Europa. Cristianismo (continuação).
O evangelho de Lucas, médico
grego, tem destinatário certo e único: Teófilo, pessoa desconhecida, mas que
devia ser importante, eis que tratada de excelentíssimo.
No prólogo desse evangelho, consta que outras pessoas já haviam contado a mesma
história. Apesar disto, Lucas resolveu escreve-la para exclusiva ciência de
Teófilo. Deduz-se, pois, que os evangelhos escritos por outros tinham o público
por alvo enquanto o escrito por Lucas destinava-se a um só indivíduo. Lucas diz
que a narrativa estriba-se em testemunhas oculares que se tornaram ministros da
palavra e transmitiram os acontecimentos. Referia-se aos apóstolos da primeira
hora. Considerando que Lucas era estrangeiro; que escreveu o seu evangelho mais
de vinte anos depois da crucifixão de Jesus; que não conheceu o profeta pessoalmente;
conclui-se pela fraca credibilidade da sua narrativa. Mateus copiou o evangelho
de Marcos; Lucas copiou os evangelhos de Marcos e de Mateus. Os três evangelhos
são conhecidos como sinóticos em
virtude da semelhança entre eles. Imitar e copiar idéias, obras e instituições
alheias era costume arraigado na cultura hebraica.
Lucas narra: o nascimento
milagroso de João e de Jesus; a visita de Maria (grávida de Jesus) a Isabel
(grávida de João); a circuncisão do menino por exigência da lei de Moisés; a
consagração do menino a deus; a presença do menino com 12 anos de idade no
templo de Jerusalém durante a páscoa a ouvir e interrogar os doutores; a
pregação de João Batista; a genealogia de Jesus; a tentação no deserto; a
rejeição de Jesus por seus conterrâneos; as diversas curas; a pesca milagrosa;
o sermão da montanha; a troca de mensagens entre João Batista e Jesus; as
andanças pelo território palestino acompanhado de mulheres; o perdão concedido
à mulher pecadora que, ao saber da presença de Jesus na casa de um fariseu,
para lá se dirigiu com um vaso de alabastro cheio de perfume, prostrou-se aos
pés do profeta, lavou-os com suas lágrimas, enxugava-as com os cabelos, beijava
os pés do mestre e os ungia com perfume. Lucas menciona a seleção de 72
discípulos com a missão de: precederem o profeta em todos os lugares por onde
ele teria de passar; anunciarem a vinda do reino de Deus; curarem os enfermos. Cita
o acontecido na aldeia de Betânia, na casa das irmãs Marta e Maria: enquanto
Marta cuidava dos afazeres domésticos, Maria colocou-se aos pés de Jesus para
ouvi-lo e com ele flertar; enciumada, Marta protestou; Jesus a admoestou. O
mestre ensina a orar. Durante o jantar em casa de um fariseu ele critica os
fariseus {ignorou as normas do hóspede bem educado e o ditado popular: não se fala de corda em casa de enforcado}.
Lucas informa sobre: a ameaça de Herodes e a insistência de Jesus em prosseguir
viagem; a hospedagem de Jesus na casa de Zaqueu, em Jericó; a lição sobre
humildade; a assertiva sobre o reino de Deus (não virá de um modo ostensivo,
nem se dirá ei-lo aqui ou ei-lo ali, pois o reino de Deus já está no meio de
vós). No episódio da
aparição depois da suposta morte na cruz, Lucas diz que os apóstolos ficaram
espantados e perturbados, pensando ver um espírito e que Jesus os censura,
mostrando estar ali em carne e osso; o profeta pede algo para comer e afirma
que permanecerá na cidade até que eles fossem revestidos da força do alto.
Há divergência quanto à
ascensão. Lucas diz que Jesus levou os apóstolos a Betânia, os abençoou, deles
separou-se e foi arrebatado ao céu. Marcos não menciona lugar algum: depois
que o Senhor Jesus lhes falou, foi levado ao céu e está sentado à direita de
Deus. Mateus nada menciona. Limita-se a informar que a reunião foi na
Galiléia {Betânia fica na Judéia}. O evangelista João também silencia a esse respeito
e diz que os discípulos estavam reunidos no mesmo dia da ressurreição quando
Jesus veio, saudou-os e soprou sobre eles dizendo: recebei o espírito santo;
aqueles a quem perdoares os pecados, ser-lhes-ão perdoados, aqueles a quem os
retiverdes, ser-lhes-ão retidos. Se a ascensão tivesse ocorrido de fato, Mateus
e João, apóstolos da primeira hora, não deixariam passar in albis evento de tal magnitude. Ambos encerram seus evangelhos
sem falar sobre o destino de Jesus.
Dos 12 apóstolos, João era o
mais novo em idade. Ele
foi pintado por Leonardo da Vinci no mural da última ceia como um adolescente
imberbe. João se refere a si mesmo como o discípulo que Jesus amava. É possível
que João, por ser muito jovem, recebesse um carinho especial do mestre sem que
isto tipificasse pedofilia. O seu evangelho difere dos outros, inclusive pela
forma entusiástica de tratar o mestre a quem galardoa com o título de divino. João ditou o seu evangelho aos
80 anos de idade, aproximadamente. Não se descarta a hipótese de a senectude ter
afetado as suas idéias, recordações e sentimentos. O seu livro “Apocalipse”
parece obra de alguém mentalmente desequilibrado. A “linguagem simbólica”
referida por seus defensores na verdade é linguagem de pessoa sem domínio das
suas faculdades mentais. No prólogo do seu evangelho, João declara que Jesus é
o verbo e que o verbo é deus e que ninguém jamais viu deus {o que faz da visão
de deus por Moisés uma balela}. João silencia sobre o nascimento, infância e
juventude de Jesus. Discorre sobre João Batista e o batismo de Jesus adulto.
Menciona os primeiros discípulos indicados por João Batista e admitidos por
Jesus.
João narra: (1) o primeiro
milagre ocorrido em uma festa de casamento na aldeia de Cana, situada na
Galiléia, em que o profeta transforma água em vinho; (2) a conversa do profeta
com Nicodemos, príncipe judeu, sobre o renascer da água e do espírito para
entrar no reino de deus; (3) o episódio da mulher que deu água a Jesus quando
ele passava pelo território da Samária e descansava sozinho próximo a um poço
na aldeia de Sicar {os companheiros que serviam água e comida ao mestre tinham
ido à cidade comprar mantimentos; João não esclarece como Jesus agradeceu: se piscou
um olho para a samaritana, ou se a beijou na testa, ou a abraçou, ou usou
apenas a palavra; o evangelista diz apenas que, ao regressarem das compras, os
companheiros interpelaram Jesus que respondeu: tenho um alimento para comer que vós não conheceis e resolveu ficar
dois dias na aldeia samaritana onde comeu e foi bem tratado}; (4) a pregação na
Samária; (5) as diversas curas realizadas; (6) o discurso em que Jesus diz aos judeus
que fala e age em nome de deus; (7) a festa religiosa em Jerusalém quando o mestre
dá lições no templo, é questionado pelos judeus e sofre ameaça de prisão e
morte; (8) o julgamento da mulher adúltera: quem de vós estiver sem pecado,
seja o primeiro a lhe atirar uma pedra {o adultério era punido com a morte por apedrejamento,
segundo a lei dos hebreus e continua a ser segundo a lei dos maometanos}; (9) as
fugas de Jesus após debater com os judeus e sofrer tentativas de apedrejamento
por causa das suas idéias e de afirmações como estas: eu sou a luz do mundo,
aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida; eu sou o bom
pastor, se permanecerdes na minha palavra sereis meus verdadeiros discípulos,
conhecereis a verdade e a verdade vos livrará; o pão de deus é o pão que desce
do céu e dá vida ao mundo; eu sou o pão da vida; (10) a parábola do bom pastor; (11) a ressurreição de Lázaro;
(12) a intenção do Grande Conselho Judaico de prender e matar Jesus; (13) a
cena em que Maria
lava os pés de Jesus com nardo e Judas Iscariotes protesta alegando desperdício;
(14) a entrada de Jesus em Jerusalém para a páscoa; (15) a lavagem dos pés dos
discípulos pelo mestre; (16) a vinda do Paráclito (espírito santo) e a
recepção pelos apóstolos; (17) prisão, julgamento, crucifixão, sepultamento e
ressurreição de Jesus; (18) aparição a Maria Madalena e aos discípulos; (19) a
incredulidade do apóstolo Tomé; (20) a aparição junto ao lago de Tiberíades; (21)
a pesca milagrosa e a reunião com os discípulos.
Segundo João, ao notar inveja e
competição entre os apóstolos, Jesus lhes deu novo e específico mandamento: amai-vos uns aos outros. João revela
ódio ao mundo material. Espicaçado pelo ciúme, João não esconde o seu ódio por
Judas, único judeu do colégio apostólico. Judas era alvo da atenção e da
confiança de Jesus. Exercia a função de tesoureiro da comunidade. A se
acreditar em João, ter-se-ia de admitir falsidade e teatralidade na atitude de Jesus.
Durante a ceia, Jesus embebe pedaço de pão no vinho e dá a Judas. Depois da
ceia, Jesus ordena a Judas que faça o que tinha de fazer. Isto indica prévio
acordo entre os dois. Os outros evangelistas narram o episódio de forma singela
e diferente, sem a carga temperamental colocada por João.
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