quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – VII.

Intelectualmente mais preparado do que os apóstolos, doutor nas escrituras judaicas, aguerrido e ambicioso, Paulo assumiu a liderança após superar a resistência da comunidade cristã. A resistência deveu-se aos sofrimentos que Paulo havia causado aos cristãos somados ao fato de ele ser adventício. Os membros da congregação desconfiavam da sinceridade de Paulo. Ele teve a petulância de censurar Pedro, apóstolo da primeira hora e presidente do colégio apostólico, na presença dos demais apóstolos e seguidores: “Se tu, que és judeu, vives como os gentios e não como os judeus, com que direito obrigas os pagãos convertidos a viver como os judeus?” (Epístola aos Gálatas 2: 11/14).

Censura equivocada e injusta, além de petulante e subversiva. Pedro a ninguém obrigava, porque a lição de Jesus era a de não obrigar pessoa alguma. Pedro deixava a cada pagão convertido a opção de se circuncidar ou não. Quanto à naturalidade, Pedro, tal como Jesus, era galileu (natural da Galiléia); ambos nunca foram judeus (naturais da Judéia). No episódio do Sinédrio, Pedro foi ameaçado e Jesus insultado porque ambos eram gentios, ou seja, estrangeiros em relação à Judéia e ao judaísmo (Mateus 26: 69,73; Marcos 14: 70; Lucas 22: 59). Antes desse episódio, Jesus, por ser gentio, quase foi apedrejado pelos judeus: “Responderam então os judeus: Não dizemos com razão, que és samaritano e estás possesso de um demônio?” (João 8: 48). Jesus só negou estar possesso.

Vil e oportunista, Paulo serviu-se daquela censura para mostrar à comunidade cristã que a sua autoridade era maior do que a de Pedro. Conseguiu. Suas epístolas, escritas entre os anos 50 e 60, precederam os livros de Mateus, Marcos, Lucas e João. Percebe-se notável influência das doutrinas contidas nas epístolas de Paulo sobre o espírito dos evangelistas. A igreja selecionou aqueles quatro livros para compor o Novo Testamento. Isto ocorreu no século IV (301/400) durante os concílios africanos de Hipona e Cartago. A seleção foi confirmada nos concílios europeus de Florença, no século XV (1401/1500) e de Trento, no século XVI (1501/1600). Dezenas de livros (rolos) – inclusive de autoria atribuída a outros apóstolos – não foram incluídos nesse testamento. Entraram apenas os rolos (livros) que convinham ao clero.

Paulo ditou regras incompatíveis com a mensagem de Jesus. Soa falsa a narrativa das curas que ele afirma ter feito. Transparece a intenção de se mostrar igual a Jesus em poder espiritual e autoridade moral, de exibir superioridade em relação aos demais membros do apostolado e de se substituir a Jesus no coração e na mente dos seguidores. Em ato falho, Paulo revela aquela intenção quando diz: “Isto aparecerá claramente no dia em que segundo o MEU evangelho, Deus julgar as ações secretas dos homens, por Jesus Cristo.” (Epístola aos Romanos 2: 16). A palavra “evangelho” significa “boa nova”. Examinada a sua aplicação no texto do Novo Testamento, ver-se-á que a novidade a que se referia era a chegada do messias, encarnado por Jesus. Isto, para os judeus, significava o fim de uma longa espera, o advento da nova doutrina trazida por Jesus e a sua missão terapêutica e redentora (libertá-los das suas misérias e cegueira física, mental e espiritual). A doutrina era divulgada oralmente por Jesus e apóstolos. Após a morte de Jesus, houve divulgação também por escrito a partir do ano 50, primeiro pelas cartas dos apóstolos e depois pelos relatos em rolos (livros) denominados “evangelho segundo fulano, segundo beltrano ou cicrano”, nem sempre escritos pelo próprio apóstolo. Esses livros, além da doutrina e das curas, narravam momentos da vida e da morte de Jesus e de João Batista. A missão terapêutica e redentora era exercida mediante a palavra, o exemplo e a ação direta de Jesus e seus apóstolos. Sem fé, não havia cura nem redenção.

Paulo atribui a si próprio a missão de anunciar o “evangelho de Deus” (e não de Jesus). Falsamente, afirma ter sido escolhido apóstolo por Jesus e o coloca na linhagem real de Davi (Epístola aos Romanos 1: 1/3). A mentalidade farisaica de Paulo emerge inúmeras vezes.
Exemplo: dizendo-se portador do espírito santo, Paulo provoca cegueira no mago Élimas. O pecado do mago foi argumentar contra as razões expostas por Paulo no debate diante do proconsul Sérgio Paulo, em Chipre (Atos dos Apóstolos 13: 8/11). Sem argumentos para a réplica, Paulo recorreu à maldade. Este episódio, ainda que se inclua no rol das mentiras de Paulo, revela a sua distância do espírito cristão. Paulo teria agido como agiria Jeová, o cruel e vingativo deus hebreu, e como agiam os judeus em sintonia com a sanguinária lei de Moisés. O perfil de Jesus e do Pai Celestial desenhado pelos evangelistas não se encaixa naquele perverso modo de agir. Na altercação com os judeus, Jesus evidencia a distinção entre o seu Deus e o deus dos hebreus: “Vós sois filhos do diabo e quereis cumprir o desejo do vosso pai; ele era homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade porque a verdade não está nele”. “Meu Pai é que me glorifica, aquele que vós dizeis ser o vosso deus e, entretanto, vós não o tendes conhecido, mas eu o conheço” (João 8: 44, 54, 55).
Outro exemplo: Barnabé, apóstolo de Cristo, fundador da igreja em Antioquia, preparava-se para uma viagem supervisora às igrejas de várias cidades e pretendia levar João Marcos com ele. Paulo se opôs tenazmente, porque o seu escolhido era Silas. Discutiram acidamente. Separaram-se. Barnabé e João Marcos partiram para Chipre; Paulo e Silas para a Síria (Atos dos Apóstolos 15: 36/40). Em mais de uma ocasião, Paulo revelou esse temperamento ditatorial e arreliento. Por causa disto, ele foi surrado e expulso de algumas cidades. Essa reação de judeus e pagãos não era motivada pela exposição da nova e deturpada doutrina, mas sim pelo modo agressivo e ofensivo pelo qual Paulo a pregava.

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