quarta-feira, 9 de abril de 2014

FILOSOFIA X - J



Europa. Cristianismo (continuação).

A autoridade do papa e o crescimento da vida conventual (monastério) refletiram na produção filosófica da Idade Média. A vida conventual era instituição cristã de caráter ascético. Certamente, essa instituição não foi inspirada na vida de Jesus tendo em vista que este profeta foi parcimonioso no ascetismo: jejuou no deserto apenas uma vez; a sua reclusão para meditar e orar era de pouca duração; ele mantinha relações íntimas com Maria Madalena e apesar de ser fisicamente feio cercava-se de mulheres graças ao seu carisma; circulava pelas cidades e aldeias, falava em público e em locais particulares. Destarte, a vida de clausura dos monges divergia da animada vida social de Jesus. A vida monástica está ancorada em motivos pessoais, tais como: (1) protestar contra a vida dissoluta do clero secular; (2) mostrar ardor religioso mediante mortificação; (3) dar exemplo de fé e piedade aos fiéis; (4) menosprezar a vida em sociedade, o luxo e a riqueza; (5) exaltar a sublimidade da vida reclusa e da mística união com deus.
O mosteiro mais antigo foi fundado por um cristão de nome Pacômio, no Egito, no século IV (301 a 400). O bispo Basílio, da Capadócia, apoiou a idéia e baixou as seguintes normas para organizar a vida monástica: (1) disciplina pelo trabalho útil; (2) mortificação moderada, sem jejuns prolongados e sem lacerações da carne; (3) períodos de silenciosa meditação e prece; (4) votos de pobreza e humildade. O modelo monástico para a cristandade latina foi traçado por Bento, no século VI (501 a 600). Ele renunciou à riqueza da sua família, tornou-se eremita aos 20 anos de idade e depois fundou um mosteiro em Monte Cassino. Bento estabeleceu as seguintes regras: obediência, castidade, devoção religiosa, trabalho e voto de pobreza. Preconizou um abade como diretor do mosteiro com ampla autoridade para disciplinar os monges e gerenciar os assuntos espirituais e seculares. Do mosteiro de Cluny, fundado em 910, irradiou-se a reforma monástica a partir de um novo princípio de organização: abadia diretamente vinculada ao papa; a autoridade sobre os mosteiros originados de Cluny compete ao abade; piedade e castidade reforçadas; moderação em tudo; proteção dos mosteiros contra a corrupção {reação à influência da aristocracia feudal}.
Os monges interferiam na política, estimulavam a violência dos fiéis contra os hereges e pagãos e descumpriam as regras sempre que lhes parecesse conveniente. Eles conquistaram a fama de ser os melhores lavradores da Europa: reivindicavam terras incultas além daquelas que lhes eram doadas, drenavam pântanos e estudavam formas de melhorar o solo para plantio. Mostravam proficiência na tecelagem, no entalhe da madeira, na fabricação do vidro e da cerveja. Havia entre eles copistas, terapeutas, escritores, professores e filósofos. Copiavam textos antigos, fundavam e mantinham escolas, bibliotecas e hospitais. Por viverem sob regras próprias, os monges eram classificados como clero regular. Os padres e bispos que sob regras gerais desempenhavam suas funções junto ao público eram classificados como clero secular. Entre as duas classes do clero havia rivalidade e censuras recíprocas. A vida conventual atraía pessoas que fugiam das dificuldades sociais e econômicas. A moça de família nobre ou abastada deflorada no estado de solteira abrigava-se no convento das freiras, voluntariamente ou forçada pelos pais. Nos mosteiros, a santidade mesclava-se com a corrupção e a hipocrisia; as relações homossexuais eram comuns e freqüentes. Os monges heterossexuais transavam com mulheres do campo e da cidade (meninas, moças e senhoras).
A igreja cristã incluiu na sua ética as virtudes cardeais defendidas por filósofos gregos: prudência, justiça, fortaleza e temperança. Além destas, a igreja acrescentou as virtudes teologais citadas nas epístolas e endossadas pelo Concílio de Trento: fé, esperança e caridade. Com a reforma protestante a partir de 1517, iniciada na Alemanha por Lutero, parte dos cristãos retornou à ética judia que considerava o homem depravado e corrupto, a riqueza e a prosperidade bênçãos divinas, o sábado sagrado. Os cristãos protestantes acataram as proibições do Antigo Testamento considerado “palavra de deus” para reforçar sua autoridade e supremacia. Na primeira fase da Idade Média havia superstição e credulidade em grau superlativo. Estabeleceu-se o conflito entre fé e razão. Teologia e filosofia confrontam-se. A filosofia bifurca-se em cristã e pagã. Os filósofos cristãos dividem-se: de um lado, os defensores da primazia do dogma; de outro lado, os defensores da razão como luz que ilumina as doutrinas da fé. Houve tentativa de harmonizar o pensamento cristão com o pensamento pagão. Em face do radicalismo das duas posições, o conflito se mantém vivo.
Entre os filósofos cristãos defensores da primazia do dogma encontram-se: Tertuliano, sacerdote de Cartago, Ambrósio, bispo de Milão, Jerônimo e o papa Gregório (201 a 600). Segundo essa corrente filosófica, o cristianismo é um sistema de leis sagradas aceito pela fé; o conhecimento intelectual merece desprezo; os dogmas da fé não estão sujeitos à prova da razão; os súditos têm o dever religioso de obedecer aos príncipes passivamente, sem críticas e sem murmúrios. O papa Gregório transformou em convento o palácio que herdara do pai e distribuiu o resto da rica herança aos pobres. Ele considerava a penitência elemento essencial à remissão dos pecados e o purgatório o lugar de purificação que antecede o ingresso no reino dos céus. Segundo tese delirante desse papa, ao celebrar a missa, o sacerdote coopera com deus no milagre de renovar o sacrifício de Jesus na cruz. Reagindo contra as heresias e os maus costumes na igreja e na sociedade, Gregório esquece a sua própria heresia e escreve cartas doutrinárias. Os seus ensinamentos teológicos primaram pelo simbolismo e negligenciaram o lado histórico.
Clemente de Alexandria e Orígenes estão entre os filósofos cristãos racionalistas (201 a 300). Ambos sofreram influência do neoplatonismo e do gnosticismo {sofrer influência não significa aderir plenamente}. Na opinião deles, os filósofos gregos anteciparam os ensinamentos de Jesus. O cristianismo só tinha a ganhar harmonizando-se com a filosofia grega. A razão é a base fundamental do conhecimento religioso e secular. O poder de deus é limitado por sua bondade e sabedoria. {Deus limita a si próprio; logo, o rei também deve limitar a si próprio e respeitar os direitos dos súditos}. Enquanto encarnado, o homem modela o curso da sua vida mediante livre arbítrio. O universo não foi criado em determinada época; o processo de criação é eterno {moto-contínuo}; as velhas coisas são suplantadas pelas novas em uma infindável sucessão. Esses dois filósofos deploravam o ascetismo extremo e a qualificação do casamento como forma legalizada da concupiscência, pois viam no matrimônio um enlace sagrado e necessário à sociedade e à perfeição do homem. Eles sustentavam que a punição futura não tem conotação vingativa e sim o propósito de purificar os homens, por isso mesmo, a punição no inferno não pode ser eterna e o mais infame dos pecadores poderá ser redimido graças à bondade e à misericórdia de deus. {No plano civil, essa doutrina corresponde à finalidade pedagógica da pena e à política de recuperação social dos criminosos}. Segundo Orígenes, deus é incorpóreo; a alma penetra no corpo por ocasião do nascimento; a Bíblia foi divinamente inspirada.

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