segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – III.

Jeová ou Javé, deus de um povo, de Abraão, Isaac e Jacó (Exodus 3: 6). Esse deus não se confunde com o bondoso e misericordioso Pai Celestial de Jesus, nem com o Deus de luz, vida e amor dos místicos. As promessas de Javé a Abraão circunscrevem-se a bens e interesses mundanos; nada de elevação espiritual (Gênesis 12: 1/3). Promessas semelhantes foram feitas a Jesus por esse mesmo deus. Jesus o rechaçou e lhe deu outro nome: Satanás (Mateus 4: 3/10; Lucas 4: 3/12). Na concepção mística, Deus não faz promessa, não celebra contrato ou pacto. Sendo onipotente e onisciente, Deus não depende da concordância ou discordância, da fidelidade ou infidelidade dos seres humanos. Sendo bondoso e misericordioso, Deus não ordena a matança de homens, mulheres, crianças e meninos de peito, bois, ovelhas, camelos e jumentos como faz esse deus Javé (Samuel – I – 15: 2/3). O Pai Celestial de Jesus e o Deus dos místicos não exigem, de pessoa alguma, o pagamento dos dízimos ao tesouro do templo, como exigiu a divindade hebréia (Malaquias 3: 10).

Da leitura do Gênesis vem a indagação: se o homem ainda não fora criado, quem ouviu esse deus falar? Com quem esse deus falava? Em que idioma? Depois de dois milênios do nascimento de Adão (indivíduo que só existiu na cabeça do escritor hebreu) Jeová certamente conversou com o sacerdote Esdras em aramaico e entre um copo e outro de vinho contou o que fizera e dissera ao criar o mundo. Esdras deve ter gravado a conversa em fita magnética para nada esquecer e não filmou Javé a pedido da divindade. Depois do porre, escreveu tudo, reuniu o povo em praça pública e procedeu à leitura (Neemias 8: 1/8).

Além de investigar e explicar os fenômenos naturais, de procurar as causas das doenças, de elaborar processos de cura, a razão avança até a esfera metafísica para chegar a uma visão filosófica, mística e religiosa do universo físico e espiritual. Segundo Kant, a metafísica exige uma lógica especial quando se refere aos juízos “a priori” e não à experiência sensível. Denominou-a “Lógica Transcendental”. A fé religiosa também inclui uma interpretação do universo físico e espiritual. Em face disto, uns defendem a identidade essencial entre a filosofia e a religião, enquanto outros defendem a diferença essencial.

Para o primeiro grupo, a filosofia e a religião buscam a gnose, sob o mesmo impulso cognoscitivo. A religião é um grau inferior do conhecimento filosófico; este cuida de conceitos abstratos; aquela cuida de representações concretas. Segundo Johannes Hessen (“Teoria do Conhecimento”) entram nessa corrente o budismo, o neoplatonismo e o gnosticismo, na idade antiga; Spinoza, Fichte, Schelling, Hegel e Hartmann, na idade moderna. Para outros membros desse grupo como De Maistre, De Bonald e Lamennais, a filosofia é que se integra à religião. Há variantes, como a de Tomás de Aquino, que defende a identidade parcial entre filosofia e religião, porque ambas têm uma esfera comum, que é a teologia natural (escolástica) ou a teologia racional (iluminismo). Essa teologia busca demonstrar a existência de Deus e definir a sua essência mediante as forças naturais da razão. Nesta hipótese, a fé repousa no saber racional.

No segundo grupo, que defende a diferença essencial entre filosofia e religião, encontram-se os dualistas radicais e os dualistas moderados. Os radicais, liderados por Kant, separam completamente as duas esferas: a do saber, o mundo fenomênico; a da fé, o mundo metafísico. A metafísica é impossível como ciência. Os moderados, como Scheler, aceitam um ponto comum entre as duas esferas: a idéia do absoluto. A metafísica é possível como ciência a nos conduzir ao absoluto e ao princípio do universo. A filosofia aborda esse ponto sob a ótica cosmológica racional, fundada na idéia de um princípio espiritual do universo, enquanto a religião do livro (torá, evangelho, alcorão) o aborda sob o ponto de vista moral, fundada na idéia de um deus pessoal.

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