sexta-feira, 28 de março de 2014

FILOSOFIA X - G



Europa. Cristianismo (continuação).

O evangelho de Mateus foi redigido em aramaico e traduzido para o grego. O nome original do escritor é Levi, coletor de impostos. Esse evangelho abrange fatos anteriores ao nascimento de Jesus e vai até fatos posteriores à crucifixão. A narrativa dos fatos anteriores à época em que o profeta tinha 30 anos de idade brota da especulação do evangelista, porque ele não os testemunhou. Possivelmente, Mateus obteve informações da mãe e dos parentes ainda vivos de Jesus. Maria já era sexagenária {segundo a igreja católica, o corpo de Maria subiu ao céu, dogma instituído pelo papa Pio XII, em 1950}. Inúmeras passagens foram inventadas por Mateus. Supor que Maria era virgem antes de engravidar é aceitável por sintonizar com a natureza. Afirmar que Maria foi fecundada por um espírito contraria as leis da natureza, salvo se o espírito estivesse encarnado em um belo jovem ou em um sacerdote malandro. Realmente, a fecundação por um homem de caráter angelical ou por um espírito encarnado é versão mais palatável. A igreja católica criou o mito da virgindade perpétua de Maria e o erigiu em artigo de fé. Para sustentar o mito e convencer os fiéis, a igreja apela para o sofisma: diz que irmão significa primo e que os irmãos de Jesus não eram filhos de Maria e sim da irmã de Maria, ou seja, eles eram primos de Jesus. A viagem a Belém, conveniente para vincular o rebento à dinastia de Davi, a fuga para o Egito e a mortandade de crianças carecem de valor histórico. Há um esforço mais literário e apologético e menos histórico no evangelho de Mateus. Diz ele: José era da linhagem de Davi, casou com Maria que estava grávida e não a tocou. Se José não era o pai biológico, então Jesus não pertencia à linhagem de Davi e a gravidez resultara da conjunção carnal de Maria com outro parceiro. Trazendo lendas pagãs para a nova seita, Mateus atribui a concepção ao espírito santo. Um anjo apareceu ao inconformado José e o convenceu a não se divorciar. Maria pariu um menino e recebeu a visita dos magos: entrando na casa, eles acharam o menino com Maria, sua mãe; prostrando-se diante dele, o adoraram; depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe como presentes: ouro, incenso e mirra. {O texto diz casa e não manjedoura ou estrebaria}.
Mateus menciona: a pregação de João Batista, precursor de Jesus e arauto do reino dos céus; a experiência extática de Jesus no deserto depois de jejuar 40 dias e 40 noites; o sermão que contém a sua doutrina: Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o reino dos céus; bem-aventurados os mansos, os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacíficos, os que padecem perseguição por amor da justiça; sois o sal da terra e a luz do mundo. Nesta ocasião, o profeta amolda os mandamentos de Moisés à sua doutrina: Não vim para abolir a lei, mas para aperfeiçoá-la. {Lei = Pentateuco = cinco primeiros livros do AT}. O profeta recomenda servir ao próximo em silêncio e não agir como hipócrita, sob pena de perder a recompensa divina: Guardai-vos de fazer vossas boas obras diante dos homens para serdes vistos por eles. Ensina a orar: pai nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu, o pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. A igreja católica adotava esta oração como retro transcrita, porém, na segunda metade do século XX, visto que ninguém estava disposto a abrir mão dos seus créditos, mesclou-a com a prece mais breve de Lucas, na passagem que fala das dívidas: perdoai-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos aqueles que nos ofenderam.
Os evangelistas João e Marcos não mencionam essa oração. Quanto às ofensas, nem todos as perdoam e muitos jamais as esquecem. Os que assim rezam, mentem a deus. Dívidas e ofensas raramente são perdoadas. Os tribunais estão repletos de ações de cobrança e de ações por injúria, difamação e calúnia. Há milhares de crimes e de ilícitos civis praticados por vingança. A intenção do autor dessa prece talvez fosse a de induzir o crente a se conduzir daquela forma piedosa.    
O sermão prossegue: não ajunteis para vós tesouros na terra; a cada dia basta o seu cuidado; olhai como crescem os lírios do campo, não trabalham nem fiam, entretanto vos digo que o próprio Salomão no auge da sua glória não se vestiu como um deles; buscai, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo; não julgueis e não sereis julgados; não atireis aos porcos as vossas pérolas; tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles; entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduzem à perdição; guardai-vos dos falsos profetas, pelos seus frutos os conhecereis. O sermão termina com a advertência de que não basta ouvir as palavras do profeta; há necessidade de colocá-las em prática. Mateus ainda narra: a formação de igrejas (onde dois ou três estão reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles); a outorga de poderes aos 12 apóstolos; mensagem e morte de João Batista; expulsão dos mercadores do templo; conspiração dos sacerdotes judeus; episódio em que, sob os protestos dos discípulos, certa mulher derrama perfume caro na cabeça de Jesus {outro apóstolo diz que foi nos pés e a mulher era irmã de Lázaro; a igreja diz que o bálsamo foi posto na cabeça e nos pés, que a mulher chamava-se Maria e que certamente tratar-se-ia de Maria Madalena}. A narrativa continua: traição de Judas Iscariotes; última ceia antes da crucifixão; angústia no Getsêmani; prisão e sucessivos julgamentos perante o Sinédrio (tribunal judeu), Herodes (tetrarca da Galiléia) e Pilatos (autoridade romana); suicídio de Judas Iscariotes; ajuda prestada por Simão de Cirene a Jesus; crucifixão, sepultamento e ressurreição.
A existência na Galiléia de uma cidade ou aldeia com o nome de Nazaré ao tempo de Jesus não está provada. Uma coisa é chamá-lo Jesus Nazareno como faziam o povo palestino e os romanos; outra, bem diferente, é chamá-lo de Jesus de Nazaré, como faz a igreja cristã. Para induzir a crença de que o conhecimento e a doutrina do profeta vêm de deus e não dos mestres humanos e das escolas de mistérios, a igreja cristã esconde as relações de Jesus com as seitas dos nazarenos e dos essênios e com as citadas escolas do Egito e da Grécia. O apelido nazareno não significa naturalidade ou cidadania. Independente da cidade natal, o homem consagrado a deus recebia a alcunha de nazareno; assim, também, o adepto da seita nazarita. Ficar no deserto por 40 dias e 40 noites era uma provação que santificava. Jejuar todo esse tempo sem morrer de fome, de sede ou sem ser atacado por animal é impossibilidade frente às leis da natureza e do bom senso. Talvez o número seja cabalístico: 40 = tempo indeterminado, impreciso. A montanha onde Jesus teria proferido o sermão é desconhecida. Provavelmente, alguma elevação próxima a Cafarnaum (norte da Galiléia), ou o próprio Monte Tabor (sul da Galiléia), caso a referência à montanha não seja apenas simbólica.

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