segunda-feira, 14 de abril de 2014

O GOLPE



Amiga residente em Campinas, valendo-se da rede de computadores, repassa artigo do jornalista Alexandre Garcia sobre o golpe de 1964, que ora comento.
Decorreram 50 anos! O golpe se consumou em 1º de abril, dia da mentira, quando os militares tomaram o poder. Para evitar zombaria, os golpistas resolveram fixar a data em 31 de março. O jornalista se equivoca quando diz que não há heróis na guerra. Há combatentes de ambos os lados que se destacam dos companheiros pela coragem em situações de excepcional perigo; homens e mulheres que perdem a vida ou se arriscam a perdê-la por um ideal, por um mundo melhor, por liberdade, por independência, por amor à pátria. Há heróis brasileiros e heróis paraguaios. Há heróis franceses e heróis alemães. Há heróis conhecidos e heróis desconhecidos. Quiçá por disposição genética, o homem do tipo covarde é incapaz de heroísmo. Daí a incapacidade da sua mente de perceber a existência de heróis. Atos heróicos na guerra se lhe afiguram impossíveis.
Quanto aos militares, cujos coturnos o jornalista lustra com sua língua, convém trazer o testemunho da história. As forças armadas que merecem o nosso respeito são aquelas que: (I) no período de 1851 a 1872 defenderam a pátria sucessivamente contra os governos hostis do Uruguai, da Argentina e do Paraguai; (II) na segunda guerra mundial lutaram na Itália cooperando com as nações aliadas em defesa da democracia; (III) em 1945, no Brasil, apoiaram a transição da autocracia para a democracia; (IV) em 1955, lutaram para assegurar a posse e o mandato de Juscelino Kubitschek, eleito presidente da república pelo voto popular; (V) a partir de 1988, garantem os poderes constitucionais, a lei, a ordem e a integridade do território nacional. 
As forças armadas que merecem o nosso repúdio são aquelas que: (I) derrubaram os governos legítimos de Pedro II, em 1889 e de João Goulart, em 1964; (II) permaneceram no governo a partir de 1968 até 1985, instaurando um período tenebroso no qual não estavam a serviço dos brasileiros e sim do governo dos EUA e das empresas multinacionais. Isto impediu que a nação brasileira assumisse posição livre e soberana frente ao problema da guerra fria entre EUA e URSS. O governo brasileiro atuou como vira-lata submisso, sem dignidade, incapaz de tomar decisões sem o aval do governo estadunidense.
Em agosto de 1961, os perdedores do pleito eleitoral viram na renúncia do presidente Jânio Quadros a oportunidade para o golpe de estado. Nos termos da Constituição, João Goulart (JG), vice-presidente da república, devia assumir o governo. Oposição civil e militar taxou-o de comunista, embora isto não se afinasse com o seu status de latifundiário no rincão gaúcho. Homem rico, bem educado e cordial, JG estava mais para populista do que para comunista. Lideranças civis e militares, instigadas por agentes do governo dos EUA, resistiam à posse de JG na presidência da república. Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná se uniram em favor da legalidade. São Paulo, Guanabara e Minas Gerais se uniram em favor do rompimento da legalidade. A fim de apaziguar os ânimos e evitar guerra intestina, o Congresso Nacional implantou o parlamentarismo (1961). A chefia de estado coube ao presidente JG. A chefia de governo coube ao gabinete de ministros. O parlamentarismo durou dois anos e três gabinetes (Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima).
A nação estava inquieta desde a renúncia de Jânio. Trabalhadores rurais, organizados em ligas camponesas distribuídas por vários estados, enfrentaram a força pública e a resistência dos fazendeiros. Pleiteavam reforma agrária, lei trabalhista própria e direito à livre organização. Desse pleito coletivo resultou o Estatuto do Trabalhador Rural, que incluía o direito de organizar sindicatos rurais (1963). Consultado mediante referendo, o eleitor brasileiro rejeitou o parlamentarismo. Restabelecido o presidencialismo, JG lança o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, elaborado sob a direção de Celso Furtado, visando ao crescimento da economia com decréscimo da inflação. O Congresso Nacional resistiu ao plano a fim de não aumentar o prestígio do presidente e do seu partido (PTB). JG, então, aproxima-se das organizações sociais de esquerda que pleiteavam nova Constituição. A direita oposicionista reagiu. O Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e os governos de São Paulo, Guanabara e Minas Gerais recebem ajuda dos EUA para derrubar o governo Goulart. O governo daquele país discordava das medidas nacionalistas tomadas por JG (restrição à remessa de lucros, nacionalização das empresas de comunicação social, revisão das concessões para exploração de minas) e suspendeu a ajuda que prestava ao Brasil. Isto repercutiu na balança comercial. Houve aumento do custo de vida e da dívida pública. A inflação chegou a 74%. (1963).
As camadas média e alta da sociedade brasileira foram arregimentadas pelos oposicionistas para manifestação de rua contra o comunismo apelidada de Marcha da Família com Deus pela Liberdade, amplamente apoiada pela Igreja Católica, pela Grande Imprensa, pelo PSD e pela UDN (1964). Os organizadores da espetacular passeata associaram maliciosamente o governo federal ao comunismo. Exploraram a fé dos católicos, ludibriando-os. Pintaram o grupo de comunistas como se fosse um exército diabólico pronto a tirar a vida, a liberdade e os bens dos brasileiros. Os comunistas eram descritos como antropófagos que tinham o hábito de comer criancinhas. JG foi acusado de pretender bolchevizar ou cubanizar o país e instituir uma república sindicalista. A direita conservadora e golpista utilizou o comunismo como argumento para justificar o golpe de estado. Em defesa do governo constitucional de JG, dissidentes do PSD e da UDN (democratas, liberais) uniram-se a parlamentares do PTB e do PSB e formaram a Frente Parlamentar Nacionalista com apoio da União Nacional dos Estudantes e da Confederação Geral dos Trabalhadores.
No comício de 13 de março de 1964, que reuniu centenas de milhares de pessoas nas imediações da estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, JG lançou o programa das reformas de base (rural, urbana, encampação de refinarias, direito de voto aos analfabetos, delegação legislativa). JG também discursou na Associação dos Sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro, censurando as elites e os oficiais da Marinha (30/03/64). Militares de alta patente, políticos e personalidades da sociedade civil, instruídos e financiados pelo governo dos EUA, conspiravam para depor o presidente. Aquele agressivo discurso presidencial desencadeou a ação dos conspiradores. JG retira-se do governo. Em Porto Alegre, ele desaprova a resistência armada sugerida por Leonel Brizola. Evitou derramamento de sangue. As rédeas do estado brasileiro passaram às mãos dos militares com o aplauso de uma parcela da população e a perplexidade da outra (1º/04/64).
Tão logo normalizada a situação, o comando do país devia retornar aos civis, o que não aconteceu. Os militares tomaram gosto pela presidência. Eles expediram o ato institucional nº5, em 1968, e ficaram no poder até 1985. Parcela da nação mostrou inconformismo. No tendencioso e bajulador artigo acima referido, o jornalista afirma que os rebeldes (então chamados de subversivos) pretendiam implantar o comunismo nos moldes cubanos. Trata-se de ladainha castrense. No tenebroso período de 1968 a 1985, a resistência civil ao regime autocrático tinha o propósito de restabelecer a democracia e respirar o ar da liberdade. A cor ideológica era secundária. A resistência civil era integrada por liberais, socialistas e comunistas, por pessoas da direita, do centro e da esquerda do espectro político, por sindicatos e estudantes. Arrependidas pelo apoio que deram ao golpe, a igreja católica e a pequena imprensa aderiram à resistência civil. Durante a perseguição política empreendida pelo governo autocrático, civis, militares e sacerdotes foram torturados, perderam a vida, a liberdade, os bens, os empregos, as patentes e as graduações. Rádio, teatro, cinema, televisão, jornais, revistas, livros, toda essa produção estava sob censura oficial. Os militares montaram um estado hostil à classe política, aos intelectuais de esquerda e aos direitos humanos. O braço armado da resistência civil era composto de um punhado de extremistas impacientes. Nos confrontos armados houve morte de ambos os lados. Os civis foram derrotados tendo em vista o reduzido efetivo, a insuficiência logística e a falta de eficaz apoio da sociedade. A maioria dos resistentes desaprovava a ação violenta e se valeu de métodos persuasivos pacíficos. Os militares acenaram com a distensão lenta e gradual, o que realmente aconteceu.
O bajulador artigo do jornalista parece ensaio de um novo golpe. A empresa jornalística para a qual ele trabalha cresceu e se fortaleceu protegida pela ditadura. No Brasil, o sucesso dos partidos de esquerda e de centro causa desespero aos partidos da direita. Durante o governo de Fernando Henrique (“ele é um dos nossos” disse o general Figueiredo) a direita esteve no poder e deixou de atender os aposentados, os idosos, os trabalhadores e os pobres em geral. Escarneceu dessa camada da população e governou para os ricos e para a canalha incrustada no palácio. A maioria dos eleitores brasileiros é de gente pobre. Os governos de Luiz Inácio e Dilma Rousseff atenderam a esse vasto setor da nação brasileira. Hoje em dia, gente pobre viaja de avião e de ônibus com seus próprios recursos. O acesso à casa própria tornou-se uma realidade para a população de baixa renda. O direito à moradia deixou de ser apenas uma norma programática da Constituição. As famílias mais pobres recebem auxílio em pecúnia e em cestas básicas e são atendidas por médicos brasileiros e estrangeiros contratados pelo governo. A energia elétrica chegou aos lares pobres e longínquos. Isto demonstra que o Brasil não precisa copiar o regime cubano, chinês ou qualquer outro; que é possível praticar justiça social dentro dos parâmetros estabelecidos na vigente Constituição.
A simpatia entre Brasil e Cuba decorre – não da forma de governo que adotam – e sim da justiça social que praticam. O sistema constitucional brasileiro é diferente do cubano. Apesar da diferença, há respeito mútuo fundado nos princípios da fraternidade universal, da autodeterminação dos povos e da igualdade entre os estados da comunidade internacional. Brasil para os brasileiros e Cuba para os cubanos, em paz, amor e prosperidade, sem promiscuidade. No Brasil, o carcomido governo aristocrático transitou para o novo governo democrático, o que desagrada certa elite. 
Quanto ao item corrupção, falta autoridade moral aos oposicionistas para criticar a situação atual. No governo aristocrático de Fernando Henrique a roubalheira foi astronômica e ficou impune. No governo democrático de Dilma Rousseff as ilegalidades são apuradas e as penalidades aplicadas aos culpados. Tudo isto e mais o bom desempenho da economia reduz a possibilidade de a direita oposicionista, ladra e conservadora, conquistar o governo federal pelo voto popular. Então – e como sempre – a direita tenta o golpe, busca apoio dos militares e tem ao seu lado a Grande Imprensa com os seus jornalistas e economistas amestrados a tergiversar e a fazer previsões catastróficas para aterrorizar a nação.  

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