domingo, 25 de maio de 2014

COPA 2014



Há 100 anos atrás, estourava a primeira guerra mundial. Hoje, há guerras locais politicamente gerenciadas. A política tem uma vertente pacífica da qual o esporte faz parte. Congraça pessoas e povos. Não há inimigos e sim adversários que competem e se respeitam. Com freqüência cada vez maior se vê os vitoriosos e os derrotados trocarem apertos de mão e fraternais abraços, mesmo depois de se estranharem durante a competição. A garra no esporte significa caloroso empenho, sem ódio. Vencer não significa matar o outro, mas tão somente exibir maior habilidade, superar a si próprio e ao adversário.
Nos países democráticos, os profissionais da política utilizam o esporte e os esportistas vitoriosos com o propósito de conquistar votos. Os governantes fazem o mesmo para obter consenso e apoio popular. Trata-se de jogo político normal e aceitável. Os cargos nas entidades esportivas são muito disputados. Culto à personalidade, desejo de poder, interesse financeiro, alimentam a ambição. A propaganda ajuda o comando e atrai público aos estádios e ginásios. Jogadores prestigiados pelo público são utilizados na propaganda. Dirigentes, treinadores, atletas e empresas publicitárias recebem verbas dos patrocinadores. Tudo isto faz parte do jogo dentro do vigente sistema econômico.
Disputar copa mundial em seu próprio país é estar com o vento favorável ao seu veleiro. A badalação em torno da seleção brasileira lembra a da copa de 2006. Vento contrário. A euforia provocada pelos meios de comunicação social com a cooperação da entidade dirigente e da comissão técnica esconde uma realidade pouco animadora. Apesar do valor individual dos jogadores, o conjunto até o momento não se afigura confiável. O estrelato faz mal ao conjunto. Em uma seleção como a brasileira, todos são estrelas. Tratar apenas um jogador como estrela de maior grandeza soa como discriminação inconveniente. O senso de igualdade contribui para o entrosamento e cordial relacionamento entre os jogadores em campo. Antes dos jogos, há o recurso psicológico de simular confiança, tranqüilidade e alegria para dissimular sentimentos indesejáveis. Oportuna e desejável a presença de um líder sem empáfia dotado de inteligência lúdica acima da média que durante as partidas oriente o grupo, sirva de ligação simpática e de apoio psicológico.  
Ao êxito de uma equipe nem sempre bastam bons jogadores. Vide a história da seleção brasileira nos últimos 40 anos. São necessários complementos imateriais: força de vontade, garra, coragem, humildade, solidariedade, sagacidade, criatividade, fé. Episódio narrado por Carlos Alberto, capitão da seleção brasileira de 1970, em recente programa de TV, ilustra bem esta assertiva. Percebendo que Gerson era o cérebro da equipe, o treinador da seleção adversária instruiu seus jogadores para que o marcassem implacavelmente. No curso da partida, Gerson declara que não consegue jogar e sugere a troca de função com Clodoaldo. O capitão concordou com a troca e o resultado foi positivo. Isto exigiu autonomia, coragem e inteligência dos três jogadores para tomar decisão longe do treinador. Embora excelente jogador, Gerson teve atitude humilde. O capitão da equipe não se mostrou vaidoso; de forma democrática e racional aceitou a sugestão do companheiro. Apesar de estar bem na sua função, Clodoaldo foi solidário com o companheiro e anuiu na troca.        
O futebol integra a cultura do Brasil ao ponto de identidade nacional. Por representar o país de modo tão significativo, a seleção brasileira não deve mais ficar na esfera privada, pois inegável e insofismável o interesse nacional na sua organização. O Congresso Nacional deve emendar a Constituição e sob um novo artigo (217-A) criar órgão executivo autônomo composto de representantes da câmara dos deputados, do ministério dos esportes, da confederação de futebol, dos árbitros e da imprensa esportiva, todos em igual número, com a precípua e exclusiva competência para organizar a seleção brasileira, escolher jogadores, treinador e membros da comissão técnica, sempre que o Brasil participar de competições internacionais. O novo órgão propiciará benéfico distanciamento dos interesses econômicos privados. A seleção ficará livre das pirraças dos dirigentes e dos técnicos da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em relação a certos jogadores injustamente preteridos, como aconteceu no passado (Romário, Djalminha e outros) e acontece no presente (Ronaldinho, Fabiano, Lucas). Circunstância agravante: alguns selecionados não estão dentro do seu melhor padrão (caso de Fred e Jô). Há jogadores que serviriam melhor à seleção (caso de Douglas do Vasco e do Walter do Fluminense).
A democracia brasileira tem tríplice dimensão: política, econômica e social. Entre os objetivos fundamentais da república brasileira está o de promover o bem de todos. O bem cultural entra nessa pluralidade, incluído na ordem social. O futebol é um bem cultural da nação brasileira. Ao Estado compete: (1) garantir a democratização do acesso aos bens culturais; (2) fomentar práticas desportivas. O novo artigo a ser introduzido na Constituição com base nesses preceitos dará tratamento específico à seleção brasileira de futebol ante o seu alto valor representativo para a cultura popular e para a república brasileira. Ao mesmo tempo, eliminará um resquício ditatorial. A seleção refletirá a vontade do povo e não a vontade do presidente da confederação.
Nenhum clube brasileiro classificou-se para as partidas semifinais da copa “Libertadores de América”. Mau agouro. O desempenho das equipes competidoras revelou declínio do futebol na América. A vitória de seleção de outro continente afigura-se mais provável nesta copa mundial. Para vitória americana será necessário que o futebol das outras plagas esteja em nível igual ou inferior ao da América. Após o início dos jogos esse nível poderá ser medido adequadamente. Até o momento, o nível europeu parece suplantar o americano. As seleções africanas e asiáticas podem se exibir com proficiência e obter classificação honrosa.   
Equipes americanas apresentam alguns jogadores de qualidade técnica superior à média, porém “uma andorinha não faz verão”. Se houver equilíbrio entre as seleções, a garra dos jogadores americanos será fator decisivo. Vitória na última “Copa das Confederações” é parâmetro enganoso. Em reportagem pela TV no corrente mês um cidadão uruguaio faz o seguinte comentário: A copa de 1950 trouxe mais benefício ao derrotado Brasil do que ao vencedor Uruguai. O Brasil olhou para frente, reagiu, venceu uma seqüência de copas e se tornou referência mundial. O Uruguai ficou petrificado com o brilho daquela vitória e nunca mais venceu copa mundial. Esta reflexão do cidadão uruguaio lembra passagem bíblica: a seleção uruguaia portou-se à semelhança da mulher de Lot que olhou para trás e se transformou em uma coluna de sal (Gênesis 19: 26). No Brasil, aconteceu fenômeno semelhante depois da vitória de 1970. A ressaca brasileira durou 24 anos. Atualmente, não vence há 12 anos e levará mais 12 até a próxima vitória, se nada mudar.
Lisboa, 24/05/2014. Liga dos campeões europeus. Atlético de Madri, a mais recente vítima da esperteza burra. O treinador ignorou a milenar lição oriental: o ataque é a melhor defesa. Recuar e avançar de modo alternado e constante ainda é tática aceitável, mas permanecer na retranca para garantir vitória com a diferença de apenas um gol no placar é tática suicida.

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