sexta-feira, 10 de outubro de 2014

FILOSOFIA XIII - 32



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Jean-Jacques Rousseau (1712 a 1778), filósofo suíço nascido em Genebra e radicado em Paris, expôs idéias sobre reforma educacional no seu livro “Emílio”. O arcebispo de Paris censurou o livro. Alegando ser pobre e doente, Rousseau deixou seus cinco filhos em asilo para enjeitados. A mãe desses filhos era uma criada pobre, feia, ignorante, com quem ele viveu maritalmente. Antes disto, ele vivera sob a proteção de mulheres abastadas. Pregava a paz e a liberdade, mas era temperamental, briguento, torturava a si próprio e tinha mania de perseguição. Voltaire escreveu um panfleto acusando-o de hipócrita, de pai sem coração e amigo ingrato. Sarcástico, Voltaire diz, referindo-se a Rousseau: “ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos converter em animais”; “ler a sua obra faz nascer desejos de caminhar em quatro patas”. Rousseau se defende e se justifica em “Confissões” dizendo que não advoga o retrocesso, nem menospreza os valores positivos da civilização, mas apenas censura no homem civilizado os modismos, a frivolidade, o culto do refinamento, da mentira e da ostentação. [A eventual falta de coerência entre as idéias e a conduta desse filósofo resulta do seu caráter romântico {emoção acima da razão} e dos surtos psicóticos]. Rousseau havia adquirido fama com o premiado texto “Discurso sobre as Ciências e as Artes”. Suas obras muito contribuíram para enriquecer a cultura ocidental. Na época, entretanto, os seus “Emílio” e “Do Contrato Social” desagradaram às autoridades francesas e teve a sua prisão decretada. Ele sai da França. Em Neuchâtel, na Prússia, sua casa foi apedrejada pelos protestantes. Muda-se para a ilha de Saint-Pierre, mas foi impedido de lá permanecer. Finalmente, homiziou-se na Inglaterra a convite do filósofo David Hume. O rei Jorge III concedeu-lhe pensão. Em pouco tempo ele se desentende com os seus hospedeiros e retorna a Paris, onde morreu na miséria.

Outra obra de repercussão foi o “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens”. Rousseau valorizava o aspecto irracional da natureza humana. Segundo a sua opinião, nos problemas de importância vital é mais seguro obedecer aos instintos e às emoções. Agarrar-se à razão como guia infalível da conduta e da verdade é agarrar-se a um ramo partido. A razão é posta em ação pelas paixões que, por sua vez, são suscitadas pelas necessidades. A origem das diferenças entre os homens há de ser buscada em primeiro lugar nas sucessivas mudanças da constituição humana. A inscrição do templo de Delfos continha um preceito mais importante e mais difícil que todos os grossos livros dos moralistas: “homem, conhece-te a ti mesmo”. Há dois tipos de desigualdade entre os homens: (1) natural estabelecida pela natureza: idade, saúde, força física, {cor, sexo}, sensibilidade, lucidez; (2) política estabelecida por critério humano: comando, obediência, honras, privilégios, riqueza, {convenções em geral}. O primeiro sentimento do homem foi o da sua existência. A primeira preocupação do homem foi a da sua conservação. O primeiro homem que cercou um terreno e disse “isto é meu” foi o verdadeiro fundador da sociedade civil, pois encontrou pessoas simples o suficiente para nele acreditar {e invejosos para imitá-lo}.

Os caminhos da natureza levam mais diretamente à felicidade do que as elucubrações do intelecto. [O lema “volta à natureza”, criado por Rousseau, influiu nos costumes. A vida simples entrou na moda, inclusive no palácio da rainha de França, que se vestia de campesina leiteira e reservou parte do terreno para construir um ambiente rural]. A maioria dos males provém da obra humana e seria evitada se os homens conservassem a maneira de viver simples e uniforme prescrita pela natureza. “Se ela (a natureza) nos destinou a sermos sãos, ouso quase assegurar que o estado de reflexão (civilizado) é um estado contrário à natureza e que o homem que medita é um animal depravado.” Os sentimentos naturais indicam a direção certa aos homens enquanto a razão os desvia. A prova da existência de deus vem do coração e não da razão. As idéias gerais necessitam do auxílio das palavras para se introduzirem no espírito. O entendimento apreende-as por meio das proposições. O entendimento e a piedade caracterizam o homem. Às vezes, os animais (irracionais) dão sinal de piedade. Ao preceder a reflexão, a piedade se mostra útil. Os homens seriam monstros se a natureza não lhes provesse de piedade para apoio da razão. De um modo geral, os homens se comovem com o sofrimento do ser vivo e se dispõem ao socorro. Há, entretanto, os que pensam: “perece se queres; quanto a mim, estou seguro”. Sob o brilho exterior da ciência e da arte esconde-se a vaidade e o orgulho. A polidez e demais regras da etiqueta ocultam o mais vil e impiedoso egoísmo. Todavia, há máximas virtuosas: “faze a outrem o que desejas que façam a ti”; “alcança teu bem com o menor mal possível para outrem”. Por defender a supremacia do sentimento, Rousseau foi considerado o pai do romantismo e o fundador da democracia no mundo moderno.

Rousseau inicia o seu livro “Do Contrato Social” com a seguinte frase: “O homem nasce livre, mas por toda a parte encontra-se a ferros”. O homem primitivo, dotado de livre arbítrio, era feliz porque vivia de acordo com as suas necessidades básicas sem se angustiar com a doença e a morte e sem violência desmotivada contra o seu semelhante. Naquele estado de natureza os homens não podiam ser bons nem maus, porque entre eles não existia relação moral alguma, nem deveres comuns. [A existência desse estado de natureza é um postulado do qual o filósofo parte para construir a sua doutrina; não significa, portanto, que tal estado tenha existido real e historicamente, tanto assim, que ele mesmo lembra que o homem criado por deus, a se dar fé aos escritos de Moisés, nunca se achou nesse estado mesmo antes do dilúvio]. A liberdade e a inocência do homem primitivo contrastam com a tirania e a fraqueza da sociedade civilizada; o progresso do conhecimento é pernicioso à humanidade, prejudicial à felicidade humana; na propriedade está a fonte primária da miséria da sociedade humana. Rousseau partiu da suposição de que primitivamente o homem era bom enquanto vivia no estado de natureza. Nenhum ser é tão tímido quanto o homem naquele estado, dizia ele. A harmonia da comunidade natural foi quebrada quando alguém afirmou pela primeira vez a posse exclusiva de uma área de terra {que defendeu com unhas e dentes contra as investidas e as pretensões dos demais}. Ambições insaciáveis, trapaça fraudulenta, orgulho insolente, passaram a dominar as relações humanas. Surgiu a necessidade de ordenar essas relações. Os direitos individuais ficaram submetidos à ordem comunitária estabelecida em um suposto e tácito contrato social.

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