Comissão. Em programa de TV houve estranheza
pelo alto valor pago na compra de jogador desproporcional ao seu fraco
desempenho em campo.
Trata-se de negócio em que o lado esportivo é secundário. Operação
camuflada de transferência do dinheiro do clube para cofres particulares.
Quanto maior o valor da negociação, maior a comissão recebida pelos dirigentes
dos clubes e corretores. No setor público também é assim. No tempo de Delfim
Neto no ministério da economia, a imprensa francesa noticiou os 10% destinados
aos agentes do governo que tinham de ser contabilizados pelos empresários
franceses nos negócios com o Brasil. No governo Collor, a imprensa brasileira
noticiou que essa comissão chegava a 20%. O fato é que antes e depois de
Delfim, sempre houve superfaturamento para compensar as comissões. Sobre
negócios de milhões ou bilhões de reais a comissão é enorme. Fetiche da palavra. Quando narradores das
emissoras de TV gostam do nome de um jogador ou aprendem a pronunciar o nome de
um estrangeiro, abracadabra: a magia da palavra faz do bom jogador um excelente
jogador com o seu nome repetido várias vezes até quando ele não participa da
jogada. Sobre o erro do jogador verbosamente amado, o narrador silencia ou
justifica carinhosamente. Quando o erro é de um menosprezado jogador, o
narrador e o comentarista o enfatizam e o recriminam. Jornalistas imitam a
pronúncia inglesa de palavras latinas. Dizem, por exemplo: niu orlins, ao invés de nova orleans; passadina ao invés de
passadena. Macaquice brasileira. Paul
Breitner, ex-jogador da seleção alemã, entrevistado no canal 30 (ESPN, abril, 2013)
disse que os jogadores de uma seleção devem ter menos de 30 anos para suportar
o esforço exigido na disputa da copa mundial. O alemão apostou na mentalidade colonizada
de parcela da população brasileira na expectativa de sua opinião ser acatada
sem exame. Certamente, esperava que jogadores veteranos de excelente nível
técnico não fossem convocados para a seleção brasileira. Isto facilitaria a atuação
da seleção alemã caso as duas se enfrentassem na copa. Parece que a esperteza
do alemão frutificou. Breitner mostrou-se despeitado diante da virtuosidade dos
jogadores brasileiros ao afirmar que os alemães são objetivos e jogam para
vencer e não para fazer bonito. Ele não sabia ou esqueceu: (1) que a seleção
vencedora das copas de 1958, 1962 e 1970 jogava bonito e nela havia jogadores
veteranos; (2) que em 1958 o moral da equipe foi levantado pelo veterano e
genial Didi, em torno de quem os mais jovens se aglutinaram no momento de
consternação quando, na partida final, a seleção sofreu gol e ficou atrás no
placar; (3) que na seleção vencedora da copa de 1994 os veteranos Bebeto,
Branco e Romário foram decisivos enquanto o jovem e habilidoso Ronaldo Nazário a
tudo assistiu do banco de reservas; (4) que apesar da alegada “falta de
objetividade dos jogadores” a seleção brasileira venceu mais copas do que a pragmática
seleção alemã; (5) que a vitória é facilitada pela boa forma física, técnica e
psicológica aliada à experiência dos jogadores. Raciocínio + intuição. Como pessoas adultas e saudáveis, os treinadores
e jogadores tanto são cerebrinos como intuitivos. Na função de estrategista, o treinador
serve-se mais da razão do que da intuição, ocupa-se com a estrutura e a dinâmica
da equipe, com a boa forma dos jogadores, examina as circunstâncias do jogo
(adversário, campo, torcida, clima). No futebol europeu, há treinadores
refratários ao drible; colocam cabresto no jogador: “futebol é esporte coletivo
incompatível com individualismo”. Dribladores como Felipe Coutinho, Lucas,
Neymar, Robinho, perdem o brilho nas equipes européias por esse motivo. A virtude
do driblador arrefece quando ele abdica da intuição e da espontaneidade para
ser prioritariamente cerebrino. Busco exemplo estrangeiro para não ficar só no
brasileiro. Solto em campo, com seus dribles e gols (inclusive de mão) Maradona
ajudou a classificar a seleção argentina nas copas de 1986 e 1990. No México, partida
final, a seleção argentina vencia (2x0); a alemã empatou (2x2). Maradona ficou
desolado. A seleção argentina desempatou na bacia das almas. Na Itália, partida
final, novamente Maradona não consegue pleno êxito. Desta vez, a seleção alemã
venceu a copa. Nas partidas finais daquelas duas copas, nenhum gol de Maradona,
cujos dribles foram neutralizados por desarmes. Ele perdera a espontaneidade e
a tranqüilidade. Preocupado em ser campeão e manter a fama, ficou mais
cerebrino do que intuitivo. A cabeça travou os pés. O driblador como Garrincha –
para citar apenas o exemplo mais eloqüente – reúne em sua pessoa: intuição, espontaneidade,
alegria e capacidade de improvisar. O brilho de Garrincha no auge de sua forma
física não seria o mesmo se ele jogasse em equipes européias e tivesse que se
amoldar ao cabresto. Impossível ao treinador prever tudo o que ocorrerá em uma
partida. Diante do imprevisto cresce a importância do jogador intuitivo e
criativo dentro do campo. Isto não significa que o jogador intuitivo não seja
também cerebrino. Significa apenas que em decorrência das peculiares aptidões
do jogador, nele a intuição é mais aguda. Os defensores e os armadores são mais
cerebrinos do que intuitivos tendo em vista a sua função específica dentro da
equipe que deles exige mais o raciocínio do que a intuição. A arte deles é opaca:
a eficiência sombreia a beleza. Basta lembrar os cerebrinos Bellini, Cafu, Carlos
Alberto, Clodoaldo, Djalma Santos, Domingos da Guia, Falcão, Gerson, Júnior,
Luis Pereira, Nilton Santos, Roberto Carlos, Thiago Silva (ordem alfabética). E
aqui não se está a falar do cultivado raciocínio próprio do filósofo, do
cientista, do matemático, do intelectual, e sim do raciocínio simples do homem
comum e sensato que conhece o seu ofício. O jogador cerebrino e habilidoso
executa passes oportunos e inesperados, combina com seus companheiros maneira de
furar bloqueio e forma de cercear, desarmar e desanimar o adversário. Acertos e erros. Gols perdidos por jogadores
de equipes européias e americanas tem sido uma festa! As finalizações são ruins;
algumas, escandalosas. Na equipe francesa (Paris Saint-Germain) o brasileiro
Lucas foi criticado por Ibrahimovic. O roto a criticar o rasgado. Ambos acertam
e erram passes e chutes a gols. O brasileiro é melhor driblador do que o sueco,
mas sua vocação é sufocada a fim de servir os companheiros no esquema elaborado
por um treinador que não gosta do drible. A radical mentalidade coletivista dos
treinadores europeus abomina a jogada individual; vê o drible como falta de
seriedade, extravagância, divertimento egoístico do jogador. Esse tipo de
treinador valoriza apenas o desarme, o passe e a artilharia; não sabe explorar o
potencial do bom driblador. Do último quartel do século XX em diante, nota-se jogadores
europeus driblando com mais freqüência, fazendo gols em cobrança de faltas, amortecendo
bolas nos pés com destreza, acertando passes de longa distância. Marcação cerrada. Jogadores como C.Ronaldo,
Messi, Neymar, Rooney, são criticados quando atuam abaixo do seu potencial.
Acontece que o decréscimo no rendimento decorre muitas vezes da falta de boa
assistência dos companheiros, ou da marcação cerrada, estratégia utilizada pela
equipe adversária. Os jogadores ficam cercados por três e até quatro
adversários. Há treinadores que determinam esse tipo de marcação tendo em vista
a virtuosidade do adversário. Geralmente, eles mandam cercar o jogador adversário
responsável pelo setor de armação, mas também recomendam assediar o atacante
talentoso. Intensamente assediado, o jogador tem maior dificuldade para exercer
a sua função. Genialidade. Na copa
de 2014 provavelmente não veremos jogadores geniais. Certamente veremos bons
jogadores como C.Ronaldo, Iniesta, Mario Götze, Messi, Neymar, Pirlo, Ribèry, Robben.
Gênio não é uva que dá em
cachos. Nem todo goleador e driblador é gênio; nem todo gênio
é driblador e goleador. Além de dominar os fundamentos do esporte, o gênio se
caracteriza por sua índole especial, por seu carisma e poder criativo, por sua
lucidez na ação e na visão de jogo (inteligência lúdica), por equilibrar o individual
e o coletivo, elegância e eficiência. Fato único na história do futebol mundial
aconteceu nas copas de 1958 e 1962: seleção reunir três gênios em seu elenco. A
façanha foi da seleção brasileira com Didi, Garrincha e Pelé. Depois, surgiram
apenas dois gênios: Romário (1994) e Ronaldo Gaúcho (2002). O primeiro
aposentou as chuteiras e o segundo joga em clube mineiro (2014). Luto. Luciano do Valle. Paixão pelo
esporte. Narrador incomparável. Profissional excelente.
domingo, 27 de abril de 2014
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