Europa. Cristianismo (continuação).
O movimento reformista gerador da
nova seita judia cresceu e superou o judaísmo tradicional. Os distintos
ingredientes da doutrina facilitaram sua aceitação e seu desenvolvimento em
Roma e nas suas províncias. Além dos elementos judaicos (origem divina do
mundo, pecado original, providência divina, decálogo) a nova seita, que recebeu
o nome de cristã, apropriou-se das idéias e práticas pagãs. Efetivamente,
adotou: (1) dos persas, o dualismo deus x satã; (2) dos gnósticos: a teoria do
primeiro homem e do verbo encarnado; (3) do mitraísmo: a sagrada refeição do
pão e vinho, o batismo, a água benta, os dias sagrados de domingo e 25 de
dezembro, o nascimento do profeta em circunstâncias singulares; a visita dos
magos; (4) dos antigos babilônios: o mito do nascimento virginal {o herói
Gilgamesh nascera de uma virgem; aprisionada por seu pai, rei que não queria
herdeiro para lhe disputar o trono, a virgem foi engravidada por um raio de
sol}; (5) de Pitágoras, Platão e Filo: ascetismo, misticismo, desprezo pelo
mundo material; (6) de Cícero e Sêneca: estoicismo, visão cosmopolita, lei
natural e eterna inscrita no coração dos homens, estado de primitiva inocência
do homem, igualdade dos homens na cidade celestial; desigualdade e diversidade
na cidade terrena.
Pontos essenciais da ética
cristã: (1) amar a deus e ao próximo; (2) regra de ouro (“tudo o que desejais
que os homens façam por vós, fazei assim também por eles”); (3) supremacia da
substância espiritual em relação ao ritual (“o sábado foi feito para o homem e
não o homem para o sábado”); (4) condenação da avareza (“é mais fácil uma corda
passar pelo furo de uma agulha do que um rico entrar no reino de deus”); (5)
distinção entre poder secular e poder espiritual, entre cidade terrena e cidade
celestial (“daí a César o que é de César e a deus o que é de deus”; “o meu
reino não é deste mundo”).
A admissão de mulheres na
primitiva comunhão dos santos contribuiu para o sucesso da nova seita. O papel
delas diminuiu após a morte do profeta. Contribuíram para esse decréscimo: a
aversão de Paulo pelas mulheres e o patriarcado vigente na sociedade palestina
hebraica. O fato de existirem pessoas de carne e osso na origem da nova seita
(João, Jesus, apóstolos) também facilitou a adesão dos pagãos cujas religiões
giravam em torno de criaturas lendárias e fantásticas. O acolhimento dos
pobres, a exaltação dos humildes, a censura à ganância, contam-se entre os
fatores simpáticos da nova seita. Verifica-se desigualdade, discriminação e
predestinação quando são colocadas na boca do profeta as biliosas assertivas de
que poucos entrarão no reino dos céus, de que os ricos e os pecadores estão
excluídos, de que somente os escolhidos terão acesso ao reino divino.
A perseguição sofrida pelos
adeptos da nova seita por meio século fortaleceu os laços da comunidade. A
seita cristã tornou-se religião autônoma. Um dos fundadores foi divinizado,
primeiro como filho unigênito de deus e depois como o próprio deus. {Na
mitologia pagã, os deuses transavam com as fêmeas humanas e geravam filhos}. O
movimento cristão se expandiu depois de reconhecido pelo estado romano. O Edito de Milão expedido pelo imperador
Constantino em 313, concedeu liberdade de culto aos cristãos que, assim,
obtiveram igualdade com os pagãos. Mais tarde, o imperador Teodósio decretou a
interdição do culto pagão. O cristianismo torna-se religião oficial.
Após alcançar estabilidade,
segurança e hegemonia, a igreja cristã se vê enredada em desavenças internas:
de um lado, as posturas intelectuais; de outro, as posturas emocionais. Arianos
e nestorianos (seguidores de Ário e de Nestor) rejeitavam a ortodoxa teoria da
trindade; não admitiam a igualdade entre deus e Cristo; afirmavam que o filho é
criatura gerada no pecado e de limitada inteligência se comparada à onisciência
do Pai Celestial; que Maria não é a mãe
de deus e sim a mãe de Cristo. Os
atanasianos (seguidores de Atanásio) afirmavam a plena igualdade entre o pai, o
filho, e o espírito santo. Os ebionitas (seguidores de Ébion) negavam o
nascimento virginal e a divindade de Jesus; defendiam a pureza dos ensinamentos
do profeta sem os adornos da teologia de Paulo; rejeitaram o Novo Testamento e
o substituíram por escritura própria: Evangelho
dos Ebionitas. O caráter emocional do cristianismo era enaltecido pelos
montanistas, gnósticos e maniqueus (seguidores de Mani). Eles acolhiam o
ascetismo e o misticismo, viam na religião um produto exclusivo da revelação;
censuravam as tentativas de colocar a fé sob o crivo da razão; combatiam o
mundanismo do clero; viam na matéria o mal e no espírito o bem. A corrente
donatista aspirava maior espiritualidade na religião do que a oferecida pelo
clero; admitia na igreja só quem levasse vida santa; não reconhecia valor algum
aos sacramentos quando administrados por sacerdotes imorais. Os adeptos de cada
uma das correntes doutrinárias divergentes acreditavam em um deus criador do
universo e nos ensinamentos de Jesus.
Os primitivos cristãos reuniam-se
nos seus lares e ouviam aqueles que se comunicavam diretamente com o espírito
santo. Não havia subordinação entre sacerdote e leigo. Bispos e anciãos
presidiam os serviços e recebiam auxílio material dos fiéis. Por conveniência
do culto e razões práticas, o local da reunião se fixou em uma casa que se
denominou templo ou igreja. Depois, no evolver histórico, também
se chamou catedral e basílica, segundo a sede e a posição
hierárquica. O clero se profissionalizou a partir do século II, quando um dos
bispos passou a liderar os demais em cada região. Nas cidades grandes os bispos
foram denominados metropolitanos com
jurisdição provincial. No século IV, o bispo líder sediado nas cidades maiores
(Roma, Constantinopla, Antioquia e Alexandria) recebe o nome de patriarca e ocupa o mais elevado grau da
hierarquia eclesiástica que, então, ficou assim organizada: patriarcas,
metropolitanos, bispos locais e padres.
Estribado na teoria da sucessão de Pedro, o imperador
Valentiniano III, por decreto do ano 455, submeteu todos os bispos ocidentais
ao patriarca de Roma. Essa teoria legitimava a primazia do patriarca de Roma
porque nesta cidade Pedro e Paulo desempenharam missões evangelizadoras e foram
mortos. Segundo a lenda convertida em dogma teológico, o apóstolo Pedro foi
designado por Jesus para ser a pedra fundamental da igreja, recebeu as chaves
do reino dos céus e o poder para punir ou absolver os pecadores. Investido
desta autoridade {invejada e ambicionada por Paulo}, Pedro fundou o bispado de
Roma. Os seus sucessores foram reconhecidos como herdeiros da sua autoridade e
do seu carisma. Os patriarcas da igreja oriental não aceitaram a supremacia do
patriarca de Roma.
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