tornar a política partidária menos rasteira. O respeito ao povo e às instituições nacionais exige um tratamento menos vulgar entre aqueles que aspiram ascender ao mais alto cargo executivo da república. Não se há de confundir o debate político no processo eleitoral com a conversa de botequim. Marina também pecou por anacronismo e revanchismo (deixara o PT por divergência quanto à política ambiental). A sua assertiva de que Dilma jamais exercera cargo político, sequer como vereadora, sempre limitada às funções administrativas e por isto não estaria preparada para ser alçada diretamente à presidência da república, seria argumento oportuno e adequado na primeira eleição. A petista é candidata à reeleição, ocupa a presidência há quatro anos e demonstrou quantum satis aptidão para governar. O tempo e os fatos suplantaram o raciocínio de Marina.

Os candidatos que disputam a presidência da república em segundo turno não têm luz própria. Dilma se apóia no potencial político do ex-presidente Luiz Inácio junto à massa popular. Aécio se apóia na imagem do tio Tancredo Neves e no prestígio do ex-presidente Fernando Henrique junto às elites econômica e cultural. Os eleitores que neles votaram no primeiro turno tornarão a neles votar no segundo o que, de saída, representa vantagem para a petista. Em que pese a orientação da cúpula dos partidos de Marina e de Luciana, os seus eleitores gozam de relativa independência e tendem para a esquerda. Alguns anularão o voto. Portanto, grande é a chance da petista de ver confirmada a sua vitória. Apesar da disfarçada propaganda em favor de Aécio pelas emissoras privadas de televisão (entrevistas, reportagens, noticiários, pesquisas e artifícios semelhantes), a petista terá mais votos do que o tucano. A fala picotada da presidente, o seu reduzido vocabulário, a deficiente inteligência verbal, não constituíram óbice à conquista dos votos. A petista consegue expor as suas idéias com razoável clareza. Às vezes ela se enreda em frases mal elaboradas. Isto a torna alvo de ácidas críticas. Em sendo reeleita, o seu projeto de governo não sofrerá solução de continuidade, o que é bom para as obras e serviços públicos e para a saúde financeira da república. Evita-se o desperdício (por costumeira politicagem, o governante que entra abandona as obras do governante que sai). A ajuda do ex-presidente Luiz Inácio tem sido valiosa.

A administração petista trouxe benefícios à camada pobre da população. Só por votar em candidatos do PT, o eleitor pobre não merece ser taxado de ignorante de forma pejorativa e preconceituosa como o foi pelo candidato do PSDB. Pobreza e ignorância são conceitos distintos. Pobreza é carência de bens essenciais a uma existência digna. Ignorância é carência de conhecimento. Pobreza é o estado de carência material em que se encontra parcela da humanidade. Ignorância é o estado de carência de luz espiritual em que se encontra toda a humanidade. Em maior ou menor grau, todos os humanos são ignorantes. Só deus tem pleno conhecimento de todas as coisas. A opacidade da mente ocorre em pessoas das camadas pobre, remediada e rica da sociedade, indistintamente. Há eleitores que votam com o coração (os simples e humildes principalmente) e eleitores que votam com a razão (os intelectuais e os soberbos principalmente). Há eleitores emotivos e há eleitores calculistas. Em país democrático, os votos intuitivos valem tanto quanto os votos brotados da razão. Quando se trata da escolha dos rumos da nossa existência individual e coletiva, a intuição pode ser mais valiosa do que o raciocínio. Estiagem prolongada, excesso de chuvas, epidemias, estouro da bolsa de valores, conflito bélico, são acontecimentos que esterilizam projetos racionalmente elaborados, prejudicam a produção econômica bem planejada, interferem na execução de obras bem arquitetadas. A análise racional tem limites que a intuição não tem.    

A administração petista proporcionou progresso à nação. O crescimento da economia foi positivo apesar do percentual modesto. A crise econômica mundial de 2008 foi administrada pelo governo petista de modo mais competente do que pelos governos dos outros países da América e da Europa. A análise do desempenho econômico vai além do percentual de crescimento, pois inclui o exame da economia em termos globais e considera o volume e a complexidade dos problemas do Brasil em níveis nacional e internacional. A inflação está em nível tolerável. A posição do Brasil no ranking da economia mundial é muito boa. A administração petista encerrará o seu ciclo em 2018 se a oposição conseguir rachar o eleitorado nordestino e nortista. Na região sul, o espaço da esquerda é menor; o eleitorado da direita é maioria. Neste cenário circunstancial reside a probabilidade do retorno da direita à presidência da república. A polarização PT x PSDB se repete há 20 anos. O confronto entre os dois partidos continuará pelo menos até 2033 com a presidência ocupada pelo PSDB de 2019 a 2026 por eleição e reeleição do atual governador de São Paulo (Alckmin) e de 2027 a 2034 por eleição e reeleição do atual governador do Paraná (Richa). A norma constitucional da reeleição recebeu o tácito aval do povo, motivo pelo qual será mantida pelo Poder Legislativo.

A corrupção é prática comum e centenária na administração pública brasileira. A novidade é a sua apuração pela polícia federal e pelo ministério público no governo petista. Na esfera federal, a corrupção foi exponencial nos governos Kubitschek, Sarney, Fernando Henrique, Luiz Inácio e Dilma. Na esfera estadual, a corrupção foi exponencial nos governos Maluf e Alckmin em São Paulo, nos governos Garotinho e Cabral no Rio de Janeiro, nos governos Eduardo e Aécio em Minas Gerais, no governo Magalhães na Bahia, no governo Lupion no Paraná. Quanto à moralidade no trato da coisa pública, todos esses políticos são farinhas do mesmo saco. Recuso-me a ser cúmplice da ladroagem. Exercerei a liberdade assegurada ao cidadão idoso pela Constituição da República: deixarei de comparecer ao local da votação. Destarte, não votarei no ladrão de colarinho branco e tampouco no ladrão sem colarinho. Ficarei em paz com a minha consciência.

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