Europa. Cristianismo (continuação).
O evangelho
de Mateus foi redigido em aramaico e traduzido para o grego. O nome original do
escritor é Levi, coletor de impostos. Esse evangelho abrange fatos anteriores
ao nascimento de Jesus e vai até fatos posteriores à crucifixão. A narrativa
dos fatos anteriores à época em que o profeta tinha 30 anos de idade brota da
especulação do evangelista, porque ele não os testemunhou. Possivelmente,
Mateus obteve informações da mãe e dos parentes ainda vivos de Jesus. Maria já
era sexagenária {segundo a igreja católica, o corpo de Maria subiu ao céu,
dogma instituído pelo papa Pio XII, em 1950}. Inúmeras passagens foram
inventadas por Mateus. Supor que Maria era virgem antes de engravidar é
aceitável por sintonizar com a natureza. Afirmar que Maria foi fecundada por um
espírito contraria as leis da natureza, salvo se o espírito estivesse encarnado
em um belo jovem ou em um sacerdote malandro. Realmente, a fecundação por um
homem de caráter angelical ou por um espírito encarnado é versão mais
palatável. A igreja católica criou o mito da virgindade perpétua de Maria e o
erigiu em artigo de fé. Para sustentar o mito e convencer os fiéis, a igreja
apela para o sofisma: diz que irmão
significa primo e que os irmãos de
Jesus não eram filhos de Maria e sim da irmã de Maria, ou seja, eles eram
primos de Jesus. A viagem a Belém, conveniente para vincular o rebento à
dinastia de Davi, a fuga para o Egito e a mortandade de crianças carecem de
valor histórico. Há um esforço mais literário e apologético e menos histórico
no evangelho de Mateus. Diz ele: José era da linhagem de Davi, casou com Maria
que estava grávida e não a tocou. Se José não era o pai biológico, então Jesus
não pertencia à linhagem de Davi e a gravidez resultara da conjunção carnal de
Maria com outro parceiro. Trazendo lendas pagãs para a nova seita, Mateus
atribui a concepção ao espírito santo. Um anjo apareceu ao inconformado José e
o convenceu a não se divorciar. Maria pariu um menino e recebeu a visita dos
magos: entrando na casa, eles acharam o
menino com Maria, sua mãe; prostrando-se diante dele, o adoraram; depois,
abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra. {O
texto diz casa e não manjedoura ou
estrebaria}.
Mateus menciona: a pregação
de João Batista, precursor de Jesus e arauto do reino dos céus; a experiência
extática de Jesus no deserto depois de jejuar 40 dias e 40 noites; o sermão que
contém a sua doutrina: Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles
é o reino dos céus; bem-aventurados os mansos, os que choram, os que têm fome e
sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacíficos, os que
padecem perseguição por amor da justiça; sois o sal da terra e a luz do mundo. Nesta ocasião, o profeta amolda os
mandamentos de Moisés à sua doutrina: Não vim para abolir a lei, mas para
aperfeiçoá-la. {Lei = Pentateuco = cinco primeiros livros do AT}. O profeta
recomenda servir ao próximo em silêncio e não agir como hipócrita, sob pena de
perder a recompensa divina: Guardai-vos
de fazer vossas boas obras diante dos homens para serdes vistos por eles.
Ensina a orar: pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome,
venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no
céu, o pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas dívidas assim
como nós perdoamos aos nossos devedores e não nos deixeis cair em tentação, mas
livrai-nos do mal. A igreja católica adotava esta oração como retro
transcrita, porém, na segunda metade do século XX, visto que ninguém estava
disposto a abrir mão dos seus créditos, mesclou-a com a prece mais breve de
Lucas, na passagem que fala das dívidas: perdoai-nos
os nossos pecados, pois também nós perdoamos aqueles que nos ofenderam.
Os evangelistas João e
Marcos não mencionam essa oração. Quanto às ofensas, nem todos as perdoam e
muitos jamais as esquecem. Os que assim rezam, mentem a deus. Dívidas e ofensas
raramente são perdoadas. Os tribunais estão repletos de ações de cobrança e de
ações por injúria, difamação e calúnia. Há milhares de crimes e de ilícitos
civis praticados por vingança. A intenção do autor dessa prece talvez fosse a
de induzir o crente a se conduzir daquela forma piedosa.
O sermão prossegue: não ajunteis para vós tesouros na terra;
a cada dia basta o seu cuidado; olhai como crescem os lírios do campo, não
trabalham nem fiam, entretanto vos digo que o próprio Salomão no auge da sua
glória não se vestiu como um deles; buscai, em primeiro lugar, o reino de Deus
e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo; não julgueis e não sereis julgados; não
atireis aos porcos as vossas pérolas; tudo o que quereis que os homens vos
façam, fazei-o vós a eles; entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e
espaçoso o caminho que conduzem à perdição; guardai-vos dos falsos profetas,
pelos seus frutos os conhecereis. O sermão termina com a advertência de que
não basta ouvir as palavras do profeta; há necessidade de colocá-las em prática. Mateus
ainda narra: a formação de igrejas (onde dois ou três estão reunidos em meu
nome, aí estou eu no meio deles);
a outorga de poderes aos 12 apóstolos; mensagem e morte de João
Batista; expulsão dos mercadores do templo; conspiração dos sacerdotes judeus;
episódio em que, sob os protestos dos discípulos, certa mulher derrama perfume
caro na cabeça de Jesus {outro apóstolo diz que foi nos pés e a mulher era irmã
de Lázaro; a igreja diz que o bálsamo foi posto na cabeça e nos pés, que a
mulher chamava-se Maria e que certamente tratar-se-ia de Maria Madalena}. A
narrativa continua: traição de Judas Iscariotes; última ceia antes da
crucifixão; angústia no Getsêmani; prisão e sucessivos julgamentos perante o
Sinédrio (tribunal judeu), Herodes (tetrarca da Galiléia) e Pilatos (autoridade
romana); suicídio de Judas Iscariotes; ajuda prestada por Simão de Cirene a
Jesus; crucifixão, sepultamento e ressurreição.
A existência na Galiléia de uma cidade ou aldeia com o
nome de Nazaré ao tempo de Jesus não está provada. Uma coisa é chamá-lo Jesus Nazareno como faziam o povo
palestino e os romanos; outra, bem diferente, é chamá-lo de Jesus de Nazaré, como faz a igreja
cristã. Para induzir a crença de que o conhecimento e a doutrina do profeta vêm
de deus e não dos mestres humanos e das escolas de mistérios, a igreja cristã
esconde as relações de Jesus com as seitas dos nazarenos e dos essênios e com
as citadas escolas do Egito e da Grécia. O apelido nazareno não significa naturalidade ou cidadania. Independente da
cidade natal, o homem consagrado a deus recebia a alcunha de nazareno; assim, também, o adepto da
seita nazarita. Ficar no deserto por 40 dias e 40 noites era uma provação que
santificava. Jejuar todo esse tempo sem morrer de fome, de sede ou sem ser
atacado por animal é impossibilidade frente às leis da natureza e do bom senso.
Talvez o número seja cabalístico: 40 = tempo indeterminado, impreciso. A montanha
onde Jesus teria proferido o sermão é desconhecida. Provavelmente, alguma
elevação próxima a Cafarnaum (norte da Galiléia), ou o próprio Monte Tabor (sul
da Galiléia), caso a referência à montanha não seja apenas simbólica.
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