domingo, 27 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – IX.

O sítio do “Le Monde”, na rede mundial de computadores, divulgou a síntese da encíclica Fides et Ratio, do papa João Paulo II (final de 2008 ou início de 2009). O sumo pontífice manifestava a esperança de reaproximar da religião católica, a filosofia e a ciência, sem prejuízo das respectivas autonomias. O papa se opunha ao positivismo, pragmatismo, historicismo e ao niilismo filosófico e científico, por incompatíveis com a crença em valores universais, absolutos e perenes. Revelava preocupação com a dissolução dos costumes e com todos os males da civilização gerados pelo moderno e equivocado divórcio entre a fé e a razão. A mensagem do papa enseja algumas ponderações.

A separação entre fé e razão constitui problema religioso e filosófico na civilização ocidental cristã. Os povos orientais (salvo os islamitas) influenciados pelo hinduísmo e pelo budismo tiram lições de vida observando a natureza e utilizando vias racionais e emocionais. Os indivíduos consideram-se parte de uma unidade transcendental e vivem a comunhão social como reflexo da lei divina. Isto ajuda a fortalecer a coesão na família e na sociedade; facilita a disciplina social e a realização dos objetivos do Estado. Os povos ocidentais, influenciados pelo judaísmo cristão ou cristianismo judeu, criado por Paulo e sua igreja, colocam ênfase no valor da pessoa natural (primazia do macho) com destino singular no mundo. Essa atitude propicia o individualismo e a separação entre fé e razão, entre igreja e comunidade científica.

A filosofia perene, substrato dos ensinamentos das escolas de mistérios antigas e modernas (rosacruzes, maçons, pitagóricos) com raízes egípcias, caldéias, babilônicas, hebraicas e gregas, coloca em plena harmonia as dimensões instintiva, emocional e racional do ser humano. Para os adeptos dessas escolas, a separação entre fé e razão não chega a ser um problema. Acreditam na existência de um ser divino a quem denominam Deus, Absoluto, Grande Arquiteto do Universo. A razão é a base e o ponto de partida para a busca das verdades espirituais. Cultivando-a, os adeptos procuram conhecer a si próprios e ao mundo em que vivem. Em sintonia com a natureza, aceitam o seu corpo sem desprezá-lo, e os instintos, sem pervertê-los. Servem-se do método racional. Vencida a etapa racional, garimpam novas respostas através da oração, da meditação, da harmonização com o divino, pelos caminhos da fé, certos de que trilharão a senda espiritual e alcançarão a luz maior se houver merecimento, sincero e persistente esforço para a compreensão de si mesmos e do mundo.

Segundo a lenda, Lavoisier costumava, antes de entrar no laboratório, depositar a bíblia no vestíbulo, artifício para não misturar a sua fé religiosa à sua fé na ciência. Norbert Wiener afirma que a ciência repousa na fé, embora fé não religiosa (“Sociedade e Cibernética”). Em abono à sua tese, o renomado cientista diz que não se pode demonstrar cientificamente: (i) que a probabilidade seja uma noção válida; (ii) que a natureza esteja submetida a leis. Diz, ainda, que podemos nos servir da lógica indutiva de Francis Bacon, porém, não podemos provar indutivamente as suas leis. Agir com base nessa lógica, constitui ato de fé. E arremata: “A ciência é um modo de vida que só pode florescer quando os homens têm liberdade de ter fé”.

A modernidade e seu estilo de vida a partir do século XVII (1601/1700), na Europa, trouxeram doenças sociais e individuais. A tomada de consciência é passo importante para a cura. A fé religiosa, a fé mística e a fé laica contribuem poderosamente para o processo de cura. Fé em Deus, nos santos, nas leis da natureza, na medicina, no terapeuta, em si mesmo, na capacidade humana para resolver problemas e enfrentar desafios, produz bons frutos, consoante lições da experiência comum. Todavia, a terapia continuará a ser paliativa se não houver mudança de paradigma. André Stéphane adverte: “não pode haver revolução fundada numa recusa da realidade” (citado por Jean-François Revel no seu livro “Nem Marx, nem Jesus”). Revolução pacífica e silenciosa. O mundo há de ser visto com realismo, sem fantasia, sem ilusão, a fim de se curar dos males que o afligem. Encarando a realidade é possível alterá-la de modo eficaz e adequado. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8: 32).

Atuar nas causas mediatas e não apenas nos sintomas e nas causas imediatas é o caminho seguro para a cura plena. Tomar consciência da unidade fundamental: Deus + Natureza (+ ser humano). O separatismo cartesiano contribuiu para os males da civilização ocidental. Para arredá-lo é necessário tomar consciência: (i) da conexão entre todos os fenômenos da natureza; (ii) da interdependência de todos os povos do planeta; (iii) de que pertencemos, concomitantemente, ao mundo natural (criado por Deus) e ao mundo cultural (criado pelo homem); (iv) de que o mundo cultural não existiria sem o mundo da natureza, inaplicável a recíproca, eis que o mundo da natureza pode subsistir sem o mundo da cultura; (v) de que o homem, como ser da natureza, comunga as leis divinas com todos os seres do universo (vi) de que as leis do mundo cultural são flexíveis, mudam com o vento e perecem com as civilizações; (vii) de que a solidariedade natural torna-se mais valiosa sob o signo da honestidade e da fraternidade.

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