sexta-feira, 30 de maio de 2014

FILOSOFIA XII - 10


EUROPA (1000 a 1600). Continuação.

Decorrido o primeiro milênio da era cristã, desenha-se novo panorama na Europa. Até o século XIII (1201 A 1300), Constantinopla (império bizantino) e Córdova (califado islâmico) eram as cidades mais desenvolvidas do ponto de vista econômico, artístico e intelectual, aquela com 500.000 e esta com 200.000 habitantes, aproximadamente. Depois, sobressaíram-se outras cidades (Veneza, Paris, Bremen, Londres). Havia centenas de paróquias, abadias e conventos espalhados pelas ilhas e continente. Apesar disto, as nações cortaram os vínculos de subordinação com a igreja ao se organizarem em Estados soberanos.
A população cresceu mais do que a produção de alimentos. Empregos aumentaram nos setores privado e público (serviços de transporte, armazenamento e distribuição de mercadorias, funções administrativas e burocráticas). Modesto desenvolvimento da economia, sem considerável avanço técnico (arado, arreios, carreta, associações, seguro, crédito, sistema bancário incipiente). A indústria atendia às necessidades da agricultura, do comércio, da guerra, da igreja, da população em geral (mineração, metalurgia, têxtil, construção). Exploravam-se jazidas e minas em montanhas, rios e subsolo (ferro, chumbo, estanho, cobre, prata, ouro, carvão, hulha). Fundiam-se metais. Fabricavam-se ferramentas, pregos, eixos, caldeiras, âncoras, armaduras, lanças, espadas, punhais. Construíam-se palácios, catedrais, mosteiros, casas, praças, muralhas, pontes, estradas. Alguns reinos cunhavam suas próprias moedas. No comércio internacional circulavam moedas de ouro.
A resistência à pretensão universalista da igreja e do império fortaleceu o nacionalismo. Inglaterra e França constituíram Estados soberanos, livres do domínio do papa e do imperador, exemplo seguido por outras nações. A igreja sofre o impacto de movimentos reformadores a começar pelos “irmãos da vida comum”, grupo de homens piedosos que mantinham escolas na Holanda, Flandres e Alemanha. Pleiteavam uma religião cristã simples, racional, liberta do dogmatismo e do ritualismo da igreja organizada. Thomas de Kempis, um dos líderes desse movimento, escreve “A Imitação de Cristo”, em defesa daquelas idéias, livro que se tornou clássico (1425). A partir de 1500, escritores e filósofos dos diversos países apoiaram o movimento do qual Sebastian Brant (Alemanha), Thomas Morus (Inglaterra) e Erasmo (Holanda) foram os grandes destaques. Entendiam que a religião existia para o bem do homem e não para o bem de uma igreja organizada. Censuravam preceitos teológicos e sobrenaturais, sacramentos, cerimônias, veneração de relíquias e venda de indulgências. Sem prejuízo de uma organização eclesiástica simples, estes opositores negavam: (1) a autoridade absoluta do papa; (2) a necessidade de intermediação dos padres entre os homens e deus.
Ao recrutar eruditos para a sua corte, Carlos Magno dá inicio ao progresso intelectual da Idade Média. No século X, na Alemanha, sob o governo de Oto, esse progresso teve novo impulso. Seguiram-se estudos clássicos na Itália e na França. O auge desse renascimento foi atingido nos séculos XII e XIII. No campo intelectual, a filosofia escolástica predominou na Idade Média (incluindo a renascença), principalmente na igreja e instituições católicas. A razão é colocada a serviço da fé e a filosofia a serviço da teologia. Os filósofos escolásticos dedicaram-se às questões da física, da metafísica, da política e da economia, sob o primado da lógica. Segundo essa filosofia, os sentidos humanos permitem conhecer a aparência das coisas, porém só a razão penetra a essência das coisas. Todo conhecimento necessita amparo das escrituras, dos padres, de Platão e de Aristóteles (princípio da prevalência da autoridade). Este é o caminho para o homem melhorar a vida terrena e assegurar a salvação na vida extraterrena. Deus existe para que o destino da humanidade seja cumprido. A especulação filosófica visa a descobrir os atributos das coisas sem se preocupar com as causas e as relações subjacentes; supõe o universo estático. Assim, basta ao filósofo explicar o significado e a finalidade das coisas, sem perquirir as causas.
A questão dos conceitos universais como realidade substancial divide o mundo filosófico: realistas de um lado e nominalistas de outro. Apoiando-se em Platão, os realistas afirmam que há substância nos universais; mais do que palavras, os conceitos universais são entes com existência própria, real e independente. O Estado – grupo de indivíduos sob as mesmas leis, nos limites de um território e com governo próprio – não é um simples nome e sim uma realidade em si, percebida pela razão ainda que não percebida pelos sentidos. Esse modo de pensar exalta a instituição (Estado, Igreja, Universidade, Família) e coloca os indivíduos em postura submissa. Apoiando-se em Aristóteles, os nominalistas afirmam a inexistência de substância nos conceitos universais, meros nomes sem existência real, incapazes de existir por si mesmo; existem apenas como essência e qualidade intrínseca no objeto particular. Apesar de nominalista, esta doutrina recebeu o nome de realismo moderado. Os grandes escolásticos dos séculos XII e XIII foram adeptos dessa doutrina.
João Escoto Erígena, irlandês, considerado o fundador da escolástica, criou o realismo extremo no pensamento medieval (os universais existem por si mesmos) e foi o primeiro entre os cristãos racionalistas. Na opinião desse filósofo, a razão deve prevalecer em face da autoridade. Outro filósofo considerado também fundador da escolástica foi Roscelino, clérigo francês, cuja doutrina se opõe à anterior. Ele afirmava que os universais eram meros sons vocálicos; que somente as partes – e não o todo – tem existência real.
Pedro Abelardo, francês, teólogo, professor, monge não ascético, talentoso, culto, orgulhoso, briguento, bonito, alardeava seus triunfos intelectuais e amorosos, gabava-se de conquistar qualquer mulher que lhe despertasse o desejo (1079 a 1142). A sua ruína foi o caso com Heloísa. O poderoso tio da moça mandou castrá-lo e separou os amantes. Em filosofia, ele seguiu a linha do realismo moderado: a essência são os universais e a existência são os particulares; a palavra não é uma ocorrência e sim um significado das coisas; os universais surgem da semelhança entre as coisas; semelhança não é coisa. Essência e existência em Abelardo correspondem às idéias de potência e ato em Aristóteles: a essência é puramente potencial e a existência puramente atual. Na sua obra filosófica mais famosa, Sic et Non, Abelardo critica um grande número de argumentos de autoridade. Para ele, o raciocínio crítico era de vital importância: “(...) a principal chave do pensamento é chamada interrogação (...) Pela dúvida somos levados à investigação e pela investigação percebemos a verdade.” {Mais tarde, Descartes faria da dúvida um método}.

Nenhum comentário: