No texto abaixo, assim
como nos textos anteriores e posteriores desta série, utilizo colchetes para
breves comentários, parênteses para complemento do que está sendo exposto,
aspas para livre reprodução, aspas e itálico para exata reprodução de texto
alheio, itálico para destaque de palavras e frases. Em não sendo esta série um
trabalho acadêmico, poupo-me de arrolar bibliografia.
EUROPA (1000 a 1600). Continuação.
Havia, na Idade Média, uma
instituição social e econômica denominada corporação
que monopolizava certas atividades. A corporação dos mercadores e a corporação
dos artesãos servem de modelo. A estrutura padrão compunha-se: (1) do mestre:
dono da oficina, empregador e operador; (2) dos jornaleiros: companheiros e
trabalhadores remunerados; (3) dos aprendizes: trabalhadores sem remuneração,
sustentados pelo mestre até serem promovidos a companheiros. A corporação
controlava os preços dos produtos e dos serviços. Havia desvios de conduta na
corporação quando: (1) pessoas eram contratadas em experiência sem passar pelo
aprendizado; (2) metal nobre era substituído por metal comum sem que o
consumidor percebesse; (3) mercadoria era fraudada na quantidade (farinha,
cereais). A corporação era um sistema econômico em miniatura que combinava
indústria, comércio e serviços; reunia o capitalista, o operário e outros
profissionais. Havia santo padroeiro, assistência aos órfãos e viúvas e socorro
mútuo (ajuda ao membro da corporação que estivesse em dificuldade).
A teoria econômica da
corporação distingue-se da teoria capitalista moderna. O capitalismo medieval
estava condicionado pelo ascetismo cristão: “a propriedade privada é uma usurpação execrável” afirmava Ambrósio,
santo da igreja. A virtude aristotélica do meio termo, o justo preço, o
trabalho assalariado, a condenação da usura, integram a ética da economia
medieval. Na visão cristã da Idade Média, os homens que entram no mundo dos
negócios com o propósito de ganhar o máximo de dinheiro não são melhores do que
os ladrões e os piratas. A atividade econômica tinha por fim oferecer bens e
serviços de modo a proporcionar conforto a cada membro da sociedade. O objetivo
da atividade econômica não era o de enriquecer uns poucos e deixar na pobreza a
maior parte da população. O objetivo era o de suprir as necessidades materiais
do povo. O lucro era secundário. O excesso de riqueza era censurado. “Se algum homem rico recusar a repartir sua
fortuna com o pobre, é justo que se lhe tome o excesso”, dizia Tomás de
Aquino, santo da igreja. Nenhum mercador tinha o direito de vender qualquer
artigo acima do seu real valor. Tolerava-se pequeno acréscimo ao custo como
remuneração do serviço do mercador. Aproveitar-se da escassez para elevar o
preço das mercadorias tipificava pecado mortal. A cobrança de juros por
empréstimo de dinheiro que não representasse efetivo risco tipificava pecado de
usura. O corporativismo primevo não incluía o comércio internacional. Havia
associações de mercadores das quais se destacavam os “Mercadores de Staple” e a
“Hansa Teutônica” nos séculos XII e XIII, dedicadas ao comércio internacional.
No século XIV, a Hansa tornou-se Liga Hansática composta de 80 cidades
lideradas por Lubeck, Hamburgo e Bremen. O moderno capitalismo ensaiava seus
primeiros passos (revolução comercial).
No feudalismo, a estrutura
da sociedade é descentralizada: (1) o rei é servidor de deus e da comunidade
{lei costumeira e pacto social de submissão do povo ao rei presumido
historicamente}; (2) o barão exerce poder no âmbito do seu domínio territorial
sobre as pessoas que lhe são economicamente dependentes. Cuida-se de relação
contratual de suserania e vassalagem assentada no direito de propriedade. O
modelo tem raízes nos costumes e instituições de Roma (clientela, colonização, precarium) bem como nos costumes do
início da Idade Média (beneficium e
imunidades). A necessidade de proteção de pequenos proprietários contra
invasões dos nórdicos, magiares e muçulmanos, também contribui para o modelo
feudal. Os ideais de honra e lealdade dos germanos, com seu comitatus (grupo de guerreiros que
jurava proteger o seu chefe; este, por sua vez, se obrigava a fornecer cavalos
e armas), influíram no sucesso do regime feudal. Neste regime, o direito deriva
do costume e não do governante. Esse direito acompanhava o seu titular onde
quer que fosse (jus sanguinis),
influência germânica que fez do feudalismo medieval algo melhor do que um
regime de mera exploração do fraco pelo forte. No sistema feudal, o governo tem
por base o contrato que estipula obrigações recíprocas entre o suserano e o
vassalo. Trata-se de um governo de feição aristocrática (sem autocracia),
regido por normas costumeiras e cláusulas contratuais. O nobre só pode ser
julgado por seus pares. O suserano que preside o tribunal apenas conduz os
trabalhos sem poder de decisão. O poder é limitado pelos costumes. O governante
não legisla; limita-se a expedir decretos para execução das normas
consuetudinárias e das obrigações contratuais. Os vassalos tinham o direito de
rebelião contra suserano que se tornasse tirano. O feudo, além da terra, podia
incidir sobre atividade comercial, sobre o poder de tributar ou de cobrar
tributos, de cunhar moeda, de lavrar escrituras e registrar documentos.
Nem todas as regiões da
Europa tinham as mesmas regras. As características do feudalismo não eram
universais. Exemplo: o direito de primogenitura não existia na Alemanha. Nas
regiões montanhosas e acidentadas da Alemanha, da Itália e da França, as terras
estavam na posse plena dos lavradores, fora do regime feudal. A cavalaria é
outra característica desse período cujo código moral aponta as virtudes do
cavaleiro: bravo, leal, generoso, fiel, reverente, bondoso para com o pobre e o
indefeso, desdenhoso das vantagens injustas e do ganho sórdido; sublime amor às
mulheres, com esmerado cerimonial; luta pelas nobres causas; oferece a sua
valentia e as suas armas à igreja.
Após a morte de Carlos
Magno em 814, o seu império dividiu-se em três partes: França oriental
(Alemanha) + França ocidental (França) + faixa intermediária (Bélgica, Holanda,
Alsácia e Lorena). Por esses três reinos transitaram vários príncipes. O conde
de Paris, Hugo Capeto, destrona o rei carlovíngio (987). Os descendentes de
Hugo ocuparam o trono de França por mais de 300 anos. Felipe Augusto, da
linhagem capetiana, fundou a monarquia nacional (1180 a 1223). Os seus atos
enfraqueceram a estrutura feudal. Organizou um exército nacional para escapar à
dependência dos barões. Nomeou funcionários para supervisionar os tribunais
feudais e assim fortalecer o poder real. Luiz IX, sucessor de Felipe Augusto,
foi canonizado por sua piedade (1226
a 1270). Ele submeteu as decisões dos tribunais feudais
à apreciação do tribunal real. Selecionou casos da exclusiva competência do
tribunal real. Desse modo, a jurisdição dos barões ficou reduzida. Decretou a
exclusividade do dinheiro real para circular no reino (cunhagem da moeda
única). Proibiu batalhas entre senhores feudais. Assumiu o poder de decretar
ordenações para todo o reino sem o prévio assentimento dos seus vassalos {praticamente
revogou a regra feudal de que o rei não podia afastar-se da lei vigente sem
aprovação dos seus pares; o rei, agora, é primus
inter pares, soberano de todos}.
Causas políticas e
econômicas conduzem o feudalismo ao declínio a partir do século XIII na França,
Itália, Inglaterra, até se extinguir na Europa ocidental por volta de 1500. O
regime sobreviveu até o século XIX na Europa oriental e central (1801 a 1900). Houve regiões como o norte da Holanda e parte da Escandinávia que não conheceram o regime senhorial.
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