sexta-feira, 4 de abril de 2014

FILOSOFIA X - I



Europa. Cristianismo (continuação).

O movimento reformista gerador da nova seita judia cresceu e superou o judaísmo tradicional. Os distintos ingredientes da doutrina facilitaram sua aceitação e seu desenvolvimento em Roma e nas suas províncias. Além dos elementos judaicos (origem divina do mundo, pecado original, providência divina, decálogo) a nova seita, que recebeu o nome de cristã, apropriou-se das idéias e práticas pagãs. Efetivamente, adotou: (1) dos persas, o dualismo deus x satã; (2) dos gnósticos: a teoria do primeiro homem e do verbo encarnado; (3) do mitraísmo: a sagrada refeição do pão e vinho, o batismo, a água benta, os dias sagrados de domingo e 25 de dezembro, o nascimento do profeta em circunstâncias singulares; a visita dos magos; (4) dos antigos babilônios: o mito do nascimento virginal {o herói Gilgamesh nascera de uma virgem; aprisionada por seu pai, rei que não queria herdeiro para lhe disputar o trono, a virgem foi engravidada por um raio de sol}; (5) de Pitágoras, Platão e Filo: ascetismo, misticismo, desprezo pelo mundo material; (6) de Cícero e Sêneca: estoicismo, visão cosmopolita, lei natural e eterna inscrita no coração dos homens, estado de primitiva inocência do homem, igualdade dos homens na cidade celestial; desigualdade e diversidade na cidade terrena.
Pontos essenciais da ética cristã: (1) amar a deus e ao próximo; (2) regra de ouro (“tudo o que desejais que os homens façam por vós, fazei assim também por eles”); (3) supremacia da substância espiritual em relação ao ritual (“o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado”); (4) condenação da avareza (“é mais fácil uma corda passar pelo furo de uma agulha do que um rico entrar no reino de deus”); (5) distinção entre poder secular e poder espiritual, entre cidade terrena e cidade celestial (“daí a César o que é de César e a deus o que é de deus”; “o meu reino não é deste mundo”). 
A admissão de mulheres na primitiva comunhão dos santos contribuiu para o sucesso da nova seita. O papel delas diminuiu após a morte do profeta. Contribuíram para esse decréscimo: a aversão de Paulo pelas mulheres e o patriarcado vigente na sociedade palestina hebraica. O fato de existirem pessoas de carne e osso na origem da nova seita (João, Jesus, apóstolos) também facilitou a adesão dos pagãos cujas religiões giravam em torno de criaturas lendárias e fantásticas. O acolhimento dos pobres, a exaltação dos humildes, a censura à ganância, contam-se entre os fatores simpáticos da nova seita. Verifica-se desigualdade, discriminação e predestinação quando são colocadas na boca do profeta as biliosas assertivas de que poucos entrarão no reino dos céus, de que os ricos e os pecadores estão excluídos, de que somente os escolhidos terão acesso ao reino divino.
A perseguição sofrida pelos adeptos da nova seita por meio século fortaleceu os laços da comunidade. A seita cristã tornou-se religião autônoma. Um dos fundadores foi divinizado, primeiro como filho unigênito de deus e depois como o próprio deus. {Na mitologia pagã, os deuses transavam com as fêmeas humanas e geravam filhos}. O movimento cristão se expandiu depois de reconhecido pelo estado romano. O Edito de Milão expedido pelo imperador Constantino em 313, concedeu liberdade de culto aos cristãos que, assim, obtiveram igualdade com os pagãos. Mais tarde, o imperador Teodósio decretou a interdição do culto pagão. O cristianismo torna-se religião oficial.
Após alcançar estabilidade, segurança e hegemonia, a igreja cristã se vê enredada em desavenças internas: de um lado, as posturas intelectuais; de outro, as posturas emocionais. Arianos e nestorianos (seguidores de Ário e de Nestor) rejeitavam a ortodoxa teoria da trindade; não admitiam a igualdade entre deus e Cristo; afirmavam que o filho é criatura gerada no pecado e de limitada inteligência se comparada à onisciência do Pai Celestial; que Maria não é a mãe de deus e sim a mãe de Cristo. Os atanasianos (seguidores de Atanásio) afirmavam a plena igualdade entre o pai, o filho, e o espírito santo. Os ebionitas (seguidores de Ébion) negavam o nascimento virginal e a divindade de Jesus; defendiam a pureza dos ensinamentos do profeta sem os adornos da teologia de Paulo; rejeitaram o Novo Testamento e o substituíram por escritura própria: Evangelho dos Ebionitas. O caráter emocional do cristianismo era enaltecido pelos montanistas, gnósticos e maniqueus (seguidores de Mani). Eles acolhiam o ascetismo e o misticismo, viam na religião um produto exclusivo da revelação; censuravam as tentativas de colocar a fé sob o crivo da razão; combatiam o mundanismo do clero; viam na matéria o mal e no espírito o bem. A corrente donatista aspirava maior espiritualidade na religião do que a oferecida pelo clero; admitia na igreja só quem levasse vida santa; não reconhecia valor algum aos sacramentos quando administrados por sacerdotes imorais. Os adeptos de cada uma das correntes doutrinárias divergentes acreditavam em um deus criador do universo e nos ensinamentos de Jesus.
Os primitivos cristãos reuniam-se nos seus lares e ouviam aqueles que se comunicavam diretamente com o espírito santo. Não havia subordinação entre sacerdote e leigo. Bispos e anciãos presidiam os serviços e recebiam auxílio material dos fiéis. Por conveniência do culto e razões práticas, o local da reunião se fixou em uma casa que se denominou templo ou igreja. Depois, no evolver histórico, também se chamou catedral e basílica, segundo a sede e a posição hierárquica. O clero se profissionalizou a partir do século II, quando um dos bispos passou a liderar os demais em cada região. Nas cidades grandes os bispos foram denominados metropolitanos com jurisdição provincial. No século IV, o bispo líder sediado nas cidades maiores (Roma, Constantinopla, Antioquia e Alexandria) recebe o nome de patriarca e ocupa o mais elevado grau da hierarquia eclesiástica que, então, ficou assim organizada: patriarcas, metropolitanos, bispos locais e padres.
Estribado na teoria da sucessão de Pedro, o imperador Valentiniano III, por decreto do ano 455, submeteu todos os bispos ocidentais ao patriarca de Roma. Essa teoria legitimava a primazia do patriarca de Roma porque nesta cidade Pedro e Paulo desempenharam missões evangelizadoras e foram mortos. Segundo a lenda convertida em dogma teológico, o apóstolo Pedro foi designado por Jesus para ser a pedra fundamental da igreja, recebeu as chaves do reino dos céus e o poder para punir ou absolver os pecadores. Investido desta autoridade {invejada e ambicionada por Paulo}, Pedro fundou o bispado de Roma. Os seus sucessores foram reconhecidos como herdeiros da sua autoridade e do seu carisma. Os patriarcas da igreja oriental não aceitaram a supremacia do patriarca de Roma.

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