Europa (continuação).
O cristianismo foi a vertente
mais poderosa da nova civilização européia ocidental. A sua origem está na
reforma religiosa empreendida na Palestina do primeiro século da era cristã por
um judeu chamado João, apelidado de Batista,
e por um galileu chamado Jesus, apelidado de Nazareno. O apelido do primeiro (João) se deve ao ritual de batismo
por ele utilizado na admissão de adeptos à nova seita judia. O apelido do
segundo (Jesus) provém de duas fontes: (1) do costume de consagrar ao deus o
filho primogênito por decisão dos pais {tal como aconteceu com os juízes Sansão
e Samuel, entre outros nazarenos (nenhum deles nascido em cidade de nome
Nazaré)}; (2) do vínculo do profeta com a seita dos nazarenos exteriorizado na
sua aparência (cabelos e barba), no seu modo de vestir (túnica branca e
sandália), na sua conduta (oposição ao sacerdócio fariseu e saduceu) e na sua
doutrina (amor, paz, solidariedade, humildade, caridade, esperança, fé no Pai
Celestial). Os dois líderes nada deixaram por escrito e o pouco que deles se
sabe está nos livros do Novo Testamento (Bíblia). Tais livros começaram a ser
escritos quarenta anos depois da morte dos citados líderes reformadores. O
acesso à verdade dos fatos ficou difícil tendo em vista: (1) o lapso de tempo
decorrido; (2) o analfabetismo e a deficiência cultural dos evangelistas; (3)
as contradições e fantasias contidas nos evangelhos; (4) as interpolações
feitas por escritores e tradutores clericais no curso dos anos e dos séculos. O
tom apologético e fantástico de tais livros é indisfarçável. Os evangelistas
prosseguem na tradição ficcionista iniciada por Esdras, autor do Pentateuco
(cinco primeiros livros da Bíblia). De fato, tal como no chamado Antigo Testamento, o chamado Novo Testamento mescla fatos históricos
com lenda, fantasia, falsidade, projetos pessoais e interesses de classe. Isto
dificulta a localização de alguma verdade. Os apóstolos e outros seguidores
esperavam o breve retorno de Jesus, a iminente destruição do mundo e a fundação
da cidade divina denominada Nova
Jerusalém. Nada disto aconteceu. Diante desta frustração e do fato de
alguns apóstolos enviarem cartas (epístolas) aos fiéis de outras bandas, emerge
a idéia de registrar por escrito o que se passou desde o nascimento até a morte
do profeta. A maioria dos apóstolos era analfabeta, tal qual a maioria do povo
palestino. Escribas (secretários) escreviam o que os apóstolos ditavam. A
fidelidade do texto ao ditado é problemática quando aquele que ditou não sabe
ler.
A dogmática cristã se contém nas
epístolas (cartas) e nos evangelhos (narrativas feitas pelos apóstolos João e
Mateus e pelos discípulos Marcos e Lucas, selecionadas pela igreja dentre
inúmeras narrativas feitas por outros apóstolos). As cartas (epístolas) de
autoria dos apóstolos são os primeiros documentos escritos sobre Jesus, sua
doutrina e respectiva difusão. O conteúdo doutrinário e normativo dessas cartas
é reproduzido nos evangelhos. Os remetentes são: Pedro, Tiago, Judas Tadeu e
João, apóstolos da primeira hora, e Paulo, apóstolo tardio. Os apóstolos da
primeira hora citam os ensinamentos e as recomendações que receberam
diretamente de Jesus. Suas cartas são apelidadas de católicas (= universais)
porque dirigidas às comunidades ou igrejas cristãs, salvo a segunda e a terceira
de João, destinadas a determinadas pessoas. Entre as epístolas de Paulo, o
apóstolo tardio, umas são gerais e outras individuais; a metade delas não foi
escrita nem ditada por ele. Há um padrão nas cartas decorrente da unidade de
doutrina e do propósito comum de fortalecer e expandir a igreja cristã. De um
modo geral, as epístolas exortam o crente a: (1) perseverar na fé em deus e em
Jesus; (2) viver no amor e na luz de deus; (3) amar a deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a si mesmo; (4) obedecer às autoridades do estado e da
igreja; (5) comprometer-se com a verdade, com a justiça e com a bondade; (6)
praticar caridade; (7) se acautelar contra falsos profetas, homens ímpios que
se introduzem nas comunidades cristãs e espalham a maldade; (8) afastar-se dos
prazeres carnais, da cobiça, da corrupção e da concupiscência.
Quanto ao prometido retorno de
Jesus, os missivistas pedem paciência e que os crentes mantenham a esperança,
pois esse dia chegará {dois mil anos se passaram desde a morte do profeta e o
dia ainda não chegou; haja paciência!} São deveres dos crentes: (1) recusar-se
a prestar juramento; (2) rezar quando estiver triste e cantar quando estiver
alegre; (3) confessar os pecados entre si; (4) curar os enfermos pela unção com
óleo e oração fervorosa; (5) orar uns pelos outros. Os missivistas enaltecem o
reino espiritual e abjuram o mundo terreno, a riqueza material e a soberba dos
ricos; qualificam o mundo terreno de reino do demônio; falam da alegria de
receber notícias sobre a fé e a dedicação dos crentes à causa de Cristo.
A primeira epístola de Pedro é destinada às
igrejas da Ásia (anciãos + presbíteros + crentes). Fala em misericórdia e
ressurreição de Jesus. Exorta os fiéis à santidade, ao amor fraterno e sincero.
Alerta-os para não se contaminarem com a inveja, maledicência, astúcia,
fingimento. Usa a imagem do edifício espiritual: Jesus é a pedra angular, e os
crentes, o material da construção. Arrola os deveres: servir a deus; seguir o
exemplo de Jesus; obedecer às autoridades; cumprir as obrigações com a família
e com os patrões; repudiar a luxúria, bebedeira, orgia, idolatria; praticar a
hospitalidade; vigiar, orar, aplicar os dons em benefício alheio; exercer o
ministério com força divina. Na segunda epístola, Pedro menciona a dificuldade
de entender as cartas de Paulo. Há implícita censura nesta observação, fruto da
desconfiança dos apóstolos da primeira hora quanto às reais intenções de Paulo,
que parecia querer imprimir rumo à igreja cristã ao seu talante {o que de fato aconteceu}.
Pedro exorta os crentes a se unirem na fé, a vincular a fé à virtude, a virtude
à ciência, a ciência à temperança, a temperança à paciência, a paciência à
piedade, a piedade ao amor fraterno, o amor fraterno à caridade. Segundo Pedro,
tal proceder abre as portas do reino de Cristo. Ele pede aos crentes que
perseverem nesse proceder e dá o seu testemunho pessoal da majestade de Jesus.
Na opinião dele, toda profecia da escritura deriva do espírito santo e não da
vontade humana; por isto, não comporta interpretação pessoal. Pedro qualifica
os falsos profetas de imundos, cobiçosos, corruptos, libertinos, pervertidos,
fontes sem água, filhos do Maligno. Compara aqueles que estiveram no
caminho de Cristo e retornaram ao paganismo a uma porca lavada que volta ao
lamaçal; um cão que volta ao seu vômito: tal é o louco que reitera suas
loucuras (Bíblia, AT, Provérbios, 26: 11).
A
epístola do apóstolo Tiago (irmão de Jesus e primeiro bispo de Jerusalém) é
dirigida às 12 tribos da dispersão. Tiago presidiu o primeiro concílio da
igreja (ano 49). A carta homenageia o povo hebreu expulso da Palestina nos
séculos VI e V a.C. (israelitas + judeus). Tiago pretendia angariar a simpatia
dos descendentes daqueles judeus que retornaram do exílio babilônico. Quanto
aos israelitas (10 tribos) o paradeiro era desconhecido. Na sua epístola, com
algumas expressões sem nexo e outras confusas (deficiência que se nota também
nas outras epístolas e nos evangelhos) ele se dirige aos seus contemporâneos e
os adverte das provações pelas quais passarão {ele próprio as vivenciou e
acabou morto por ordem de Herodes Antipas}. Aconselha-os a ter paciência,
fortaleza na fé e a suplicarem sabedoria a deus, sem vacilar. Adota o discurso
a favor da pobreza e contra a riqueza, típico da mensagem do profeta. Tiago
ensina o caminho para ser feliz: meditar sobre a lei perfeita da liberdade.
Censura os excessos da linguagem: quem não refreia a sua língua e engana o
seu coração não pode ser piedoso. Diz que a língua inflamada pelo inferno
incendeia o curso da nossa vida; que a língua é um mal irrequieto cheio de
veneno mortífero; com ela abençoamos e amaldiçoamos. Diz que o gosto pelas
contendas recheadas de mentiras é sabedoria terrena, humana, diabólica: onde há
ciúme e contenda há perturbação. A religião pura e sem mácula inclui visitar os
órfãos e as viúvas nas suas aflições e purificar-se da corrupção do mundo. O
bom tratamento dado aos ricos dar-se-á aos pobres, porque deus escolheu os
pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do reino celestial.
Fé sem obras é morta em si mesma. O fruto da justiça semeia-se na paz para
aqueles que praticam a paz sem fingimento, sem parcialidade. Quem é amigo do
mundo é inimigo de deus. Tiago cita os Provérbios (livro do AT) 3: 34, um pouco
modificado: ao invés de Se ele (o Senhor) escarnece dos zombadores, concede
a graça aos humildes; escreve: Deus resiste aos soberbos, mas dá sua
graça aos humildes. Ao citarem de memória passagens do AT, os apóstolos às
vezes se enganam. Ele diz mais: que os crentes devem se purificar; recrimina a
maledicência e a falta de virtudes nos homens. Na opinião dele, quem pode fazer
o bem e não o faz, comete pecado. Censura os ricos que fraudam os salários dos
trabalhadores; acusa-os de haver matado o justo que nenhuma resistência
oferecera {os membros do tribunal que condenou Jesus à morte (Sinédrio) eram judeus abastados}. Segundo Tiago, a oração do justo tem grande eficiência. O crente
deve orar e obrar para o retorno ao bom caminho de quem dele se afastou.
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