domingo, 11 de maio de 2014

TARIFAS ABUSIVAS



O diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), através de emissora de TV, noticiou, explicou e tentou justificar aumento excepcional das tarifas no próximo ano. Afirmou que o reajuste da tarifa é solicitado pela empresa e autorizado se houver justo motivo. Período de seca, despesas extraordinárias e necessidade de recorrer a empréstimo bancário para manter o serviço foram os motivos alegados. A agência deferiu o pedido e autorizou o reajuste e o empréstimo que será rateado entre todos os consumidores em 2015. Em termos claros e simples, a indecente proposta é a seguinte: Eu faço empréstimo no banco. Eu uso o dinheiro de acordo com a minha conveniência. Você paga o empréstimo. A indecorosa obrigação criada para o consumidor advinda do conluio entre o agente governamental e a empresa concessionária disfarça um empréstimo compulsório para atender alegadas despesas extraordinárias. Esse tipo de empréstimo só pode ser instituído pela União Federal mediante lei complementar de iniciativa da presidência da república. 
O senso comum nos diz que a dívida deve ser paga por aquele que a contraiu e dela se beneficiou. Se Júlio obtém empréstimo na Caixa, o responsável pelo pagamento é Júlio e não a sua freguesa Ermelina. Como soe acontecer neste paraíso da fraude, a empresa privada tomará dinheiro emprestado em quantia acima do que necessita para cobrir a tal “despesa extraordinária” provocada pela tal “seca extraordinária” (como se prolongadas estiagens fossem incomuns no Brasil!). Se, por exemplo, a necessidade for de um milhão, a empresa toma emprestados dez milhões, gasta 1 e embolsa 9. O patrimônio da empresa terá considerável acréscimo enquanto o povo pagará a dívida total. Além da pesada carga tributária que é obrigada a suportar, a população brasileira ainda é espoliada por essa parceria safada entre o setor público e o setor privado. O episódio aqui citado caracteriza golpe típico de estelionatários e reclama instauração de sindicância e de inquérito para: (1) patentear a materialidade e a autoria do delito; (2) constatar a existência do mecanismo de propinas.
O patrimônio particular da população deve ser protegido contra os abusos praticados pelas agências estatais e empresas concessionárias do serviço público. Essas agências não têm competência constitucional para criar obrigações aos consumidores além das tarifas ordinárias fixadas no processo administrativo. Aliás, tais agências trabalham contra os objetivos da república de: (1) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (2) promover o bem de todos. A gravidade dessa conduta recomenda a extinção dessas agências “reguladoras” que sempre favorecem os abusivos lucros das empresas concessionárias contra a poupança do povo e os direitos dos usuários. A exorbitância dos lucros dessas empresas é um deboche ante a modesta situação econômica da maioria da população.
Ao dispor que a lei reprimirá o abuso do poder econômico caracterizado pelo aumento arbitrário dos lucros, a Constituição brasileira coloca limite ético à atividade econômica com o fim de evitar a selvageria (art.173, §4º). As agências estatais e as empresas concessionárias fazem tabula rasa desse dispositivo da Lei Magna. Segundo lição extraída do que ordinariamente acontece em nosso país, se o reajuste adequado for de 5%, por exemplo, a empresa concessionária pleiteia 50% e consegue 20% ou mais. Desempenhando o seu papel nesse teatro do engodo, o agente estatal simula honestidade e diz a meia verdade: autorizei menos do que a empresa pediu. Nesse contexto, é o povo quem paga também as despesas das campanhas eleitorais quando financiadas por empresas cujos lucros excessivos decorrem dos mecanismos fraudulentos.  
Atualmente, o caso é de redução – e não de aumento – do valor das tarifas que já estão em patamar excessivamente elevado. Quanto ao pedágio nas estradas, deve ser extinto. A desproporção entre o serviço prestado e o valor cobrado é imensa, o que gera lucro abusivo para as empresas concessionárias. Esta imoralidade decorre do conluio entre a agência estatal e a empresa concessionária. O pedágio sobrecarrega o valor do frete rodoviário, aumenta o custo da mercadoria, o preço de venda e o preço das passagens de ônibus. Os ônus são suportados pela população (a otária de sempre).     
Quem se beneficia do empréstimo acima referido é a empresa concessionária. O dinheiro irá para os seus cofres e não para os cofres do seu cliente (usuário do serviço que sequer participa do contrato de mútuo). A empresa – e não o usuário – é quem terá a plena disponibilidade do dinheiro. Portanto, cabe à empresa pagar o empréstimo sem repassar o encargo ao usuário. O lucro anual de bilhões de reais da empresa indica a suficiência de receita para cobrir as alegadas despesas “extraordinárias”. A assinatura do contrato de concessão supõe que a empresa apresentou prova de capacidade técnica e financeira para prestar o serviço com seus próprios recursos. Caso a empresa concessionária não possa arcar com os custos ordinários e extraordinários, ou caso não preste o serviço devidamente, a administração pública tem o dever de: (1) rescindir o contrato por justa causa; (2) prestar diretamente o serviço; (3) processar criminalmente os representantes da empresa por fraude na licitação. A administração pública poderá providenciar nova licitação para contratar o serviço com empresa idônea que possa prestá-lo adequada e honestamente, sem subterfúgios.
A energia é um bem essencial e de estratégico valor para o país. Cabe ao Estado produzi-la e distribuí-la. Com as cautelas éticas e jurídicas, a administração pública poderá delegar a distribuição a empresas particulares sob o regime de concessão. Nesta hipótese, haverá licitação. Vence o certame a empresa que provar sua capacidade e oferecer as melhores condições para prestar o serviço e mantê-lo de modo adequado dentro dos parâmetros legais. A empresa vencedora da competição celebra contrato administrativo com o órgão estatal. O serviço é remunerado mediante tarifa fixada pelo Estado (poder concedente). Os futuros reajustes das tarifas devem ser autorizados pelo órgão estatal competente.
A constante vigilância da população é necessária diante do costume da administração pública de legislar sem competência para tanto. Não é demasia lembrar que o processo legislativo cabe ao Congresso Nacional. A iniciativa de leis também cabe ao Presidente da República. Somente à União, aos Estados, Distrito Federal e Municípios, por seus agentes políticos, compete instituir tributos. No entanto, agentes administrativos usurpam as prerrogativas dos agentes políticos e criam obrigações para o público. “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF 5º, II). Apesar desta garantia constitucional, a viciosa praxe vigora enquanto os órgãos de representação popular ficam inertes, passivos e às vezes coniventes.

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