quarta-feira, 26 de março de 2014

FILOSOFIA X - F



Europa. Cristianismo (continuação).



O vocábulo grego evangelho significa boa nova ou boa notícia e na linguagem cristã é utilizado nas acepções de: (1) mensagem transmitida oralmente pelo profeta; (2) livro que a contém; (3) coleção de textos reunidos em um volume denominado Novo Testamento – NT, sobre a vida e a doutrina do profeta, a organização inicial e a evolução da igreja cristã. A mensagem leva em si o fundamento doutrinário de uma nova religião. Há vários livros (rolos de pergaminho ou de papiro) chamados de evangelhos, que são narrativas de diferentes autores sobre o mesmo tema: vida e morte do profeta, suas lições, seus milagres, suas andanças na Palestina. O clero cristão organizou o NT como unidade teológica. O trabalho foi de Jerônimo, no século IV (301 a 400), aprovado pelo Concílio de Trento em 1546, como versão latina oficial da igreja. Esse trabalho inclui as duas coleções de livros: a do Antigo Testamento (AT) sobre os hebreus e a do Novo Testamento (NT) sobre os cristãos. Essa versão recebeu o nome de Vulgata e o conjunto das duas coleções (AT + NT) recebeu o nome de Bíblia (palavra grega que significa livros).

Jerônimo selecionou e traduziu para o latim algumas epístolas expedidas em nome dos apóstolos, a narrativa de Lucas sobre as atividades dos apóstolos, o Apocalipse (livro profético do apóstolo João) e quatro evangelhos escritos pelos apóstolos João e Mateus e pelos discípulos Lucas e Marcos. Os evangelhos escritos pelos apóstolos Tiago, Judas Tadeu, Maria Madalena, Tomé e Felipe foram descartados. Os apóstolos e discípulos só conheceram Jesus adulto. Nenhum deles testemunhou o nascimento, a infância e a juventude do profeta. Dos quatro evangelistas selecionados pela igreja só João e Mateus testemunharam a vida adulta do profeta. Marcos e Lucas não o conheceram pessoalmente e escreveram por ouvir dizer. Por volta do ano 60, os ensinamentos atribuídos ao profeta começam a tomar forma escrita. Há semelhanças e diferenças entre os quatro evangelhos escolhidos pela igreja. No que tange ao messias, culturas antigas também mencionam a vinda de salvadores políticos e religiosos. A novidade está na chegada real de um deles no seio da sociedade palestina. Apenas insignificante minoria do povo palestino reconheceu Jesus como o messias. A maioria escarneceu. Incredulidade, agressões, acusações de blasfêmia e de subversão foi o que o profeta recebeu dos palestinos, conforme os evangelhos.

O primeiro evangelho que veio à luz foi escrito (ou ditado) por Marcos, discípulo de Pedro e companheiro de Paulo nas viagens missionárias. O seu livro resultou dos ensinamentos de Pedro em Roma e do convívio com Paulo e alguns apóstolos. Quiçá, por não ter conhecido Jesus pessoalmente, Marcos salta os episódios relativos ao nascimento, infância e juventude do profeta. Começa a narrativa com a pregação de João Batista, que não presenciou, mas da qual ouviu falar. Do seu evangelho constam: (1) o batismo de Jesus por João Batista; (2) o recrutamento dos 12 apóstolos que formaram o círculo interno da nova seita (colégio apostólico); (3) a questão do jejum; (4) o trabalho terapêutico; (5) parábolas; (6) os nomes dos irmãos {os nomes das irmãs de Jesus foram omitidos, reflexo do lugar subalterno ocupado pela mulher na Palestina}; (7) o lamento de Jesus por ser vítima do descrédito: um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e na sua própria casa. {Jesus intitulava-se profeta. Na família, parece que só os seus irmãos Tiago e Judas Tadeu nele acreditaram. José, o pai adotivo, certamente dava mais atenção aos filhos legítimos do que ao bastardo. A mãe, as irmãs e os outros irmãos não lhe davam a importância da qual ele se achava merecedor}.

Marcos cita a missão dos apóstolos e coisas que não viu, tais como: o prodígio sobre a tempestade, a execução de João Batista, a multiplicação dos pães, a caminhada sobre as águas, as discussões com os fariseus, a transfiguração na presença de Pedro, Tiago e João. Embora não tenha testemunhado o ministério de Jesus na Judéia, Marcos narra: a entrada em Jerusalém; o debate em torno da ressurreição e do tributo a César; a questão do matrimônio; a benção das crianças; as profecias sobre a morte de Jesus e a destruição do templo; os entraves da riqueza para quem pretende entrar no reino dos céus: é mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que o rico entrar no reino de Deus. Jesus considerava amar a deus e ao próximo os maiores mandamentos, diz Marcos.

Quanto à descendência de Davi, rei judeu que viveu por volta do ano 1000 (mil) antes de Jesus nascer, Marcos relata a fala de Jesus sobre o Cristo como se ambos não fossem a mesma pessoa. Expõe o seguinte argumento: Davi chamou o Cristo de Senhor, que senta à direita do outro e poderoso Senhor; ora, o subalterno não pode ser pai do superior; logo, o Cristo não pode ser filho de Davi. {Evidentemente, o vocábulo cristo aí utilizado não se refere a Jesus, pessoa que ainda não tinha nascido. Na mística linguagem, cristo é o nome da especial condição de uma pessoa que recebeu unção. Cristo significa “ungido”. A unção pode ser recebida por qualquer pessoa segundo a circunstância, independentemente de tribo, dinastia, raça ou religião. Ungir é ato humano: aplicar óleo em alguém ou em alguma coisa. Apesar disto, a expressão é empregada no sentido figurado: pessoa ungida espiritualmente pela divindade. Subalterno e superior estão mal empregados naquela frase, pois não é raro o filho superar o pai em robustez, riqueza, inteligência e cultura. O que fere a lógica das gerações é o filho ser pai do pai, embora o filho adulto possa prestar assistência ao pai idoso ou inválido}.

Marcos aborda os episódios do julgamento, da crucifixão, da ressurreição e das sucessivas aparições de Jesus a Maria Madalena, a dois discípulos e aos onze apóstolos. Na última reunião com os apóstolos, Jesus teria anunciado a descida do espírito santo sobre eles: estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados. {Por medida de cautela, convém não beber veneno e deixar as serpentes na selva, no Instituto Butantan ou no Jardim Zoológico}.


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