sábado, 18 de outubro de 2014

ELEIÇÕES 2014 - V



A desonestidade na ação política e administrativa dos governantes colocou o eleitor brasileiro numa saia justa. No segundo turno, o eleitor terá de escolher qual das duas quadrilhas de bandidos do colarinho branco governará o país nos próximos quatro anos: a do PT ou a do PSDB. A corrupção correu solta no governo desses dois partidos até o deputado Jefferson por a boca no trombone. Antes disto, os atos ilícitos eram debitados à boataria. Por denunciar em programa de TV falcatrua na Petrobrás durante o governo do PSDB, o jornalista Paulo Francis foi processado por diretores da empresa, teve a saúde abalada e acabou morrendo (1996). Decorridos 18 anos, o descalabro veio à tona (2014). O jornalista estava certo, embora naquela ocasião lhe faltassem meios para provar a grave denúncia. Os chefes das quadrilhas estão em liberdade e milionários. Com o dinheiro da nação em paraísos fiscais, eles garantiram alto padrão social e econômico para si, para seus filhos, netos e bisnetos ad omnia secula seculorum. Havendo quadrilheiros nos dois partidos, a corrupção não serve de critério para a rejeição de nenhum dos competidores. Em balaio de frutas podres nada de bom se aproveita. Somente os porcos delas se alimentam. Difícil para o eleitor saber qual dos dois partidos roubou mais quando no governo. Ao eleitor não engajado, sensível à ética na política, fazer tal avaliação para escolher o partido que roubou menos constitui constrangimento moral.

Os dois lados se acusam mutuamente de mentir. Ora, se ambos são mentirosos, então a mentira também não serve de critério para a rejeição de nenhum dos competidores. Onde tudo é amarelo, nada é verde. O camaleão muda de cor conforme o ambiente. O mesmo ocorre na politicagem. O eleitor fica sem dados confiáveis para avaliar qual dos dois partidos se valeu da maior mentira. Na histriônica propaganda eleitoral as falsidades vêm camufladas. O eleitor engajado acredita na propaganda enganosa que favorece o seu candidato enquanto denigre o adversário. Pesará na balança do segundo turno o numeroso eleitorado não engajado (cerca de 68 milhões de eleitores). O eleitor experiente que já amadureceu as suas convicções no curso da sua vida não se deixa impressionar pela propaganda e dela retira exclusivamente o sumo que lhe parece veraz. Diante do vergonhoso quadro da política partidária, a decisão desse tipo de eleitor será a de não comparecer às urnas ou, se comparecer, anular o voto.

De acordo com os registros do Tribunal Superior Eleitoral, em números redondos, dos 142 milhões de eleitores cerca de 38 milhões não votaram em candidato algum para presidente da república, 42 milhões votaram em Dilma, 32 milhões em Aécio e 30 milhões nos demais candidatos. Desses 30 milhões de eleitores dos candidatos vencidos há probabilidade de pelo menos a metade anular os votos no segundo turno. Os votos restantes serão distribuídos entre os dois candidatos em maior proporção para a petista de acordo com a tendência verificada no primeiro turno. Se o prognóstico se confirmar, os dois candidatos serão rejeitados por 53 milhões de eleitores aproximadamente. Este é o cenário de uma revolução pacífica iniciada com o movimento social espontâneo de junho de 2013, em São Paulo, quando 35 mil pessoas mobilizadas através da rede de computadores ocuparam ruas e praças e promoveram batalha campal. A insatisfação daquela massa popular com a política nacional, estadual e municipal transbordou com o aumento do preço da passagem de ônibus e trens urbanos e com os gastos para sediar a copa do mundo de futebol.

Para evitar o constrangimento moral, os eleitores menores de 18 anos e os maiores de 70 anos podem deixar de comparecer ao local de votação tendo em vista a liberdade que lhes é assegurada pela Constituição da república. O eleitor de qualquer idade que se sentir na contingência de votar, embora não pertença ao eleitorado cativo dos candidatos, terá de buscar critérios adequados caso não queira seguir simplesmente a intuição. Tais critérios podem ser: (1) a personalidade; (2) o desempenho administrativo.  O primeiro critério citado permite ao eleitor analisar a conduta doméstica, social e profissional de cada candidato e decidir qual deles merece o seu voto. O segundo critério (administrativo) exige do eleitor a análise do desempenho da cada candidato como chefe de governo, tendo em vista que ambos conhecem a administração pública. O eleitor desvinculado de partido e livre de pressão votará no melhor administrador. Como governador, o tucano administrou um Estado federado (MG), sem livrar-se da corrupção. Como presidente, a petista administrou o Estado federal (Brasil), sem livrar-se da corrupção. A administração de ambos tem recebido críticas desfavoráveis. A administração estadual do tucano descontentou a maioria do povo mineiro como se verificou no primeiro turno. A administração federal da petista, avessa ao nepotismo, qualitativamente superior à dos presidentes Sarney e Fernando Henrique, foi aprovada no primeiro turno. Destarte, tendo em vista a extensão, a complexidade e a eficiência da administração, provavelmente a preferência desse tipo de eleitor será pela petista também no segundo turno.

Mais decente é persuadir o eleitor do que ofender o adversário. Outrora, segundo a lenda, os chineses assistiam a uma discussão só até a primeira ofensa; depois, retiravam-se. O saudoso carnavalesco Joãozinho Trinta cunhou frase espirituosa que brotou da sua experiência de vida: “pobre gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. O eleitor pobre gosta de civilidade, gentileza, gestos nobres, cultura refinada ainda que popular. Quando tem acesso, o pobre tanto aprecia a música de Vila Lobos como a de Cartola e a de Chico Buarque. Nem só de pão vive o homem. Feio ou bonito, pobre também ama. Pobre tem senso de humor; ri de alegria e chora de tristeza. Pobre tem senso ético; cônscio do bem, se pauta pelo honesto. Pobre tem senso estético; vaidoso, gosta de enfeitar a si próprio, a sua casa, o seu casebre, o seu barraco, a sua carroça, a sua bicicleta.      

Das notas positivas do debate do dia 14/10/2014 travado entre os dois candidatos à presidência da república destacam-se a urbanidade e a reciprocidade no tratamento respeitoso. Findo o debate, os candidatos despediram-se de forma educada e até afetuosa, à moda brasileira. O exemplo de lisura na disputa eleitoral foi dado pelo saudoso Eduardo Campos em debate na TV, quando defendeu com veemência as virtudes – inclusive a honestidade e a honradez – da presidente Dilma Rousseff. Os dois candidatos recusaram-se a avaliar os seus próprios desempenhos no debate. Deixaram a avaliação para o público. Assim procedendo, evitaram a carapuça de cabotinos. Há algum tempo atrás quando, sem limites éticos, as emissoras privadas de televisão se engalfinhavam por audiência, a saudosa Hebe Camargo, em seu programa, lamentava aquela selvageria e argumentava que havia público para todos. Há gosto para tudo. O primeiro debate do segundo turno mostrou ser possível disputar cargos públicos eletivos dentro de limites éticos, sem apelar para a selvageria. Há eleitores suficientes para eleger qualquer um dos dois candidatos. Alea jacta est.

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