quarta-feira, 16 de abril de 2014

FILOSOFIA X - L



Europa. (500 a 1000). Final.

A divisão da história da humanidade em fases varia segundo os critérios de cada historiador. Na série aqui publicada, sem entrar no debate acadêmico, simplesmente adotei critério numérico elástico, tomando por base a divisão mais usual em idades (antiga, clássica, medieval, moderna, contemporânea).
Na primeira fase da Idade Média citada no título acima, a filosofia pagã resume-se ao neoplatonismo e ao estoicismo. Um dos seus expoentes nesse período foi o filósofo Boécio, nascido em 480, de família rica, principal conselheiro do rei Teodorico, com quem se desentendeu. Acusado de traição, morreu na prisão em 524. A sua filosofia transita entre o paganismo e o cristianismo. Boécio escreveu “Consolação da Filosofia”, quando estava na prisão. O tema dominante é a relação entre o homem e o universo. Destino, governo divino do mundo e sofrimento individual foram questões tratadas por este filósofo. A verdadeira felicidade implica compreensão filosófica de que o universo é bom e o mal é apenas aparente; deus é bondoso; logo, deus não pode ser autor do mal. Há punição para o vício e recompensa para a virtude. O livro de Boécio foi traduzido em vários idiomas, além de ser plagiado. As suas obras versam lógica aristotélica, música, aritmética, geometria e teologia.
Outro expoente desse período foi o irlandês João Escoto Erígena, neoplatônico e panteísta de visão liberal que viveu nos anos 800 a 880 e prestou serviços na área de educação na corte de Carlos, o Calvo, rei de França. Ele é considerado o fundador da escolástica, sistema de filosofia conciliador da fé e da razão. Defendeu o livre arbítrio na controvérsia em torno da predestinação. Na opinião de João Escoto, o esforço rumo à virtude é compensador; razão e revelação são fontes da verdade, mas se no caso concreto houver conflito entre as duas, a razão deve prevalecer; a verdadeira religião é a verdadeira filosofia. João era idealista {na terminologia atual}: os conceitos universais são coisas e precedem os conceitos particulares {a idéia “estado”, por exemplo, não se limita a um grupo de indivíduos em sociedade política, mais do que isto, é algo que existe em si mesmo; embora não percebido pelos sentidos o estado é apreendido pela razão}. Ele se opôs aos nominalistas para quem os conceitos universais são meros nomes precedidos dos conceitos particulares. A polêmica atravessou a Idade Média e chegou aos nossos dias. Segundo esse filósofo, as coisas podem: (1) criar ou não; (2) ser criadas ou não. Isto divide a natureza em quatro partes: (I) deus cria e não é criado; (II) as idéias criam os particulares e são criadas por deus; (III) coisas no tempo e no espaço que são criadas, mas não criam; (IV) o que não cria nem é criado (deus não se distingue do seu propósito). Esse filósofo assim expõe a doutrina da trindade: o ser de deus se revela no ser das coisas, sua sabedoria se revela na ordem das coisas e a sua vida se revela no movimento das coisas; isto corresponde ao pai, ao filho e ao espírito santo. Deus cria as coisas do nada; esse nada é o próprio deus.           
No final dessa primeira fase da civilização ocidental as línguas nacionais começam a ser empregadas na literatura. Serve de exemplo: “O casamento da Filologia com Mercúrio”, livro escrito por um africano neoplatônico de nome Marciano Capela (401 a 500). Trata-se de narrativa alegórica em que Mercúrio presenteia a sua noiva Filologia com sete criadas que simbolizam as sete artes liberais: gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria, música e astronomia. Os assuntos são abordados mirando o simbolismo mágico mais do que a precisão científica.
Beda (monge inglês, 673 a 735) escreveu “História Eclesiástica da Inglaterra”. Foi considerado um dos mais cultos homens do seu tempo. Ele criou um novo referencial cronológico: o nascimento de Cristo, que tomou o lugar do suposto ano da criação do mundo. Destarte, na cultura ocidental, a história humana ficou dividida nesses dois períodos: antes e depois de Cristo (a.C. e d.C.).
O interesse pela literatura latina decai no primeiro período da Idade Média. Alguns filósofos cristãos chegam a qualificar de ímpio o escritor que escreve bem. “O oráculo celeste não deve ser agrilhoado às regras da gramática” (papa Gregório I). O sistema romano de escolas públicas desapareceu depois de Teodorico. Os mosteiros passaram a monopolizar a educação na Europa (a Itália ainda conservou escolas municipais). O primeiro mosteiro europeu foi fundado por Cassiodoro, antigo secretário de Teodorico. Cassiodoro estabeleceu regras para os monges, entre as quais, as de copiar manuscritos e ensinar com base em programa por ele criado e que se dividia em duas partes: (I) Trivium, composto de gramática, retórica e lógica, disciplinas consideradas em conjunto a chave do conhecimento; (II) Quadrivium, composto de aritmética, geometria, astronomia e música. A aprendizagem era privilégio de poucos. As massas e parte da aristocracia (inclusive reis e senhores feudais) não recebiam essa educação. A parcela maior da população era analfabeta. Apesar disto, as escolas dos mosteiros e das catedrais impulsionaram o conhecimento na fase seguinte da Idade Média. 

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