Há 100 anos atrás, estourava a primeira guerra
mundial. Hoje, há guerras locais politicamente gerenciadas. A política tem uma
vertente pacífica da qual o esporte faz parte. Congraça pessoas e povos. Não há
inimigos e sim adversários que competem e se respeitam. Com freqüência cada vez
maior se vê os vitoriosos e os derrotados trocarem apertos de mão e fraternais abraços,
mesmo depois de se estranharem durante a competição. A garra no esporte
significa caloroso empenho, sem ódio. Vencer não significa matar o outro, mas
tão somente exibir maior habilidade, superar a si próprio e ao adversário.
Nos países democráticos, os profissionais da política
utilizam o esporte e os esportistas vitoriosos com o propósito de conquistar
votos. Os governantes fazem o mesmo para obter consenso e apoio popular. Trata-se
de jogo político normal e aceitável. Os cargos nas entidades esportivas são muito
disputados. Culto à personalidade, desejo de poder, interesse financeiro,
alimentam a ambição. A propaganda ajuda o comando e atrai público aos estádios
e ginásios. Jogadores prestigiados pelo público são utilizados na propaganda.
Dirigentes, treinadores, atletas e empresas publicitárias recebem verbas dos
patrocinadores. Tudo isto faz parte do jogo dentro do vigente sistema
econômico.
Disputar copa mundial em seu próprio país é estar com
o vento favorável ao seu veleiro. A badalação em torno da seleção brasileira lembra
a da copa de 2006. Vento contrário. A euforia provocada pelos meios de
comunicação social com a cooperação da entidade dirigente e da comissão técnica
esconde uma realidade pouco animadora. Apesar do valor individual dos
jogadores, o conjunto até o momento não se afigura confiável. O estrelato faz
mal ao conjunto. Em uma seleção como a brasileira, todos são estrelas. Tratar apenas um
jogador como estrela de maior grandeza soa como discriminação inconveniente. O senso de igualdade contribui para o entrosamento e cordial
relacionamento entre os jogadores em campo. Antes dos jogos, há o recurso psicológico de
simular confiança, tranqüilidade e alegria para dissimular sentimentos
indesejáveis. Oportuna e desejável a presença de um líder sem empáfia dotado de
inteligência lúdica acima da média que durante as partidas oriente o grupo,
sirva de ligação simpática e de apoio psicológico.
Ao êxito de uma equipe nem sempre bastam bons
jogadores. Vide a história da seleção brasileira nos últimos 40 anos. São
necessários complementos imateriais: força de vontade, garra, coragem,
humildade, solidariedade, sagacidade, criatividade, fé. Episódio narrado por
Carlos Alberto, capitão da seleção brasileira de 1970, em recente programa de
TV, ilustra bem esta assertiva. Percebendo que Gerson era o cérebro da equipe,
o treinador da seleção adversária instruiu seus jogadores para que o marcassem
implacavelmente. No curso da partida, Gerson declara que não consegue jogar e sugere
a troca de função com Clodoaldo. O capitão concordou com a troca e o resultado
foi positivo. Isto exigiu autonomia, coragem e inteligência dos três jogadores
para tomar decisão longe do treinador. Embora excelente jogador, Gerson teve
atitude humilde. O capitão da equipe não se mostrou vaidoso; de forma
democrática e racional aceitou a sugestão do companheiro. Apesar de estar bem na
sua função, Clodoaldo foi solidário com o companheiro e anuiu na troca.
O futebol integra a cultura do Brasil ao ponto de
identidade nacional. Por representar o país de modo tão significativo, a
seleção brasileira não deve mais ficar na esfera privada, pois inegável e
insofismável o interesse nacional na sua organização. O Congresso Nacional deve
emendar a Constituição e sob um novo artigo (217-A) criar órgão executivo
autônomo composto de representantes da câmara dos deputados, do ministério dos
esportes, da confederação de futebol, dos árbitros e da imprensa esportiva, todos
em igual número, com a precípua e exclusiva competência para organizar a
seleção brasileira, escolher jogadores, treinador e membros da comissão
técnica, sempre que o Brasil participar de competições internacionais. O novo
órgão propiciará benéfico distanciamento dos interesses econômicos privados. A
seleção ficará livre das pirraças dos dirigentes e dos técnicos da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF) em relação a certos jogadores injustamente
preteridos, como aconteceu no passado (Romário, Djalminha e outros) e acontece no
presente (Ronaldinho, Fabiano, Lucas). Circunstância agravante: alguns
selecionados não estão dentro do seu melhor padrão (caso de Fred e Jô). Há
jogadores que serviriam melhor à seleção (caso de Douglas do Vasco e do Walter
do Fluminense).
A democracia brasileira tem tríplice dimensão:
política, econômica e social. Entre os objetivos fundamentais da república
brasileira está o de promover o bem de todos. O bem cultural entra nessa
pluralidade, incluído na ordem social. O futebol é um bem cultural da nação
brasileira. Ao Estado compete: (1) garantir a democratização do acesso aos bens
culturais; (2) fomentar práticas desportivas. O novo artigo a ser introduzido na
Constituição com base nesses preceitos dará tratamento específico à seleção
brasileira de futebol ante o seu alto valor representativo para a cultura
popular e para a república brasileira. Ao mesmo tempo, eliminará um resquício
ditatorial. A seleção refletirá a vontade do povo e não a vontade do presidente
da confederação.
Nenhum clube brasileiro classificou-se para as
partidas semifinais da copa “Libertadores de América”. Mau agouro. O
desempenho das equipes competidoras revelou declínio do futebol na América. A
vitória de seleção de outro continente afigura-se mais provável nesta copa
mundial. Para vitória americana será necessário que o futebol das outras plagas
esteja em nível igual ou inferior ao da América. Após o início dos jogos esse
nível poderá ser medido adequadamente. Até o momento, o nível europeu parece
suplantar o americano. As seleções africanas e asiáticas podem se exibir com
proficiência e obter classificação honrosa.
Equipes americanas apresentam alguns jogadores de
qualidade técnica superior à média, porém “uma andorinha não faz verão”. Se
houver equilíbrio entre as seleções, a garra dos jogadores americanos será
fator decisivo. Vitória na última “Copa das Confederações” é parâmetro enganoso.
Em reportagem pela TV no corrente mês um cidadão uruguaio faz o seguinte
comentário: A copa de 1950 trouxe mais benefício ao derrotado Brasil do que ao
vencedor Uruguai. O Brasil olhou para frente, reagiu, venceu uma seqüência de
copas e se tornou referência mundial. O Uruguai ficou petrificado com o brilho
daquela vitória e nunca mais venceu copa mundial. Esta reflexão do cidadão
uruguaio lembra passagem bíblica: a seleção uruguaia portou-se à semelhança da
mulher de Lot que olhou para trás e se transformou em uma coluna de sal (Gênesis 19: 26). No Brasil, aconteceu
fenômeno semelhante depois da vitória de 1970. A ressaca brasileira
durou 24 anos. Atualmente, não vence há 12 anos e levará mais 12 até a próxima
vitória, se nada mudar.
Lisboa, 24/05/2014. Liga dos campeões europeus.
Atlético de Madri, a mais recente vítima da esperteza burra. O treinador
ignorou a milenar lição oriental: o
ataque é a melhor defesa. Recuar e avançar de modo alternado e constante ainda
é tática aceitável, mas permanecer na retranca para garantir vitória com a
diferença de apenas um gol no placar é tática suicida.
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