A desonestidade na ação política e administrativa dos
governantes colocou o eleitor brasileiro numa saia justa. No segundo turno, o
eleitor terá de escolher qual das duas quadrilhas de bandidos do colarinho
branco governará o país nos próximos quatro anos: a do PT ou a do PSDB. A
corrupção correu solta no governo desses dois partidos até o deputado Jefferson
por a boca no trombone. Antes disto, os atos ilícitos eram debitados à
boataria. Por denunciar em programa de TV falcatrua na Petrobrás durante o
governo do PSDB, o jornalista Paulo Francis foi processado por diretores da
empresa, teve a saúde abalada e acabou morrendo (1996). Decorridos 18 anos, o
descalabro veio à tona (2014). O jornalista estava certo, embora naquela
ocasião lhe faltassem meios para provar a grave denúncia. Os chefes das
quadrilhas estão em liberdade e milionários. Com o dinheiro da nação em
paraísos fiscais, eles garantiram alto padrão social e econômico para si, para
seus filhos, netos e bisnetos ad omnia
secula seculorum. Havendo quadrilheiros nos dois partidos, a corrupção não
serve de critério para a rejeição de nenhum dos competidores. Em balaio de
frutas podres nada de bom se aproveita. Somente os porcos delas se alimentam.
Difícil para o eleitor saber qual dos dois partidos roubou mais quando no
governo. Ao eleitor não engajado, sensível à ética na política, fazer tal
avaliação para escolher o partido que roubou menos constitui constrangimento
moral.
Os dois lados se acusam mutuamente de mentir. Ora, se
ambos são mentirosos, então a mentira também não serve de critério para a
rejeição de nenhum dos competidores. Onde tudo é amarelo, nada é verde. O
camaleão muda de cor conforme o ambiente. O mesmo ocorre na politicagem. O
eleitor fica sem dados confiáveis para avaliar qual dos dois partidos se valeu
da maior mentira. Na histriônica propaganda eleitoral as falsidades vêm
camufladas. O eleitor engajado acredita na propaganda enganosa que favorece o
seu candidato enquanto denigre o adversário. Pesará na balança do segundo turno
o numeroso eleitorado não engajado (cerca de 68 milhões de eleitores). O
eleitor experiente que já amadureceu as suas convicções no curso da sua vida
não se deixa impressionar pela propaganda e dela retira exclusivamente o sumo
que lhe parece veraz. Diante do vergonhoso quadro da política partidária, a
decisão desse tipo de eleitor será a de não comparecer às urnas ou, se
comparecer, anular o voto.
De acordo com os registros do Tribunal Superior
Eleitoral, em números redondos, dos 142 milhões de eleitores cerca de 38
milhões não votaram em candidato algum para presidente da república, 42 milhões
votaram em Dilma, 32 milhões em Aécio e 30 milhões nos demais candidatos.
Desses 30 milhões de eleitores dos candidatos vencidos há probabilidade de pelo
menos a metade anular os votos no segundo turno. Os votos restantes serão
distribuídos entre os dois candidatos em maior proporção para a petista de
acordo com a tendência verificada no primeiro turno. Se o prognóstico se
confirmar, os dois candidatos serão rejeitados por 53 milhões de eleitores
aproximadamente. Este é o cenário de uma revolução pacífica iniciada com o
movimento social espontâneo de junho de 2013, em São Paulo, quando 35 mil
pessoas mobilizadas através da rede de computadores ocuparam ruas e praças e
promoveram batalha campal. A insatisfação daquela massa popular com a política
nacional, estadual e municipal transbordou com o aumento do preço da passagem
de ônibus e trens urbanos e com os gastos para sediar a copa do mundo de futebol.
Para evitar o constrangimento moral, os eleitores
menores de 18 anos e os maiores de 70 anos podem deixar de comparecer ao local
de votação tendo em vista a liberdade que lhes é assegurada pela Constituição
da república. O eleitor de qualquer idade que se sentir na contingência de
votar, embora não pertença ao eleitorado cativo dos candidatos, terá de buscar
critérios adequados caso não queira seguir simplesmente a intuição. Tais
critérios podem ser: (1) a personalidade; (2) o desempenho administrativo. O primeiro critério citado permite ao eleitor
analisar a conduta doméstica, social e profissional de cada candidato e decidir
qual deles merece o seu voto. O segundo critério (administrativo) exige do
eleitor a análise do desempenho da cada candidato como chefe de governo, tendo
em vista que ambos conhecem a administração pública. O eleitor desvinculado de
partido e livre de pressão votará no melhor administrador. Como governador, o
tucano administrou um Estado federado (MG), sem livrar-se da corrupção. Como
presidente, a petista administrou o Estado federal (Brasil), sem livrar-se da
corrupção. A administração de ambos tem recebido críticas desfavoráveis. A
administração estadual do tucano descontentou a maioria do povo mineiro como se
verificou no primeiro turno. A administração federal da petista, avessa ao
nepotismo, qualitativamente superior à dos presidentes Sarney e Fernando
Henrique, foi aprovada no primeiro turno. Destarte, tendo em vista a extensão,
a complexidade e a eficiência da administração, provavelmente a preferência
desse tipo de eleitor será pela petista também no segundo turno.
Mais decente é persuadir o eleitor do que ofender o
adversário. Outrora, segundo a lenda, os chineses assistiam a uma discussão só
até a primeira ofensa; depois, retiravam-se. O saudoso carnavalesco Joãozinho
Trinta cunhou frase espirituosa que brotou da sua experiência de vida: “pobre
gosta de luxo; quem gosta de miséria é intelectual”. O eleitor pobre gosta de
civilidade, gentileza, gestos nobres, cultura refinada ainda que popular.
Quando tem acesso, o pobre tanto aprecia a música de Vila Lobos como a de
Cartola e a de Chico Buarque. Nem só de pão vive o homem. Feio ou bonito, pobre
também ama. Pobre tem senso de humor; ri de alegria e chora de tristeza. Pobre
tem senso ético; cônscio do bem, se pauta pelo honesto. Pobre tem senso
estético; vaidoso, gosta de enfeitar a si próprio, a sua casa, o seu casebre, o
seu barraco, a sua carroça, a sua bicicleta.
Das notas positivas do debate do dia 14/10/2014 travado
entre os dois candidatos à presidência da república destacam-se a urbanidade e
a reciprocidade no tratamento respeitoso. Findo o debate, os candidatos despediram-se
de forma educada e até afetuosa, à moda brasileira. O exemplo de lisura na
disputa eleitoral foi dado pelo saudoso Eduardo Campos em debate na TV, quando
defendeu com veemência as virtudes – inclusive a honestidade e a honradez – da
presidente Dilma Rousseff. Os dois candidatos recusaram-se a avaliar os seus
próprios desempenhos no debate. Deixaram a avaliação para o público. Assim
procedendo, evitaram a carapuça de cabotinos. Há algum tempo atrás quando, sem
limites éticos, as emissoras privadas de televisão se engalfinhavam por
audiência, a saudosa Hebe Camargo, em seu programa, lamentava aquela selvageria
e argumentava que havia público para todos. Há gosto para tudo. O primeiro
debate do segundo turno mostrou ser possível disputar cargos públicos eletivos
dentro de limites éticos, sem apelar para a selvageria. Há eleitores
suficientes para eleger qualquer um dos dois candidatos. Alea jacta est.
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