Europa. Cristianismo (continuação).
A autoridade do papa e o
crescimento da vida conventual (monastério) refletiram na produção filosófica
da Idade Média. A vida conventual era instituição cristã de caráter ascético.
Certamente, essa instituição não foi inspirada na vida de Jesus tendo em vista
que este profeta foi parcimonioso no ascetismo: jejuou no deserto apenas uma
vez; a sua reclusão para meditar e orar era de pouca duração; ele mantinha
relações íntimas com Maria Madalena e apesar de ser fisicamente feio cercava-se
de mulheres graças ao seu carisma; circulava pelas cidades e aldeias, falava em
público e em locais particulares. Destarte, a vida de clausura dos monges
divergia da animada vida social de Jesus. A vida monástica está ancorada em
motivos pessoais, tais como: (1) protestar contra a vida dissoluta do clero
secular; (2) mostrar ardor religioso mediante mortificação; (3) dar exemplo de
fé e piedade aos fiéis; (4) menosprezar a vida em sociedade, o luxo e a
riqueza; (5) exaltar a sublimidade da vida reclusa e da mística união com deus.
O mosteiro mais antigo foi
fundado por um cristão de nome Pacômio, no Egito, no século IV (301 a 400). O bispo Basílio,
da Capadócia, apoiou a idéia e baixou as seguintes normas para organizar a vida
monástica: (1) disciplina pelo trabalho útil; (2) mortificação moderada, sem
jejuns prolongados e sem lacerações da carne; (3) períodos de silenciosa
meditação e prece; (4) votos de pobreza e humildade. O modelo monástico para a
cristandade latina foi traçado por Bento, no século VI (501 a 600). Ele renunciou à
riqueza da sua família, tornou-se eremita aos 20 anos de idade e depois fundou
um mosteiro em
Monte Cassino. Bento estabeleceu as seguintes regras:
obediência, castidade, devoção religiosa, trabalho e voto de pobreza. Preconizou
um abade como diretor do mosteiro com ampla autoridade para disciplinar os
monges e gerenciar os assuntos espirituais e seculares. Do mosteiro de Cluny,
fundado em 910, irradiou-se a reforma monástica a partir de um novo princípio
de organização: abadia diretamente vinculada ao papa; a autoridade sobre os
mosteiros originados de Cluny compete ao abade; piedade e castidade reforçadas;
moderação em tudo; proteção dos mosteiros contra a corrupção {reação à
influência da aristocracia feudal}.
Os monges interferiam na
política, estimulavam a violência dos fiéis contra os hereges e pagãos e
descumpriam as regras sempre que lhes parecesse conveniente. Eles conquistaram
a fama de ser os melhores lavradores da Europa: reivindicavam terras incultas
além daquelas que lhes eram doadas, drenavam pântanos e estudavam formas de
melhorar o solo para plantio. Mostravam proficiência na tecelagem, no entalhe
da madeira, na fabricação do vidro e da cerveja. Havia entre eles copistas,
terapeutas, escritores, professores e filósofos. Copiavam textos antigos,
fundavam e mantinham escolas, bibliotecas e hospitais. Por viverem sob regras
próprias, os monges eram classificados como clero
regular. Os padres e bispos que sob regras gerais desempenhavam suas
funções junto ao público eram classificados como clero secular. Entre as duas classes do clero havia rivalidade e
censuras recíprocas. A vida conventual atraía pessoas que fugiam das
dificuldades sociais e econômicas. A moça de família nobre ou abastada
deflorada no estado de solteira abrigava-se no convento das freiras,
voluntariamente ou forçada pelos pais. Nos mosteiros, a santidade mesclava-se
com a corrupção e a hipocrisia; as relações homossexuais eram comuns e freqüentes.
Os monges heterossexuais transavam com mulheres do campo e da cidade (meninas,
moças e senhoras).
A igreja cristã incluiu na sua
ética as virtudes cardeais defendidas por filósofos gregos: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Além
destas, a igreja acrescentou as virtudes teologais citadas nas epístolas e
endossadas pelo Concílio de Trento: fé,
esperança e caridade. Com a reforma protestante a partir de 1517, iniciada
na Alemanha por Lutero, parte dos cristãos retornou à ética judia que
considerava o homem depravado e corrupto, a riqueza e a prosperidade bênçãos
divinas, o sábado sagrado. Os cristãos protestantes acataram as proibições do
Antigo Testamento considerado “palavra de deus” para reforçar sua autoridade e
supremacia. Na primeira fase da Idade Média havia superstição e credulidade em
grau superlativo. Estabeleceu-se o conflito entre fé e razão. Teologia e
filosofia confrontam-se. A filosofia bifurca-se em cristã e pagã. Os filósofos
cristãos dividem-se: de um lado, os defensores da primazia do dogma; de outro
lado, os defensores da razão como luz que ilumina as doutrinas da fé. Houve
tentativa de harmonizar o pensamento cristão com o pensamento pagão. Em face do
radicalismo das duas posições, o conflito se mantém vivo.
Entre os filósofos cristãos
defensores da primazia do dogma encontram-se: Tertuliano, sacerdote de Cartago,
Ambrósio, bispo de Milão, Jerônimo e o papa Gregório (201 a 600). Segundo essa
corrente filosófica, o cristianismo é
um sistema de leis sagradas aceito pela fé; o conhecimento intelectual merece
desprezo; os dogmas da fé não estão sujeitos à prova da razão; os súditos têm o
dever religioso de obedecer aos príncipes passivamente, sem críticas e sem
murmúrios. O papa Gregório transformou em convento o palácio que herdara do pai
e distribuiu o resto da rica herança aos pobres. Ele considerava a penitência
elemento essencial à remissão dos pecados e o purgatório o lugar de purificação
que antecede o ingresso no reino dos céus. Segundo tese delirante desse papa,
ao celebrar a missa, o sacerdote coopera com deus no milagre de renovar o
sacrifício de Jesus na cruz. Reagindo contra as heresias e os maus costumes na
igreja e na sociedade, Gregório esquece a sua própria heresia e escreve cartas
doutrinárias. Os seus ensinamentos teológicos primaram pelo simbolismo e negligenciaram
o lado histórico.
Clemente de Alexandria e Orígenes estão entre os
filósofos cristãos racionalistas (201
a 300). Ambos sofreram influência do neoplatonismo e do
gnosticismo {sofrer influência não significa aderir plenamente}. Na opinião
deles, os filósofos gregos anteciparam os ensinamentos de Jesus. O cristianismo
só tinha a ganhar harmonizando-se com a filosofia grega. A razão é a base
fundamental do conhecimento religioso e secular. O poder de deus é limitado por
sua bondade e sabedoria. {Deus limita a si próprio; logo, o rei também deve
limitar a si próprio e respeitar os direitos dos súditos}. Enquanto encarnado,
o homem modela o curso da sua vida mediante livre arbítrio. O universo não foi
criado em determinada época; o processo de criação é eterno {moto-contínuo}; as
velhas coisas são suplantadas pelas novas em uma infindável sucessão. Esses
dois filósofos deploravam o ascetismo extremo e a qualificação do casamento
como forma legalizada da concupiscência, pois viam no matrimônio um enlace sagrado
e necessário à sociedade e à perfeição do homem. Eles sustentavam que a punição
futura não tem conotação vingativa e sim o propósito de purificar os homens,
por isso mesmo, a punição no inferno não pode ser eterna e o mais infame dos
pecadores poderá ser redimido graças à bondade e à misericórdia de deus. {No
plano civil, essa doutrina corresponde à finalidade pedagógica da pena e à
política de recuperação social dos criminosos}. Segundo Orígenes, deus é
incorpóreo; a alma penetra no corpo por ocasião do nascimento; a Bíblia foi
divinamente inspirada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário