Bizâncio (final).
Na linguagem da igreja bizantina,
ícone era qualquer imagem de deus, de
Jesus ou de santo. Iconoclasta era a
pessoa ou grupo de pessoas que derrubava imagens ou condenava o uso de imagens
no culto e em lugares religiosos. O imperador bizantino Leão III proibiu o uso
de imagens na igreja (717 a
741). Opunha-se a tudo que fosse material ou patético na religião cristã;
combatia o paganismo e o mundanismo na igreja; refreava o poder eclesiástico. A
renda dos monges proveniente da fabricação e do comércio de ícones ficou
ameaçada. Os mosteiros absorviam porção considerável da riqueza coletiva e
desviavam do serviço – militar e civil – muitos homens aptos; isto contribuía
para fragilizar o império. Os súditos piedosos apoiavam os imperadores na luta
contra a idolatria e a corrupção na igreja. As esculturas foram retiradas das
igrejas. As pinturas permaneceram. No governo de Miguel III, as esculturas
voltaram às igrejas sob a justificativa de que não eram sagradas em si mesmas,
mas tão somente representavam o sagrado (842 a 867). O uso de imagens afinava-se com a
religião eclesiástica herdada do paganismo romano. Na posição oposta
colocavam-se os místicos e ascetas que advogavam o retorno ao cristianismo
primitivo. O movimento iconoclasta está entre as causas do cisma na igreja
cristã quando se posicionaram em pólos opostos os ramos grego e romano (1054).
Os iconoclastas foram excomungados. O papa buscou apoio junto aos reis francos
e afastou-se dos imperadores bizantinos. Aprofundou o abismo entre as duas
principais facções do cristianismo. O movimento iconoclasta retorna com força
na reforma promovida por Lutero e Calvino no século XVI (1501 a 1600). Mais do que
simples retorno ao cristianismo primitivo, os protestantes retrocedem ao
judaísmo. Os protestantes (luteranos, calvinistas, anglicanos e outras seitas
despregadas do catolicismo) adotaram doutrina, leis e práticas do Antigo
Testamento (Bíblia); adoram o deus Javé
(ou Jeová) de Moisés, no lugar do Pai
Celestial de Jesus e como justificativa afirmam que o deus de Moisés é o
mesmo deus de Jesus, apesar das diferenças essenciais e inconciliáveis; tratam
a Bíblia como “palavra de deus” a fim de revesti-la de soberana autoridade e de
submeter os crentes. Os ensinamentos, o exemplo e o deus de Jesus ficaram na
sombra.
A sociedade bizantina era urbana
e perdulária. Constantinopla abrigava um milhão de habitantes. Edessa, Nicéia,
Tarso, Tessalônia, eram grandes centros urbanos. Latifundiários, banqueiros,
comerciantes e industriais competiam com a nobreza em importância social. Parte
considerável da produção industrial destinava-se a artigos de luxo para consumo
dos ricos (vestidos de lã e seda tecidos com fio de ouro e prata, tapeçarias de
brocado e damasco ricamente coloridas, objetos de vidro e porcelana, evangelhos
com iluminuras e joalheria ornamental). Embora em nível de conforto e bem-estar
inferior ao da classe alta, o homem comum gozava de situação superior à do
homem comum das cidades européias. O desenvolvimento econômico propiciava
emprego a milhares de pessoas. Durante a agressão dos muçulmanos, a população
de Constantinopla cresceu com a chegada dos refugiados. Isto gerou problema de
emprego, habitação, higiene, saúde e consumo de bens. Os servos se mantinham
servos pelo nascimento; a servidão era hereditária. Os escravos destinados aos
serviços domésticos gozavam de uma existência mais confortável. Em todas as
camadas sociais, principalmente na mais alta, notavam-se condutas extremadas de
vícios e virtudes; de um lado, indulgência excessiva, sensualidade depravada,
crueldade; de outro, abstinência plena, pieguice e caridade. Na corte do
imperador, no palácio dos nobres e no alto clero eram normais a indolência, a
intriga, as maneiras efeminadas, a pederastia e o lesbianismo.
A civilização bizantina
contribuiu para a ciência do direito com a providencial revisão e codificação
determinada por Justiniano logo que ele assumiu o governo (527). A comissão de juristas por ele nomeada
elaborou uma coletânea de leis vigentes desde o reinado de Adriano. Essa
coletânea recebeu o nome de Código. Posteriormente, o Código foi atualizado por um conjunto de leis promulgadas por
Justiniano e seus sucessores. Esse conjunto recebeu o nome de Novelas. A doutrina dos jurisconsultos
romanos foi reunida em um compêndio denominado Digesto. Os princípios fundamentais do direito extraídos das leis e
dos costumes foram lançados em um livro denominado Institutas. Em seu conjunto, o Código, as Novelas, o Digesto e as
Institutas compõem o Corpus Juris Civilis.
Alguns conceitos antigos sofreram modificações sem serem revogados. O jus civile estendeu-se para além dos
cidadãos romanos. O jus naturale
revestiu aura divina e se colocou em patamar superior ao da lei humana. O imperium e a auctoritas do imperador eram supremos e o alçavam às alturas da divindade;
somente a lei divina era limite ao seu poder.
Dois filósofos se destacaram:
João de Damasco no século VIII (701
a 800) e Miguel Psellus no século XI (1000 a 1100). O primeiro
combinou, pela primeira vez, em defesa da fé racional, os ensinamentos aristotélicos
com os ensinamentos da Bíblia e dos padres e, assim, deu origem à escolástica.
Nesta linha persistiria com grande sucesso Tomas de Aquino no século XIII (1201 a 1300). O segundo
(Psellus) de afilado senso crítico no estilo que mais tarde consagraria
Voltaire, chefiou o renascimento pagão e defendeu a liberdade de pensamento. Os
acontecimentos do império bizantino foram registrados pelo historiador
Procópio, contemporâneo de Justiniano. Ainda no campo intelectual, João, O
Gramático, abordou questões físicas. Ele refutou as teorias vigentes sobre
gravidade e movimento; expôs o conceito de inércia; negou que a velocidade da
queda dos corpos fosse diretamente proporcional ao peso. Na área médica, Écio
descreveu a difteria e descobriu mais casos de doença dos olhos. Simeão Seth
arrolou em dicionário propriedades curativas de drogas.
A arte bizantina vinha prenhe de
misticismo e espiritualidade graças à forte influência da religião cristã. A
arquitetura teve sua grande expressão na igreja de Santa Sofia (Sabedoria Sagrada) construída pelo
imperador Justiniano. Simbolizava a grandeza e a supremacia da religião cristã.
A planta estrutural foi inovadora. A cruz foi o desenho básico. Sobre o
quadrado central, colocou-se cúpula magnífica apoiada em quatro grandes arcos
procedentes de pilares plantados em cada canto do quadrado. A aparência externa
mereceu pouca atenção. Toda riqueza artística e simbólica concentrou-se no
interior da igreja: mosaicos coloridos com folhas de ouro, colunas de mármore
colorido, vitrais colocados nos lugares certos para refração dos raios solares
e inundar a atmosfera da igreja de cores e desenhos como um caleidoscópio.
Refinamento espiritual: dar a impressão de que a luz nascia no interior da
igreja. Além da arquitetura, a arte bizantina incluía a pintura, a escultura de
marfim, objetos de vidros com relevo, mosaicos, brocados, iluminuras em textos,
ourivesaria. Representações de Jesus e dos santos geralmente eram deformadas
para despertar piedade nos crentes.
A Rússia dos czares imitou, em grande parte, as
instituições e as realizações bizantinas. A igreja russa filiou-se à igreja
ortodoxa grega com sede em Bizâncio. À semelhança do imperador bizantino, o
Czar também era o chefe do estado e da igreja. A civilização bizantina é o berço
da arquitetura, do calendário e de grande parte do alfabeto dos russos. Os
eruditos bizantinos legaram ao ocidente cópias de manuscritos, antologias da
literatura grega e enciclopédias. A produção intelectual e artística do mundo
bizantino influiu na renascença italiana e no mundo europeu medieval. O amplo
comércio entre Constantinopla e Veneza favoreceu a relação cultural entre
oriente e ocidente. A igreja de São Marcos, em Veneza, imita o estilo
bizantino. O Corpus Juris Civilis foi
o instrumento de transmissão da ciência prática e especulativa do direito à
fase final da idade média européia e ao mundo moderno.
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