sábado, 1 de março de 2014

FILOSOFIA IX - A



Bizâncio (final).

Na linguagem da igreja bizantina, ícone era qualquer imagem de deus, de Jesus ou de santo. Iconoclasta era a pessoa ou grupo de pessoas que derrubava imagens ou condenava o uso de imagens no culto e em lugares religiosos. O imperador bizantino Leão III proibiu o uso de imagens na igreja (717 a 741). Opunha-se a tudo que fosse material ou patético na religião cristã; combatia o paganismo e o mundanismo na igreja; refreava o poder eclesiástico. A renda dos monges proveniente da fabricação e do comércio de ícones ficou ameaçada. Os mosteiros absorviam porção considerável da riqueza coletiva e desviavam do serviço – militar e civil – muitos homens aptos; isto contribuía para fragilizar o império. Os súditos piedosos apoiavam os imperadores na luta contra a idolatria e a corrupção na igreja. As esculturas foram retiradas das igrejas. As pinturas permaneceram. No governo de Miguel III, as esculturas voltaram às igrejas sob a justificativa de que não eram sagradas em si mesmas, mas tão somente representavam o sagrado (842 a 867). O uso de imagens afinava-se com a religião eclesiástica herdada do paganismo romano. Na posição oposta colocavam-se os místicos e ascetas que advogavam o retorno ao cristianismo primitivo. O movimento iconoclasta está entre as causas do cisma na igreja cristã quando se posicionaram em pólos opostos os ramos grego e romano (1054). Os iconoclastas foram excomungados. O papa buscou apoio junto aos reis francos e afastou-se dos imperadores bizantinos. Aprofundou o abismo entre as duas principais facções do cristianismo. O movimento iconoclasta retorna com força na reforma promovida por Lutero e Calvino no século XVI (1501 a 1600). Mais do que simples retorno ao cristianismo primitivo, os protestantes retrocedem ao judaísmo. Os protestantes (luteranos, calvinistas, anglicanos e outras seitas despregadas do catolicismo) adotaram doutrina, leis e práticas do Antigo Testamento (Bíblia); adoram o deus Javé (ou Jeová) de Moisés, no lugar do Pai Celestial de Jesus e como justificativa afirmam que o deus de Moisés é o mesmo deus de Jesus, apesar das diferenças essenciais e inconciliáveis; tratam a Bíblia como “palavra de deus” a fim de revesti-la de soberana autoridade e de submeter os crentes. Os ensinamentos, o exemplo e o deus de Jesus ficaram na sombra.
A sociedade bizantina era urbana e perdulária. Constantinopla abrigava um milhão de habitantes. Edessa, Nicéia, Tarso, Tessalônia, eram grandes centros urbanos. Latifundiários, banqueiros, comerciantes e industriais competiam com a nobreza em importância social. Parte considerável da produção industrial destinava-se a artigos de luxo para consumo dos ricos (vestidos de lã e seda tecidos com fio de ouro e prata, tapeçarias de brocado e damasco ricamente coloridas, objetos de vidro e porcelana, evangelhos com iluminuras e joalheria ornamental). Embora em nível de conforto e bem-estar inferior ao da classe alta, o homem comum gozava de situação superior à do homem comum das cidades européias. O desenvolvimento econômico propiciava emprego a milhares de pessoas. Durante a agressão dos muçulmanos, a população de Constantinopla cresceu com a chegada dos refugiados. Isto gerou problema de emprego, habitação, higiene, saúde e consumo de bens. Os servos se mantinham servos pelo nascimento; a servidão era hereditária. Os escravos destinados aos serviços domésticos gozavam de uma existência mais confortável. Em todas as camadas sociais, principalmente na mais alta, notavam-se condutas extremadas de vícios e virtudes; de um lado, indulgência excessiva, sensualidade depravada, crueldade; de outro, abstinência plena, pieguice e caridade. Na corte do imperador, no palácio dos nobres e no alto clero eram normais a indolência, a intriga, as maneiras efeminadas, a pederastia e o lesbianismo.    
A civilização bizantina contribuiu para a ciência do direito com a providencial revisão e codificação determinada por Justiniano logo que ele assumiu o governo (527).  A comissão de juristas por ele nomeada elaborou uma coletânea de leis vigentes desde o reinado de Adriano. Essa coletânea recebeu o nome de Código.  Posteriormente, o Código foi atualizado por um conjunto de leis promulgadas por Justiniano e seus sucessores. Esse conjunto recebeu o nome de Novelas. A doutrina dos jurisconsultos romanos foi reunida em um compêndio denominado Digesto. Os princípios fundamentais do direito extraídos das leis e dos costumes foram lançados em um livro denominado Institutas. Em seu conjunto, o Código, as Novelas, o Digesto e as Institutas compõem o Corpus Juris Civilis. Alguns conceitos antigos sofreram modificações sem serem revogados. O jus civile estendeu-se para além dos cidadãos romanos. O jus naturale revestiu aura divina e se colocou em patamar superior ao da lei humana. O imperium e a auctoritas do imperador eram supremos e o alçavam às alturas da divindade; somente a lei divina era limite ao seu poder.
Dois filósofos se destacaram: João de Damasco no século VIII (701 a 800) e Miguel Psellus no século XI (1000 a 1100). O primeiro combinou, pela primeira vez, em defesa da fé racional, os ensinamentos aristotélicos com os ensinamentos da Bíblia e dos padres e, assim, deu origem à escolástica. Nesta linha persistiria com grande sucesso Tomas de Aquino no século XIII (1201 a 1300). O segundo (Psellus) de afilado senso crítico no estilo que mais tarde consagraria Voltaire, chefiou o renascimento pagão e defendeu a liberdade de pensamento. Os acontecimentos do império bizantino foram registrados pelo historiador Procópio, contemporâneo de Justiniano. Ainda no campo intelectual, João, O Gramático, abordou questões físicas. Ele refutou as teorias vigentes sobre gravidade e movimento; expôs o conceito de inércia; negou que a velocidade da queda dos corpos fosse diretamente proporcional ao peso. Na área médica, Écio descreveu a difteria e descobriu mais casos de doença dos olhos. Simeão Seth arrolou em dicionário propriedades curativas de drogas.
A arte bizantina vinha prenhe de misticismo e espiritualidade graças à forte influência da religião cristã. A arquitetura teve sua grande expressão na igreja de Santa Sofia (Sabedoria Sagrada) construída pelo imperador Justiniano. Simbolizava a grandeza e a supremacia da religião cristã. A planta estrutural foi inovadora. A cruz foi o desenho básico. Sobre o quadrado central, colocou-se cúpula magnífica apoiada em quatro grandes arcos procedentes de pilares plantados em cada canto do quadrado. A aparência externa mereceu pouca atenção. Toda riqueza artística e simbólica concentrou-se no interior da igreja: mosaicos coloridos com folhas de ouro, colunas de mármore colorido, vitrais colocados nos lugares certos para refração dos raios solares e inundar a atmosfera da igreja de cores e desenhos como um caleidoscópio. Refinamento espiritual: dar a impressão de que a luz nascia no interior da igreja. Além da arquitetura, a arte bizantina incluía a pintura, a escultura de marfim, objetos de vidros com relevo, mosaicos, brocados, iluminuras em textos, ourivesaria. Representações de Jesus e dos santos geralmente eram deformadas para despertar piedade nos crentes.
A Rússia dos czares imitou, em grande parte, as instituições e as realizações bizantinas. A igreja russa filiou-se à igreja ortodoxa grega com sede em Bizâncio. À semelhança do imperador bizantino, o Czar também era o chefe do estado e da igreja. A civilização bizantina é o berço da arquitetura, do calendário e de grande parte do alfabeto dos russos. Os eruditos bizantinos legaram ao ocidente cópias de manuscritos, antologias da literatura grega e enciclopédias. A produção intelectual e artística do mundo bizantino influiu na renascença italiana e no mundo europeu medieval. O amplo comércio entre Constantinopla e Veneza favoreceu a relação cultural entre oriente e ocidente. A igreja de São Marcos, em Veneza, imita o estilo bizantino. O Corpus Juris Civilis foi o instrumento de transmissão da ciência prática e especulativa do direito à fase final da idade média européia e ao mundo moderno. 

Nenhum comentário: