EUROPA (1000
a 1600). Continuação.
Reagindo a uma segunda
sentença de excomunhão, Henrique IV invade a Itália, obriga o papa Gregório VII
a sair de Roma e o substitui por Clemente III (1084). Coexistem dois papas: um
em Roma e outro em Avignon (1084
a 1181). O papa Urbano II (1088 a 1099) convocou, no
Concilio de Clermont, os nobres de França para a conquista da Palestina. As
cruzadas tinham tríplice objetivo: (1) religioso: libertar a “terra santa” e
permitir a livre peregrinação de europeus; (2) econômico: obter terras férteis,
saquear as cidades e expandir o comércio; (3) político: desviar os nobres das
lutas intestinas e ocupá-los na defesa da “terra santa”. A primeira cruzada
ocorreu em 1096 com o propósito de expulsar da região os turcos seljuk.
Seguiram-se outras cruzadas que saquearam cidades do Oriente Próximo e da Ásia
Menor e estabeleceram rotas comerciais. Capturada por Saladino, sultão do
Egito, Jerusalém, “cidade santa”, retorna ao domínio muçulmano (1187).
A tensão entre Igreja e
Estado arrefece em Worms, quando príncipes alemães e delegados do papa celebram
a concordata de 1122: em assuntos religiosos, os bispos, abades e padres seriam
investidos pelos arcebispos; em assuntos seculares, a investidura cabia à
autoridade política. A paz durou pouco. Veio à balha a questão de saber se os
reis eram responsáveis perante o papa ou diretamente perante deus. O papa
Gelásio (492 a
496) lançara a precedente teoria das
forças concorrentes: a autoridade sagrada dos pontífices (auctoritas) e o poder dos reis (potestas) são as duas forças que
governam o mundo, aquela superior a esta em dignidade, porém ambas necessárias
à ordem divina, independentes em seus respectivos domínios. Hugo, prior da
abadia de São Vítor, em Paris, expõe a teoria
da unidade: “a sociedade é a cristandade e a cristandade é a igreja” (1096 a 1141). A fonte do
poder secular é a igreja. Ao poder espiritual (Igreja) cabe instituir e julgar
o poder temporal (Estado). César (imperador, rei, príncipe) está na igreja e
não acima da igreja. Bernardo, abade de Clairvaux, lança a teoria das duas espadas partindo da ordem dada por Jesus a Pedro no
ato da sua prisão no Getsemani: “embainha a tua espada” (1152). O abade combina
esta expressão com o diálogo entre apóstolos e Jesus: “Senhor, eis aqui duas
espadas”, dizem aqueles; “basta”, este responde. O abade monta o sofisma ao
isolar as palavras do contexto em que foram pronunciadas. Estabelece premissa
falsa embora de fácil adesão: as espadas
simbolizam os dois poderes: espiritual e temporal. Lança a premissa menor: ambas estão na posse dos apóstolos, os
fundadores da igreja. Conclui: logo,
as duas espadas estão na posse da igreja.
Com esse raciocínio formalmente correto, porém falacioso, o abade elabora a
teoria: Pedro deve se abster do uso da
espada temporal {abstinência da igreja: “embainha a tua espada”}; essa espada pertence ao papa (sucessor
de Pedro), está sob as ordens do papa,
mas não em suas mãos e sim nas mãos do soldado {braço armado e coercitivo
da pregação religiosa: o Estado a serviço da Igreja}. Considerado o contexto em
que as palavras foram pronunciadas, ver-se-á que Jesus pretendia que os
apóstolos portassem espadas à semelhança dos malfeitores, em sintonia com a
escritura: aquele que não tiver espada
venda sua capa para comprar uma, pois vos digo: é necessário que se cumpra em
mim ainda este oráculo: “e foi contado entre os malfeitores” (Is 53: 12).
Os apóstolos replicaram: Senhor, eis aqui
duas espadas. Jesus responde: Basta.
(Lucas 22: 36/38). Como se vê, o profeta solicitou espada real. Espada
espiritual não se compra com o dinheiro da venda de roupa, nem com dinheiro
algum, pois se trata de abstração, algo fora do comércio. Os apóstolos
apresentaram duas espadas reais e não dois símbolos, delas fizeram uso no momento
da prisão (um soldado teve a orelha decepada) e assim tornaram efetiva a
profecia bíblica. Ao dizer “basta”, o profeta informa aos apóstolos que as duas
espadas são suficientes para o fim que ele tinha em mente: cumprir a profecia e
assim confirmar ser ele o messias bíblico.
Coroado imperador pelo
papa, Frederico Barba Rubra (Ruiva? Roxa?), rei alemão, esperneia contra essa
doutrina da igreja e sustenta a sua soberania em face do papa Alexandre III,
mas acaba vencido (1177). O imperador é soberano do corpo enquanto o papa é
soberano do corpo e da alma, pois a realeza espiritual e temporal pertence a
Cristo e o papa é vigário de Cristo. Ao papa cabe ungir, sagrar e coroar o
imperador. A autoridade do papa fundamenta-se na herança apostólica. No
exercício dessa autoridade, julgava e punia os reis por seus pecados {jus puniendi ratione peccati}. Inocêncio
III (1179 a
1180) obrigou o rei Felipe Augusto a retomar a esposa que repudiara e obrigou o
rei João a reconhecer como feudos do papado a Inglaterra e a Irlanda. Sobre o rei
pesam as supremacias do papa, da comunidade e da lei. Entre o rei e o povo há
um tácito, histórico e tradicional contrato: o rei garante ordem e justiça enquanto
o povo for obediente e o povo garante obediência enquanto o rei cumprir os seus
deveres (pactum subjectionis). A
ordem a ser garantida e cumprida pelo rei tem dois filamentos: (1) lei natural {princípios éticos inscritos
na consciência humana configuradores de um direito natural}; (2) lei positiva {regras obrigatórias de
conduta ditadas pela utilidade ou necessidade enraizadas no costume vigente na
sociedade}. O rei atua como juiz e não como legislador. O papa vigia o
cumprimento do contrato pelas partes (rei + povo). Neto de Barba Rubra, Frederico
II, imperador romano germânico e rei da Sicília, afirma que deus reservou ao
César (Estado) e não ao papa (Igreja) a plenitudo
potestatis, ou seja, as forças espiritual (auctoritas) e secular
(imperium). Ao imperador cabe a missão de unir os Estados na república
cristã universal. Frederico foi derrotado pelas comunas do norte da Itália. O
poder sacerdotal submeteu o imperial. A tiara sobrepõe-se à coroa.
A renascença foi um torvelinho político. A Itália não estava
unificada; compunha-se de várias cidades organizadas como Estados independentes.
A atmosfera política era turbulenta: luta pelo poder e riqueza, supressão dos
rivais, busca do prazer físico e artístico. No afã de ganhar dinheiro, muitos abandonaram
o comércio para investir na usura (empréstimo a juros escorchantes). A igreja
condenou essa prática nos concílios de Latrão de 1139, 1179 e 1215; determinou
aos cristãos que rompessem relações com judeus cobradores de juros
exorbitantes. O Código de Justiniano autorizava juros de 11% ao ano. Os
cristãos sírios e bizantinos guiavam-se por esse código. Os banqueiros embutiam
os juros nas taxas de câmbio e nas transações contábeis; pagavam aos
depositantes juros camuflados em “bonificações” (1201 a 1300). Governo
despótico era padrão. O serviço militar era visto como desperdício de tempo.
Soldados mercenários chefiados por um condottieri,
que vendia seus serviços, dispensavam exército nacional regular. A rivalidade
comercial entre as cidades gerava conflitos armados. Milão, sob o governo de
Gian Galeazzo Visconti (1378
a 1402), submeteu cidades da planície lombarda. Florença
conquistou Pisa e cidades da Toscana (1406). Veneza submeteu cidades situadas
no nordeste da Itália, inclusive a rica cidade de Pádua (1454).
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