Causou celeuma a morte de um cinegrafista de emissora
de televisão no início de 2014. Durante manifestação de rua, o profissional se
colocou no meio do confronto entre populares e policiais e se feriu em
conseqüência de uma explosão. Os profissionais da imprensa se solidarizaram e
saíram à caça dos culpados com vasta cobertura pelas emissoras de televisão. Os
lançadores do artefato explosivo foram localizados, presos e indiciados em
inquérito policial. Notável a rapidez e a eficiência do aparelho estatal de
persecução criminal quando a imprensa está nos seus calcanhares. E nem se
tratava de crime doloso e sim de crime culposo: lesões corporais seguidas de
morte causadas por imprudência do agente. O indivíduo preso declarou que
recebia certa importância em dinheiro para participar de manifestações e fazer
barulho. Não havia o propósito de ferir ou matar. Ainda que não revele o nome
do mandante, esse indivíduo corre o risco de ser morto: queima de arquivo, no jargão policial. Estará ele protegido contra
esse risco? A brava e livre imprensa parece que perdeu o interesse após a
confissão do preso. Será que os jornalistas sentir-se-ão vingados se o
indiciado for morto?
A sociedade espera ser informada sobre o mandante que
paga os executores, fornece o material explosivo e o respectivo transporte. À
sociedade interessa saber não só a identidade do mandante, mas a sua motivação,
os nexos sociais e políticos. Parece que há gente graúda envolvida, ligada à
grande imprensa e a partido político de oposição ao governo federal. O
repentino desinteresse do jornalismo investigativo deve ser suprido pela ação
do ministério público e da instituição policial, se o tráfico de influência
permitir. Caso o fio da meada não tenha sido cortado, provavelmente virá à tona
coisa escabrosa. Grupos civis e militares apoiados pelos donos da grande
imprensa talvez estejam na origem desses movimentos como aconteceu em 1964. Não
se descarta a hipótese de o estímulo a tais movimentos partir dos meios de
comunicação social com o propósito de fabricar matéria e causar sensação.
Interessante seria saber o que o cinegrafista fazia
naquela posição suicida, além do intuito de registrar imagens. O primeiro
responsável por seu trágico destino pode ter sido ele próprio. A ânsia de sensacionalismo,
de se consagrar como herói, de se exibir ao público como profissional
destemido, tipo “Amaral Neto, O
repórter”, é nota constante na conduta dos jornalistas. Há inúmeros exemplos no
cotidiano do jornalismo no Brasil e no estrangeiro exibidos nos programas das
emissoras de televisão. Os repórteres não se limitam a mostrar e relatar; sem
necessidade alguma, colocam-se em situações de perigo apenas por vaidade.
Entrevistadores sombreiam e interrompem abrupta e deseducadamente os seus entrevistados, falam pelos cotovelos para expor
a própria opinião e exibir um verniz de cultura; às vezes, temperam matéria
insossa ou forçam o mudo a falar. O propósito do exibicionismo pode ser o de
conquistar algum prêmio concedido à categoria, expectativa sedutora, ambição
que leva o jornalista a inventar situações, a deformar e selecionar imagens e
mensagens a fim de causar impacto. Geralmente, a edição do noticiário favorece
os interesses do dono da empresa jornalística e do grupo econômico e político a
que pertence. No Brasil, a imprensa é livre, mas está longe da moderação, da imparcialidade e da
honestidade.
A manifestação de rua é forma popular de mostrar
descontentamento com os rumos da política e da economia, protestar coletiva e
publicamente e formular pretensões. A violência durante manifestação
originariamente pacífica é risco inerente a esse tipo de movimento. A
democracia convive com os riscos e se fortalece quando os supera. Os
sentimentos represados, as frustrações, a dura realidade para a maioria, o
maior proveito da produção nacional para a minoria, a desigual e injusta
distribuição da riqueza, o descaso dos governantes ante a penúria dos
governados, a parceria do setor público com o setor privado na desbragada
corrupção, tudo isto contribui para a erupção de forças irracionais
avassaladoras. A frio, raciocinar e julgar é fácil. No calor das emoções de um
movimento popular em via púbica, não se há de esperar raciocínio límpido e
contenção por freios morais ou religiosos. A busca de culpados nesse caso é
movida pelo sentimento de vingança. Nesse tipo de movimento todos os
participantes são inocentes e todos são culpados. A irresponsabilidade civil
individual é a regra; a responsabilidade, a exceção.
Cabe repressão ao abuso no exercício dos direitos. Há
de ser apurada, na forma da lei, a responsabilidade civil e penal de quem
provoca ou organiza movimento popular, ou de qualquer modo dele se aproveita,
com finalidade eleitoreira extemporânea, subversiva ou com o objetivo de
satisfazer interesse privado e egoístico. Os autores intelectuais devem ser
punidos com rigor maior do que o aplicado aos executores do plano ilícito. Em
um estado democrático de direito a liberdade há de ser vivenciada em sintonia
com os preceitos constitucionais e legais. Cidadão e autoridade se devem mútuo
respeito. O patrimônio público deve ser preservado tanto quanto o patrimônio
privado, nos termos da ordem jurídica vigente.
Na atual conjuntura em que parcela do povo se mostra
hostil a determinados veículos de comunicação social, as empresas jornalísticas
devem pagar aos seus empregados o adicional de periculosidade. A hostilidade a
repórteres de certa emissora de televisão é pública e notória. Há risco de vida
e de lesão corporal. As torres de transmissão e as instalações urbanas das
emissoras podem ser atacadas e destruídas. Há precedentes, como aquele motivado
pelo suicídio de Vargas em agosto de 1954, quando o alvo foram jornais de
oposição ao governo. Além dos danos materiais, poderá haver danos pessoais. A
empresa não sofrerá grande prejuízo porque as companhias de seguro a
indenizarão. Por sua vez, as seguradoras promoverão ação contra o estado para
se ressarcirem. Argumentarão com a falha na segurança pública. Dirão que o
estado não cumpriu o seu dever constitucional. A indenização sairá do erário. O
dinheiro do erário vem do bolso do contribuinte. No final da corrente, o povo
pagará o pato. O povo faz, o povo paga. Pois, é.
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