domingo, 27 de abril de 2014

FUTEBOL



Comissão.  Em programa de TV houve estranheza pelo alto valor pago na compra de jogador desproporcional ao seu fraco desempenho em campo. Trata-se de negócio em que o lado esportivo é secundário. Operação camuflada de transferência do dinheiro do clube para cofres particulares. Quanto maior o valor da negociação, maior a comissão recebida pelos dirigentes dos clubes e corretores. No setor público também é assim. No tempo de Delfim Neto no ministério da economia, a imprensa francesa noticiou os 10% destinados aos agentes do governo que tinham de ser contabilizados pelos empresários franceses nos negócios com o Brasil. No governo Collor, a imprensa brasileira noticiou que essa comissão chegava a 20%. O fato é que antes e depois de Delfim, sempre houve superfaturamento para compensar as comissões. Sobre negócios de milhões ou bilhões de reais a comissão é enorme. Fetiche da palavra. Quando narradores das emissoras de TV gostam do nome de um jogador ou aprendem a pronunciar o nome de um estrangeiro, abracadabra: a magia da palavra faz do bom jogador um excelente jogador com o seu nome repetido várias vezes até quando ele não participa da jogada. Sobre o erro do jogador verbosamente amado, o narrador silencia ou justifica carinhosamente. Quando o erro é de um menosprezado jogador, o narrador e o comentarista o enfatizam e o recriminam. Jornalistas imitam a pronúncia inglesa de palavras latinas. Dizem, por exemplo: niu orlins, ao invés de nova orleans; passadina ao invés de passadena. Macaquice brasileira. Paul Breitner, ex-jogador da seleção alemã, entrevistado no canal 30 (ESPN, abril, 2013) disse que os jogadores de uma seleção devem ter menos de 30 anos para suportar o esforço exigido na disputa da copa mundial. O alemão apostou na mentalidade colonizada de parcela da população brasileira na expectativa de sua opinião ser acatada sem exame. Certamente, esperava que jogadores veteranos de excelente nível técnico não fossem convocados para a seleção brasileira. Isto facilitaria a atuação da seleção alemã caso as duas se enfrentassem na copa. Parece que a esperteza do alemão frutificou. Breitner mostrou-se despeitado diante da virtuosidade dos jogadores brasileiros ao afirmar que os alemães são objetivos e jogam para vencer e não para fazer bonito. Ele não sabia ou esqueceu: (1) que a seleção vencedora das copas de 1958, 1962 e 1970 jogava bonito e nela havia jogadores veteranos; (2) que em 1958 o moral da equipe foi levantado pelo veterano e genial Didi, em torno de quem os mais jovens se aglutinaram no momento de consternação quando, na partida final, a seleção sofreu gol e ficou atrás no placar; (3) que na seleção vencedora da copa de 1994 os veteranos Bebeto, Branco e Romário foram decisivos enquanto o jovem e habilidoso Ronaldo Nazário a tudo assistiu do banco de reservas; (4) que apesar da alegada “falta de objetividade dos jogadores” a seleção brasileira venceu mais copas do que a pragmática seleção alemã; (5) que a vitória é facilitada pela boa forma física, técnica e psicológica aliada à experiência dos jogadores. Raciocínio + intuição. Como pessoas adultas e saudáveis, os treinadores e jogadores tanto são cerebrinos como intuitivos. Na função de estrategista, o treinador serve-se mais da razão do que da intuição, ocupa-se com a estrutura e a dinâmica da equipe, com a boa forma dos jogadores, examina as circunstâncias do jogo (adversário, campo, torcida, clima). No futebol europeu, há treinadores refratários ao drible; colocam cabresto no jogador: “futebol é esporte coletivo incompatível com individualismo”. Dribladores como Felipe Coutinho, Lucas, Neymar, Robinho, perdem o brilho nas equipes européias por esse motivo. A virtude do driblador arrefece quando ele abdica da intuição e da espontaneidade para ser prioritariamente cerebrino. Busco exemplo estrangeiro para não ficar só no brasileiro. Solto em campo, com seus dribles e gols (inclusive de mão) Maradona ajudou a classificar a seleção argentina nas copas de 1986 e 1990. No México, partida final, a seleção argentina vencia (2x0); a alemã empatou (2x2). Maradona ficou desolado. A seleção argentina desempatou na bacia das almas. Na Itália, partida final, novamente Maradona não consegue pleno êxito. Desta vez, a seleção alemã venceu a copa. Nas partidas finais daquelas duas copas, nenhum gol de Maradona, cujos dribles foram neutralizados por desarmes. Ele perdera a espontaneidade e a tranqüilidade. Preocupado em ser campeão e manter a fama, ficou mais cerebrino do que intuitivo. A cabeça travou os pés. O driblador como Garrincha – para citar apenas o exemplo mais eloqüente – reúne em sua pessoa: intuição, espontaneidade, alegria e capacidade de improvisar. O brilho de Garrincha no auge de sua forma física não seria o mesmo se ele jogasse em equipes européias e tivesse que se amoldar ao cabresto. Impossível ao treinador prever tudo o que ocorrerá em uma partida. Diante do imprevisto cresce a importância do jogador intuitivo e criativo dentro do campo. Isto não significa que o jogador intuitivo não seja também cerebrino. Significa apenas que em decorrência das peculiares aptidões do jogador, nele a intuição é mais aguda. Os defensores e os armadores são mais cerebrinos do que intuitivos tendo em vista a sua função específica dentro da equipe que deles exige mais o raciocínio do que a intuição. A arte deles é opaca: a eficiência sombreia a beleza. Basta lembrar os cerebrinos Bellini, Cafu, Carlos Alberto, Clodoaldo, Djalma Santos, Domingos da Guia, Falcão, Gerson, Júnior, Luis Pereira, Nilton Santos, Roberto Carlos, Thiago Silva (ordem alfabética). E aqui não se está a falar do cultivado raciocínio próprio do filósofo, do cientista, do matemático, do intelectual, e sim do raciocínio simples do homem comum e sensato que conhece o seu ofício. O jogador cerebrino e habilidoso executa passes oportunos e inesperados, combina com seus companheiros maneira de furar bloqueio e forma de cercear, desarmar e desanimar o adversário. Acertos e erros. Gols perdidos por jogadores de equipes européias e americanas tem sido uma festa! As finalizações são ruins; algumas, escandalosas. Na equipe francesa (Paris Saint-Germain) o brasileiro Lucas foi criticado por Ibrahimovic. O roto a criticar o rasgado. Ambos acertam e erram passes e chutes a gols. O brasileiro é melhor driblador do que o sueco, mas sua vocação é sufocada a fim de servir os companheiros no esquema elaborado por um treinador que não gosta do drible. A radical mentalidade coletivista dos treinadores europeus abomina a jogada individual; vê o drible como falta de seriedade, extravagância, divertimento egoístico do jogador. Esse tipo de treinador valoriza apenas o desarme, o passe e a artilharia; não sabe explorar o potencial do bom driblador. Do último quartel do século XX em diante, nota-se jogadores europeus driblando com mais freqüência, fazendo gols em cobrança de faltas, amortecendo bolas nos pés com destreza, acertando passes de longa distância. Marcação cerrada. Jogadores como C.Ronaldo, Messi, Neymar, Rooney, são criticados quando atuam abaixo do seu potencial. Acontece que o decréscimo no rendimento decorre muitas vezes da falta de boa assistência dos companheiros, ou da marcação cerrada, estratégia utilizada pela equipe adversária. Os jogadores ficam cercados por três e até quatro adversários. Há treinadores que determinam esse tipo de marcação tendo em vista a virtuosidade do adversário. Geralmente, eles mandam cercar o jogador adversário responsável pelo setor de armação, mas também recomendam assediar o atacante talentoso. Intensamente assediado, o jogador tem maior dificuldade para exercer a sua função. Genialidade. Na copa de 2014 provavelmente não veremos jogadores geniais. Certamente veremos bons jogadores como C.Ronaldo, Iniesta, Mario Götze, Messi, Neymar, Pirlo, Ribèry, Robben. Gênio não é uva que dá em cachos. Nem todo goleador e driblador é gênio; nem todo gênio é driblador e goleador. Além de dominar os fundamentos do esporte, o gênio se caracteriza por sua índole especial, por seu carisma e poder criativo, por sua lucidez na ação e na visão de jogo (inteligência lúdica), por equilibrar o individual e o coletivo, elegância e eficiência. Fato único na história do futebol mundial aconteceu nas copas de 1958 e 1962: seleção reunir três gênios em seu elenco. A façanha foi da seleção brasileira com Didi, Garrincha e Pelé. Depois, surgiram apenas dois gênios: Romário (1994) e Ronaldo Gaúcho (2002). O primeiro aposentou as chuteiras e o segundo joga em clube mineiro (2014). Luto. Luciano do Valle. Paixão pelo esporte. Narrador incomparável. Profissional excelente.

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