domingo, 28 de março de 2010

POESIAS

Manhã de domingo de sol reto./ A grande igreja sem estilo / decorada por dentro por um batismo de Cristo / feito por um pintor ingênuo / que quis ser clássico e foi primitivista./ Missa internacional / com gentes de todas as raças / ouvindo o padre alemão rezar em latim./ A gente nem tem vontade de olhar o crucifixo desolado / nem de rezar / porque tem lá dentro tanta menina bonita / que não reza também / e fica sapeando a gente com meiguice / Só os polacos de camisa nova por ser domingo / que vieram com as famílias de carroça lá das colônias / rezam fervorosamente / enquanto nos seus quintais / os chupins malvados e alegres / comem todo o centeio / cantando glórias pro sol de domingo. (“Minha terra” – Ponta Grossa/PR – Brasil Pinheiro Machado).

O brasileiro nortista que chegava / dizia que aquilo não era Brasil / que aquilo era uma aldeia russa/ (...) / Que não podia ser Brasil onde houvesse geada até o meio dia / onde em vez de caboclo meio bronze mulato / andassem polacos fazendo berganhas de porco e plantando mandioca. (Idem)

O polaquinho / o russinho / o alemãozinho / o italianinho/ Nascido ali / traduzia o pedido do viajante pro pai e do pai pro viajante / numa língua igualzinha à do caboclo de cor de bronze amulatado / sem regra de gramática portuguesa, graças a Deus! (Idem).

Vou-me embora pra Pasárgada / lá sou amigo do rei / lá tenho a mulher que eu quero / na cama que escolherei / vou-me embora pra Pasárgada. / Vou-me embora pra Pasárgada / aqui eu não sou feliz / lá a existência é uma aventura / de tal modo inconseqüente / que Joana a Louca de Espanha / rainha e falsa demente / vem a ser contraparente / da nora que nunca tive / e como farei ginástica / andarei de bicicleta / montarei em burro brabo / subirei no pau de sebo / tomarei banhos de mar! / e quando estiver cansado / deito na beira do rio / mando chamar a mãe d´agua / pra me contar as histórias / que no tempo de eu menino / Rosa vinha me contar / vou-me embora pra Pasárgada / em Pasárgada tem tudo / é outra civilização / tem um processo seguro / de impedir a concepção / tem telefone automático / tem alcalóide à vontade / tem prostitutas bonitas / para a gente namorar / e quando eu estiver mais triste / mas triste de não ter jeito / quando de noite me der / vontade de me matar / - lá sou amigo do rei - / terei a mulher que eu quero na cama que escolherei / Vou-me embora pra Pasárgada. (“Vou-me embora pra Pasárgada” – Manuel Bandeira).

Ontem à noite eu procurei ver se aprendia como é que se fazia uma balada Antes d´ ir pro meu hotel / É que este coração já se cansou de viver só e quer então morar contigo no Esplanada / Eu qu´ria poder encher este papel de versos lindos é tão distinto ser menestrel / No futuro as gerações que passariam diriam é o hotel do menestrel / Pra me inspirar abro a janela como um jornal / vou fazer a balada do Esplanada e ficar sendo o menestrel do meu hotel / Mas não há poesia num hotel mesmo sendo `Splanada ou Grand-Hotel / Há poesia na dor na flor no beija-flor no elevador / Quem sabe se algum dia traria o elevador até aqui o teu amor. (“Balada do Esplanada” – Oswald de Andrade).

Minha terra tem palmares / onde gorjeia o mar / os passarinhos daqui / não cantam como os de lá / Minha terra tem mais rosas / e quase que mais amores / minha terra tem mai ouro / minha terra tem mais terra / Ouro terra amor e rosas / eu quero tudo de lá / não permita Deus que eu morra / sem que volte para lá. / Não permita Deus que eu morra / sem que volte pra São Paulo / sem que veja a Rua 15 / e o progresso de São Paulo. (“Canto do regresso à Pátria” – Oswald de Andrade).

Não crês porque não vês. É a dúvida secreta / a eterna que te enleia / - a sombra pode ver o corpo que a projeta / mas nunca a luz que a cria. (“Sobre a dúvida” – Guilherme de Almeida).

Mas o tronco da árvore nova foi tronco também de escravos quimbundos / foi crucifixo de Cristos coitados que vieram – cruz! Credo! – cheirando a moxinga nos fundos / dos navios pretos que vieram mazombos descadeirados e catingudos / sem tarimba nem tanga fazendo banzé muamba e mandinga corcundas trombudos / chipanzés mecânicos treparam na cruz com rezas trejeito e benzeduras / de corpos lambidos por lambadas de fogo regaram de lágrimas sangue e suor as terras fecundas mas duras / e a terra deu tudo: deu tronco de escravos deu oiro aos senhores deu prata aos feitores / e os amos gritaram de gula e a terra gritou de piedade e os pretos gritaram de dores / fugiram ao bodum das donzelas e zonzos e fulos meteram-se em fundos mocambos escuros quilombos / e foram achados por capitães-do-mato e voltaram com calombos e cruzes nos ombros / mucamas em mulambos fizeram calungas e quimbembeques para as sinhazinhas e para os sinhôs / com candongas deram o “Sãos Cristo” a toda raça mandona de Iaiás e de Ioiôs / moleques crioulas cantaram lunduns bateram batuques pretas-minas cozeram quitutes, cuscuz / dançaram no samba pularam fogueiras como zumbis sonâmbulos funâmbulos nus / de maromba e tição nas mãos adoçadas acostumadas a dar cafuné / depois desceram coxeando roxas encostas com trouxas canastras e o amo em bangüê. (“Santa Cruz!” – Guilherme de Almeida).

Nenhum comentário: