quarta-feira, 2 de abril de 2014

FILOSOFIA X - H



Europa. Cristianismo (continuação).

O evangelho de Lucas, médico grego, tem destinatário certo e único: Teófilo, pessoa desconhecida, mas que devia ser importante, eis que tratada de excelentíssimo. No prólogo desse evangelho, consta que outras pessoas já haviam contado a mesma história. Apesar disto, Lucas resolveu escreve-la para exclusiva ciência de Teófilo. Deduz-se, pois, que os evangelhos escritos por outros tinham o público por alvo enquanto o escrito por Lucas destinava-se a um só indivíduo. Lucas diz que a narrativa estriba-se em testemunhas oculares que se tornaram ministros da palavra e transmitiram os acontecimentos. Referia-se aos apóstolos da primeira hora. Considerando que Lucas era estrangeiro; que escreveu o seu evangelho mais de vinte anos depois da crucifixão de Jesus; que não conheceu o profeta pessoalmente; conclui-se pela fraca credibilidade da sua narrativa. Mateus copiou o evangelho de Marcos; Lucas copiou os evangelhos de Marcos e de Mateus. Os três evangelhos são conhecidos como sinóticos em virtude da semelhança entre eles. Imitar e copiar idéias, obras e instituições alheias era costume arraigado na cultura hebraica.
Lucas narra: o nascimento milagroso de João e de Jesus; a visita de Maria (grávida de Jesus) a Isabel (grávida de João); a circuncisão do menino por exigência da lei de Moisés; a consagração do menino a deus; a presença do menino com 12 anos de idade no templo de Jerusalém durante a páscoa a ouvir e interrogar os doutores; a pregação de João Batista; a genealogia de Jesus; a tentação no deserto; a rejeição de Jesus por seus conterrâneos; as diversas curas; a pesca milagrosa; o sermão da montanha; a troca de mensagens entre João Batista e Jesus; as andanças pelo território palestino acompanhado de mulheres; o perdão concedido à mulher pecadora que, ao saber da presença de Jesus na casa de um fariseu, para lá se dirigiu com um vaso de alabastro cheio de perfume, prostrou-se aos pés do profeta, lavou-os com suas lágrimas, enxugava-as com os cabelos, beijava os pés do mestre e os ungia com perfume. Lucas menciona a seleção de 72 discípulos com a missão de: precederem o profeta em todos os lugares por onde ele teria de passar; anunciarem a vinda do reino de Deus; curarem os enfermos. Cita o acontecido na aldeia de Betânia, na casa das irmãs Marta e Maria: enquanto Marta cuidava dos afazeres domésticos, Maria colocou-se aos pés de Jesus para ouvi-lo e com ele flertar; enciumada, Marta protestou; Jesus a admoestou. O mestre ensina a orar. Durante o jantar em casa de um fariseu ele critica os fariseus {ignorou as normas do hóspede bem educado e o ditado popular: não se fala de corda em casa de enforcado}. Lucas informa sobre: a ameaça de Herodes e a insistência de Jesus em prosseguir viagem; a hospedagem de Jesus na casa de Zaqueu, em Jericó; a lição sobre humildade; a assertiva sobre o reino de Deus (não virá de um modo ostensivo, nem se dirá ei-lo aqui ou ei-lo ali, pois o reino de Deus já está no meio de vós). No episódio da aparição depois da suposta morte na cruz, Lucas diz que os apóstolos ficaram espantados e perturbados, pensando ver um espírito e que Jesus os censura, mostrando estar ali em carne e osso; o profeta pede algo para comer e afirma que permanecerá na cidade até que eles fossem revestidos da força do alto.
Há divergência quanto à ascensão. Lucas diz que Jesus levou os apóstolos a Betânia, os abençoou, deles separou-se e foi arrebatado ao céu. Marcos não menciona lugar algum: depois que o Senhor Jesus lhes falou, foi levado ao céu e está sentado à direita de Deus. Mateus nada menciona. Limita-se a informar que a reunião foi na Galiléia {Betânia fica na Judéia}. O evangelista João também silencia a esse respeito e diz que os discípulos estavam reunidos no mesmo dia da ressurreição quando Jesus veio, saudou-os e soprou sobre eles dizendo: recebei o espírito santo; aqueles a quem perdoares os pecados, ser-lhes-ão perdoados, aqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos. Se a ascensão tivesse ocorrido de fato, Mateus e João, apóstolos da primeira hora, não deixariam passar in albis evento de tal magnitude. Ambos encerram seus evangelhos sem falar sobre o destino de Jesus.
Dos 12 apóstolos, João era o mais novo em idade. Ele foi pintado por Leonardo da Vinci no mural da última ceia como um adolescente imberbe. João se refere a si mesmo como o discípulo que Jesus amava. É possível que João, por ser muito jovem, recebesse um carinho especial do mestre sem que isto tipificasse pedofilia. O seu evangelho difere dos outros, inclusive pela forma entusiástica de tratar o mestre a quem galardoa com o título de divino. João ditou o seu evangelho aos 80 anos de idade, aproximadamente. Não se descarta a hipótese de a senectude ter afetado as suas idéias, recordações e sentimentos. O seu livro “Apocalipse” parece obra de alguém mentalmente desequilibrado. A “linguagem simbólica” referida por seus defensores na verdade é linguagem de pessoa sem domínio das suas faculdades mentais. No prólogo do seu evangelho, João declara que Jesus é o verbo e que o verbo é deus e que ninguém jamais viu deus {o que faz da visão de deus por Moisés uma balela}. João silencia sobre o nascimento, infância e juventude de Jesus. Discorre sobre João Batista e o batismo de Jesus adulto. Menciona os primeiros discípulos indicados por João Batista e admitidos por Jesus.
João narra: (1) o primeiro milagre ocorrido em uma festa de casamento na aldeia de Cana, situada na Galiléia, em que o profeta transforma água em vinho; (2) a conversa do profeta com Nicodemos, príncipe judeu, sobre o renascer da água e do espírito para entrar no reino de deus; (3) o episódio da mulher que deu água a Jesus quando ele passava pelo território da Samária e descansava sozinho próximo a um poço na aldeia de Sicar {os companheiros que serviam água e comida ao mestre tinham ido à cidade comprar mantimentos; João não esclarece como Jesus agradeceu: se piscou um olho para a samaritana, ou se a beijou na testa, ou a abraçou, ou usou apenas a palavra; o evangelista diz apenas que, ao regressarem das compras, os companheiros interpelaram Jesus que respondeu: tenho um alimento para comer que vós não conheceis e resolveu ficar dois dias na aldeia samaritana onde comeu e foi bem tratado}; (4) a pregação na Samária; (5) as diversas curas realizadas; (6) o discurso em que Jesus diz aos judeus que fala e age em nome de deus; (7) a festa religiosa em Jerusalém quando o mestre dá lições no templo, é questionado pelos judeus e sofre ameaça de prisão e morte; (8) o julgamento da mulher adúltera: quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra {o adultério era punido com a morte por apedrejamento, segundo a lei dos hebreus e continua a ser segundo a lei dos maometanos}; (9) as fugas de Jesus após debater com os judeus e sofrer tentativas de apedrejamento por causa das suas idéias e de afirmações como estas: eu sou a luz do mundo, aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida; eu sou o bom pastor, se permanecerdes na minha palavra sereis meus verdadeiros discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos livrará; o pão de deus é o pão que desce do céu e dá vida ao mundo; eu sou o pão da vida; (10) a parábola do bom pastor; (11) a ressurreição de Lázaro; (12) a intenção do Grande Conselho Judaico de prender e matar Jesus; (13) a cena em que Maria lava os pés de Jesus com nardo e Judas Iscariotes protesta alegando desperdício; (14) a entrada de Jesus em Jerusalém para a páscoa; (15) a lavagem dos pés dos discípulos pelo mestre; (16) a vinda do Paráclito (espírito santo) e a recepção pelos apóstolos; (17) prisão, julgamento, crucifixão, sepultamento e ressurreição de Jesus; (18) aparição a Maria Madalena e aos discípulos; (19) a incredulidade do apóstolo Tomé; (20) a aparição junto ao lago de Tiberíades; (21) a pesca milagrosa e a reunião com os discípulos.
Segundo João, ao notar inveja e competição entre os apóstolos, Jesus lhes deu novo e específico mandamento: amai-vos uns aos outros. João revela ódio ao mundo material. Espicaçado pelo ciúme, João não esconde o seu ódio por Judas, único judeu do colégio apostólico. Judas era alvo da atenção e da confiança de Jesus. Exercia a função de tesoureiro da comunidade. A se acreditar em João, ter-se-ia de admitir falsidade e teatralidade na atitude de Jesus. Durante a ceia, Jesus embebe pedaço de pão no vinho e dá a Judas. Depois da ceia, Jesus ordena a Judas que faça o que tinha de fazer. Isto indica prévio acordo entre os dois. Os outros evangelistas narram o episódio de forma singela e diferente, sem a carga temperamental colocada por João.

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