EUROPA (1600
a 1800). Continuação.
Jean-Jacques Rousseau (1712 a 1778), filósofo suíço
nascido em Genebra e radicado em Paris, expôs idéias sobre reforma educacional
no seu livro “Emílio”. O arcebispo de Paris censurou o livro. Alegando ser
pobre e doente, Rousseau deixou seus cinco filhos em asilo para enjeitados. A
mãe desses filhos era uma criada pobre, feia, ignorante, com quem ele viveu
maritalmente. Antes disto, ele vivera sob a proteção de mulheres abastadas.
Pregava a paz e a liberdade, mas era temperamental, briguento, torturava a si
próprio e tinha mania de perseguição. Voltaire escreveu um panfleto acusando-o
de hipócrita, de pai sem coração e amigo ingrato. Sarcástico, Voltaire diz,
referindo-se a Rousseau: “ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos
converter em animais”; “ler a sua obra faz nascer desejos de caminhar em quatro patas”. Rousseau
se defende e se justifica em “Confissões” dizendo que não advoga o retrocesso,
nem menospreza os valores positivos da civilização, mas apenas censura no homem
civilizado os modismos, a frivolidade, o culto do refinamento, da mentira e da
ostentação. [A eventual falta de coerência entre as idéias e a conduta desse
filósofo resulta do seu caráter romântico {emoção acima da razão} e dos surtos
psicóticos]. Rousseau havia adquirido fama com o premiado texto “Discurso sobre
as Ciências e as Artes”. Suas obras muito contribuíram para enriquecer a
cultura ocidental. Na época, entretanto, os seus “Emílio” e “Do Contrato
Social” desagradaram às autoridades francesas e teve a sua prisão decretada. Ele
sai da França. Em Neuchâtel, na Prússia, sua casa foi apedrejada pelos
protestantes. Muda-se para a ilha de Saint-Pierre, mas foi impedido de lá permanecer.
Finalmente, homiziou-se na Inglaterra a convite do filósofo David Hume. O rei
Jorge III concedeu-lhe pensão. Em pouco tempo ele se desentende com os seus
hospedeiros e retorna a Paris, onde morreu na miséria.
Outra obra de repercussão
foi o “Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os
Homens”. Rousseau valorizava o aspecto irracional da natureza humana. Segundo a
sua opinião, nos problemas de importância vital é mais seguro obedecer aos
instintos e às emoções. Agarrar-se à
razão como guia infalível da conduta e da verdade é agarrar-se a um ramo
partido. A razão é posta em ação pelas paixões que, por sua vez, são
suscitadas pelas necessidades. A origem das diferenças entre os homens há de
ser buscada em primeiro lugar nas sucessivas mudanças da constituição humana. A
inscrição do templo de Delfos continha um preceito mais importante e mais
difícil que todos os grossos livros dos moralistas: “homem, conhece-te a ti
mesmo”. Há dois tipos de desigualdade entre os homens: (1) natural estabelecida pela natureza: idade, saúde, força física, {cor,
sexo}, sensibilidade, lucidez; (2) política
estabelecida por critério humano: comando, obediência, honras, privilégios,
riqueza, {convenções em geral}. O primeiro sentimento do homem foi o da sua
existência. A primeira preocupação do homem foi a da sua conservação. O
primeiro homem que cercou um terreno e disse “isto é meu” foi o verdadeiro
fundador da sociedade civil, pois encontrou pessoas simples o suficiente para
nele acreditar {e invejosos para imitá-lo}.
Os caminhos da natureza
levam mais diretamente à felicidade do que as elucubrações do intelecto. [O
lema “volta à natureza”, criado por Rousseau, influiu nos costumes. A vida
simples entrou na moda, inclusive no palácio da rainha de França, que se vestia
de campesina leiteira e reservou parte do terreno para construir um ambiente
rural]. A maioria dos males provém da obra humana e seria evitada se os homens
conservassem a maneira de viver simples e uniforme prescrita pela natureza. “Se ela (a natureza) nos destinou a sermos sãos, ouso quase assegurar que o estado de
reflexão (civilizado) é um estado
contrário à natureza e que o homem que medita é um animal depravado.” Os
sentimentos naturais indicam a direção certa aos homens enquanto a razão os
desvia. A prova da existência de deus vem do coração e não da razão. As idéias
gerais necessitam do auxílio das palavras para se introduzirem no espírito. O
entendimento apreende-as por meio das proposições. O entendimento e a piedade
caracterizam o homem. Às vezes, os animais (irracionais) dão sinal de piedade.
Ao preceder a reflexão, a piedade se mostra útil. Os homens seriam monstros se
a natureza não lhes provesse de piedade para apoio da razão. De um modo geral,
os homens se comovem com o sofrimento do ser vivo e se dispõem ao socorro. Há,
entretanto, os que pensam: “perece se queres; quanto a mim, estou seguro”. Sob
o brilho exterior da ciência e da arte esconde-se a vaidade e o orgulho. A
polidez e demais regras da etiqueta ocultam o mais vil e impiedoso egoísmo. Todavia,
há máximas virtuosas: “faze a outrem o que desejas que façam a ti”; “alcança
teu bem com o menor mal possível para outrem”. Por defender a supremacia do
sentimento, Rousseau foi considerado o pai do romantismo e o fundador da
democracia no mundo moderno.
Rousseau inicia o seu livro “Do Contrato Social” com a
seguinte frase: “O homem nasce livre, mas
por toda a parte encontra-se a ferros”. O homem primitivo, dotado de livre
arbítrio, era feliz porque vivia de acordo com as suas necessidades básicas sem
se angustiar com a doença e a morte e sem violência desmotivada contra o seu
semelhante. Naquele estado de natureza
os homens não podiam ser bons nem maus, porque entre eles não existia relação
moral alguma, nem deveres comuns. [A existência desse estado de natureza é um postulado do qual o filósofo parte para
construir a sua doutrina; não significa, portanto, que tal estado tenha
existido real e historicamente, tanto assim, que ele mesmo lembra que o homem
criado por deus, a se dar fé aos escritos de Moisés, nunca se achou nesse
estado mesmo antes do dilúvio]. A
liberdade e a inocência do homem primitivo contrastam com a tirania e a
fraqueza da sociedade civilizada; o progresso do conhecimento é pernicioso à
humanidade, prejudicial à felicidade humana; na propriedade está a fonte
primária da miséria da sociedade humana. Rousseau partiu da suposição de
que primitivamente o homem era bom enquanto vivia no estado de natureza. Nenhum
ser é tão tímido quanto o homem naquele estado, dizia ele. A harmonia da comunidade
natural foi quebrada quando alguém afirmou pela primeira vez a posse exclusiva
de uma área de terra {que defendeu com unhas e dentes contra as investidas e as
pretensões dos demais}. Ambições insaciáveis, trapaça fraudulenta, orgulho
insolente, passaram a dominar as relações humanas. Surgiu a necessidade de
ordenar essas relações. Os direitos individuais ficaram submetidos à ordem
comunitária estabelecida em um suposto e tácito contrato social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário