quarta-feira, 5 de março de 2014

FILOSOFIA X



Europa (500 a 1000).

Com a derrocada do império romano do ocidente no século V (401 a 500), surge paulatinamente nova civilização na Europa fundada na herança cultural da Grécia e de Roma, capitaneada pelo cristianismo em quase todos os seus aspectos. Ao mesmo tempo e paralelamente à civilização européia surgem e se desenvolvem na Ásia a civilização bizantina (500 a 1500) e a civilização sarracena (600 a 1300). A primeira fase da civilização européia caracterizou-se pelo domínio político dos bárbaros (germanos, ostrogodos, visigodos, vândalos, lombardos, francos) e pelo domínio espiritual da igreja cristã. O território que estava sob a jurisdição romana ficou sob a jurisdição bárbara. Vários reinos se constituíram. Mesclaram-se usos e costumes de diferentes culturas, porém a característica marcante da nova civilização foi o cristianismo. Em tempo relativamente curto os bárbaros aderiram à fé cristã. O domínio cristão foi facilitado: (1) pela conversão dos chefes bárbaros; (2) pela credulidade e ignorância da massa popular; (3) pelo travamento da razão. A fé cristã incluía ascetismo mórbido, desprezo ao mundo material e esperança de vida melhor em um mundo espiritual.
A península ibérica ficou sob domínio visigodo e sarraceno; o sul da Itália sob controle de Bizâncio; a Inglaterra dominada pelos anglos, celtas, dinamarqueses e saxões. A maior parte da Europa ocidental esteve sob o mais influente e duradouro governo dos francos. O latim era o idioma comum e geral. A população decresceu. À vista disto, as mulheres foram proibidas de entrar para o convento antes dos 40 anos de idade. O propósito da lei era o de incentivar a procriação e frear o assustador declive demográfico. A economia retrocedeu ao escambo e ao ruralismo diante do isolamento europeu decorrente do controle do Mediterrâneo pelos mouros. Decaíram rapidamente o comércio, a indústria e a lavoura. A cidade de Marselha (sul da França) exemplificou esse estado de coisas: ruas tomadas pelo mato e o porto parado por 200 anos. O dinheiro sumiu de circulação. O banditismo aumentou. O estado das estradas era péssimo. Revestiram-se de poderes feudais: (1) os condes beneficiados com imunidades e isenções concedidas pelos reis merovíngios e carlovíngios; (2) os donatários das terras doadas por esses reis. Em conseqüência, surgiram duas classes no campo: a dos aristocratas rurais e a dos servos da gleba.
Ao cair o último imperador romano do ocidente, o comandante bárbaro de nome Odoacro se declara rei e governa a Itália. Sobrevém a invasão dos ostrogodos liderada por Teodorico, que reina por 33 anos na Itália (493 a 526). Este bárbaro favoreceu a agricultura e o comércio, mas não conseguiu abolir a servidão da massa popular e a concentração da riqueza nas mãos dos latifundiários. Esse rei consertou e construiu edifícios públicos e estradas, patrocinou o ensino e estimulou a tolerância em matéria de religião. De Constantinopla, o imperador Justiniano trava guerra com os ostrogodos e os vence (552). Logo depois, os lombardos invadem a Itália (568). Duques a governam até o século VIII (701 a 800), quando Carlos Magno a conquista. A Gália (França) foi o mais forte estado ocidental no começo da civilização européia. Clovis torna-se rei da tribo dos francos e inicia guerra de conquista (481). Domina o território da Gália e parte da Germânia (Alemanha), converte-se ao cristianismo, obtém apoio do clero e abre caminho para alianças dos seus sucessores com os papas. Clóvis descendia de Meroveu, patriarca da família. Daí o nome da dinastia por ele fundada: merovíngia. Essa dinastia ocupou o trono do reino franco de 491 a 751. A linhagem real se estiola: os reis francos delegam poderes e sucumbem à luxúria e à indolência (640 a 750). Os delegados do rei se fortaleceram na autonomia que lhes foi concedida. O mais agressivo desses delegados, Carlos Martel, considerado o segundo fundador do reino dos francos, defendeu-o contra os mouros e sufocou rebelião interna, mas não reivindicou o título de rei. O seu filho, Pepino, “O Breve”, inaugurou nova dinastia em 751, que ficou conhecida como carlovíngia em homenagem ao seu maior personagem: Carlos Magno (Carolus Magnus) que reinou de 771 a 814 e conquistou a parte central e setentrional da Itália e a maior parte da Europa central.
Carlos Magno extinguiu o cargo de prefeito do paço e os ducados tribais; designou pessoas da sua confiança para exercerem os poderes locais com o título de condes; nomeou mensageiros reais para prevenir abusos das autoridades nos condados (missi dominici); modificou o sistema de justiça privada e concedeu poderes aos condes para intimarem pessoas a comparecer perante os tribunais; concedeu maior poder aos magistrados no que tange ao processo judicial; estabeleceu o sistema romano de inquirição sob juramento para elucidar crimes. Carlos Magno auxiliou o papa Leão III, que fora exilado, a retornar à Itália e a ocupar o trono da igreja. Em retribuição, durante missa na igreja de São Pedro, no natal do ano 800, o papa o coroa Imperador: “Augusto coroado por Deus, grande e pacífico imperador dos romanos” saudaram-no os fiéis presentes à igreja. Apanhado de surpresa quando se ajoelhara para orar durante a missa, Carlos Magno ficou embaraçado {versão discutível}, pois não queria ficar devendo ao papa a sua coroação como imperador, posição que já sustentava de fato no ocidente. Ele pretendia ressuscitar a grandeza de Roma. {Os bárbaros tinham obsessão pelo império de César}. Apesar da coroação pelo papa, Carlos Magno não admitiu limites eclesiásticos à sua soberania; legislava amplamente em assuntos religiosos, fiscalizava a nomeação para cargos na igreja, instruía bispos e padres quanto à moral e aos sermões. Quiçá por ser analfabeto, Carlos Magno deu grande importância à educação e à cultura, reunindo em sua corte as mais primorosas e cultas inteligências da sua época. Após a sua coroação e a instalação de um novo império no ocidente paralelo ao império romano do oriente {ao menos formalmente, a jurisdição de Constantinopla ainda abrangia a Europa}, o cristianismo dividiu-se em latino e bizantino. Puxando a brasa para a sua sardinha, citando a coroação de Carlos Magno e se intitulando representantes de deus, os papas se declaravam os verdadeiros fundadores do novo império e afirmavam a primazia do seu poder espiritual sobre o poder secular dos reis. {A igreja tinha o divino direito de produzir ilusão; o crente tinha o secular direito de produzir alimento}.
Segundo a tradição dos francos, o território do reino devia ser partilhado entre os filhos do monarca falecido. Com a morte de Carlos Magno, a unidade imperial tão cara à igreja cristã ficou estilhaçada com a divisão do território entre os herdeiros (814).
O povo germano exerceu considerável influência na civilização européia. Ora pacificamente, ora pelo uso da força, os germanos foram ocupando a Europa com seus costumes e leis. Parte deles veio com os comandantes romanos que os admitiam no exército e na guarda pessoal dos imperadores. Milhares deles foram colocados nas grandes propriedades como servos; outros milhares ingressaram no exército. Sentindo-se tão fortes quanto os romanos, os bárbaros começaram a dominar a Itália (378), Gália (410), Roma (455 e 476) e finalmente todo o império romano do ocidente. Dos germanos, a nova civilização herdou: (1) a concepção da lei como expressão dos costumes e não como imposição da vontade do soberano; (2) a lei como proteção pessoal que acompanha o indivíduo por onde ele for (jus sanguinis), diferente da concepção romana segundo a qual o vigor da lei se limita ao território (jus soli); (3) relação entre governantes e governados em termos contratuais: ao governante cabe a obrigação de proteger; ao governado cabe a obrigação de produzir; (4) relação honrosa entre suserano e vassalo (comitatus): mediante juramento de honra e lealdade, os guerreiros se obrigavam a servir e a lutar pelo chefe; (5) o ordálio como prova no processo judicial; (6) os juramentos nos tribunais; (7) a idealização da virtude feminina; (8) a importância da fidelidade conjugal, o que influiu na glorificação da união conjugal como sacramento da igreja cristã medieval.

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