terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

POLÍTICA

Autoridade x Liberdade.

A tensão entre poder e direito acompanha a civilização ocidental. Essa tensão fica mais evidente diante da autonomia do direito em relação à filosofia, à moral e à religião, a partir da produção jurídica romana. Chega ao ápice no século XVIII (1701/1800) quando a autoridade pública sufoca a liberdade do povo, avança nos bens da burguesia, abusa do poder de tributar, prender, torturar e matar pessoas. A opressão gerou revolta no povo, capitaneada por intelectuais, comerciantes e produtores. Na América do Norte, 13 colônias, com luta, derramamento de sangue e ajuda francesa, romperam o vínculo político com a Inglaterra. Na França, revolução sangrenta derrubou a monarquia (restaurada posteriormente). O mérito maior dessa revolução foi parir a declaração dos direitos do homem e do cidadão que se espraiou pelo mundo. Esses movimentos políticos e as idéias que os inspiravam chegaram à América Portuguesa. Habitantes da colônia estavam descontentes com a cobrança de tributos sobre a exportação do açúcar e do algodão e sobre a produção do ouro. Pequena parcela do povo se rebelou contra o monopólio da metrópole (proibição de atividades comerciais, industriais e de informação). Intelectuais e membros ricos e remediados da colônia conspiraram contra o poder real. Foram descobertos, presos e deportados. O mais pobre deles, de poucas letras, humilde alferes, foi enforcado e esquartejado. No século seguinte (1801/1900) a colônia obteve independência com apoio de um príncipe português.

Forte era a presença do imperador na monarquia constitucional instaurada em território brasileiro. Legislativo e Judiciário adequaram-se ao autoritarismo. O povo submeteu-se. Direitos contra o Estado, nem pensar. Na primeira república federativa democrática (1889/1930) o panorama pouco mudou: à parcela maior da população, os deveres; à elite governante, os direitos. No interregno autocrático civil (1930/1945) os direitos dos trabalhadores foram reconhecidos em lei; justiça específica e administrativa foi criada. Na segunda república federativa democrática (1945/1964) as desigualdades sociais e econômicas permaneceram; liberdade e igualdade jurídica foram asseguradas, porém, no plano dos fatos, de pouca valia para os desafortunados. Os trabalhadores se fortaleceram mediante organização e atividade sindical, mas encontraram forte resistência da classe produtora e da classe média aliadas à igreja católica e aos militares a serviço dos interesses do governo dos EUA (guerra fria). No período autocrático militar (1964/1985) a população sentiu o aumento da tributação e de outros encargos, além da perda da liberdade. Esta última foi mais sentida pela imprensa e pelos ativistas políticos contrários ao regime em vigor.

Descoberta a mina (o bolso do povo) os governos da terceira república federativa democrática (1985/2010) prosseguem no abuso: servem-se do Estado de Direito como biombo; a opressão vem com a capa da lei; tributação em níveis altíssimos; manipulação e elevação artificial dos juros; extrema elasticidade dada à função social da propriedade e à desapropriação por interesse social; direitos humanos esterilizados; poder governamental excessivo, corrupção desenfreada. Aumentou a parcela da população brasileira colocada à margem dos benefícios da produção econômica e cultural nos diversos momentos da história republicana. Somente no segundo governo de Luiz Inácio (2007/2010) a situação dessa gente começou a melhorar. Para atender aos interesses de privilegiados setores internos e externos (reais donos do poder) o congresso nacional remendou mais de sessenta vezes a Constituição de 1988, em afronto e desrespeito à soberania da Assembléia Nacional Constituinte.

A relação entre liberdade e autoridade é pendular, ora para lá, ora para cá, segundo o contexto político. Indiferente ao regime em vigor, se autocrático ou democrático, a prática autoritária no Brasil tem superado a prática liberal. O mecanismo social compensa as polaridades no tempo, sem equilibrá-las. Em determinados contextos sociais e econômicos, os trabalhadores concordam em reduzir salários para preservar empregos; o governo reduz o campo da sua autoridade, ainda que em distensão lenta e gradual, de modo a evitar confrontos e revoltas. No governo democrático a vontade popular deve prevalecer, mas, na realidade, prevalece a vontade dos donos do poder (elite política e econômica distinta da elite social e moral). Apesar disto, projetos de iniciativa popular são recebidos, debatidos e votados no congresso nacional e sancionados pelo chefe de governo. Esses projetos versam matéria que os legisladores e chefes de governo gostariam de engavetar. A matéria interessa ao povo, mas não aos seus representantes. A lei da ficha limpa não constaria do ordenamento jurídico se não houvesse iniciativa popular. As concessionárias de obras e serviços públicos cobram tarifas exorbitantes com o beneplácito das agências do governo. Servem de exemplo: (i) o aumento contínuo e exorbitante do pedágio nas rodovias federais, em detrimento do patrimônio e da liberdade de ir e vir dos usuários; (ii) cobrança de assinatura em contas de telefonia; (iii) serviços públicos prestados de modo deficiente e negligente.

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